Por Nathally Reis e Rafael Duarte*
A constituição de uma sociedade empresária naturalmente representa um comprometimento de relevo, devendo ser objeto de muita ponderação e reflexão sobre os potenciais desdobramentos decorrentes dos conflitos futuros. Tempo, dinheiro, esforço e dedicação serão destinados àquele projeto em comum e eventuais descompassos de visões de negócios poderão ocasionar conflitos intransponíveis, colocando sócios em lados opostos ao ponto de tornar absolutamente inviável a continuidade daquele vínculo societário.
A primeira pergunta que surge, então, é: como se pode solucionar um impasse societário dessa gravidade? Considerando o costume contencioso ainda muito arraigado culturalmente no Brasil, caso judicializada a questão, a contenda será discutida no âmbito de uma ação de dissolução parcial de sociedade. Se isso acontecer, as partes estarão submetidas a uma solução que se qualifica como morosa, custosa, bem como, por não se tratar de um processo sob segredo de justiça, sujeita a empresa ao escrutínio público, reduzindo a confiança de seus parceiros, fornecedores, clientes e até potenciais investidores¹, deixando a empresa à mercê dos olhos interessados de empresas concorrentes.
Outro questionamento bastante recorrente, diante do desinteresse na utilização do procedimento judicial, seria: por que não recorrer à arbitragem, em substituição à via judicial? Por mais que a opção pela arbitragem seja usualmente vista com bons olhos – em virtude da maior aptidão técnica dos árbitros -, é preciso ressalvar o fato de que se trata de um procedimento muito caro. Com isso, a consequência tende a ser a inviabilização da arbitragem para empresas de menor porte, visto que há quem sustente que a arbitragem só passe a fazer sentido para lidar com conflitos milionários².
A exclusão extrajudicial de sócio é outra opção de solução para conflitos societários. Trata-se de opção destinada a lidar com casos em que um dos sócios passa a praticar “atos de inegável gravidade”³ aptos a colocar em risco a continuidade da sociedade empresária, conforme determina o art. 1.085 do Código Civil. Ocorre que, como visto, trata-se de providência idealizada para solver ocorrências relacionados a atos inadmissíveis perpetrados por qualquer dos sócios, cuja gravidade salta aos olhos, como, por exemplo, a utilização da marca e reputação da empresa para atingimento de fins ilícitos, prática de concorrência contra a sociedade ou até mácula à reputação da sociedade perante terceiros.
O grande entrave para sua utilização é que, sem que tais eventos tenham se concretizado, a conclusão há de ser o afastamento da aplicação da exclusão extrajudicial de sócio, sob pena de configuração de ato abusivo de direito pelos demais sócios. Sem falar que, no cenário em que não houver previsão no contrato social da sociedade empresária, a exclusão de sócio – independentemente da gravidade do ato praticado – só poderá ocorrer mediante a distribuição de ação judicial própria para tanto.
Por conta de tudo isso, constata-se a presença de diferentes opções para solver os conflitos societários: a) um terceiro ou outro sócio adquire a participação do sócio que não mais deseja continuar na sociedade; b) sócio exerce o direito de retirada, liquidando-se sua participação (dissolução parcial da sociedade com apuração de haveres); ou c) o sócio é excluído pelos demais (se tiver incorrido em atos gravíssimos).
Considerando que são soluções complexas e, rotineiramente, morosas e onerosas, ganha especial destaque a opção das Deadlock Provisions.
Deadlock Provisions
Essas nada mais são do que cláusulas contratuais que trazem para o âmbito negocial o que, caso contrário, seria resolvido mediante conflitos judiciais, delineando-se como “cláusulas de compra ou venda forçadas em que sócios conflitantes são obrigados a comprar ou vender o total de quotas/ações um do outro”4, admitindo-se a sua regulamentação “no contrato social ou no acordo de sócios (instrumentos que regulam os objetivos, interesses e obrigações dos sócios/acionistas)”5, com o desiderato de lidar com impasses ou divergências.
Destaca-se que existem diferentes possibilidades a serem utilizadas da melhor maneira para atender as expectativas da sociedade. Como opções, salientamos: Buy or Sell, Shotgun ou Russian Roulette; Mexican Shootout; Fairest Sealed Bid ou Terceira Variação; Dutch Auction; Texas Shootout (Shoot-out Action); One Cut The Other Chooses; Put Option e Call Option; e Drag Along e Tag Along. Essas possibilidades de deadlock provisions mais consolidadas no universo societário estão esmiuçadas neste artigo.
¹“[…] o ajuizamento de uma ação visando a solução de intercorrências entre sócios muitas vezes fomenta enormes prejuízos à pessoa jurídica. Esses podem ser de ordem material (financeira) ou extrapatrimonial, levando-se em consideração a exposição da empresa. Uma red flag para investidores e uma imagem de uma empresa com pouca organização para o mercado consumidor e os stakeholders em geral.” (MORAIS, Ana Carolina de; VIEIRA, Lucas Bezerra. Problemas entre sócios? Saiba o que são as Deadlock Provisions e como elas podem te ajudar. Jusbrasil, 2021. Disponível em: https://lucasbz.jusbrasil.com.br/artigos/1255155506/problemas-entre-socios-saiba-o-que-sao-as-deadlock-provisions-e-como-elas-podem-te-ajudar. Acesso em: 04 mai. 2022).
²“[…] existem estudos que apontam que o custo beneficio da arbitragem só é melhor do que o judicial em conflitos cujo valor discutido ultrapassa o teto de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). Sim, você leu corretamente, é um vulto extraordinário.” (DEADLOCK Provisions: O que existe além da cláusula de Shotgun? FBA Advocacia, 2021. Disponível em: https://fbaadvocacia.com.br/deadlock-provisions-o-que-existe-alem-da-clausula-de-shotgun/. Acesso em: 04 mai. 2022).
³Código Civil. Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.
Parágrafo único. Ressalvado o caso em que haja apenas dois sócios na sociedade, a exclusão de um sócio somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.
4DEADLOCK Provisions: O que existe além da cláusula de Shotgun? FBA Advocacia, 2021. Disponível em: https://fbaadvocacia.com.br/deadlock-provisions-o-que-existe-alem-da-clausula-de-shotgun/. Acesso em: 04 mai. 2022.
5MORAIS, Ana Carolina de; VIEIRA, Lucas Bezerra. Problemas entre sócios? Saiba o que são as Deadlock Provisions e como elas podem te ajudar. Jusbrasil, 2021. Disponível em: https://lucasbz.jusbrasil.com.br/artigos/1255155506/problemas-entre-socios-saiba-o-que-sao-as-deadlock-provisions-e-como-elas-podem-te-ajudar. Acesso em: 04 mai. 2022.
*Nathally Reis, Estudante da Escola de Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) e bolsista de Iniciação Científica no Tecnopuc Startups, com atuação em projetos como o Startup Garage, no desenvolvimento do programa e na mentoria de startups, e no TecnopucLaw, iniciativa da escola de Direito para auxílio aos empreendedores do Tecnopuc nas suas questões jurídicas. Atualmente, estagiária no Caputo Advogados Associados, assessoria empresarial especializada em startups.
*Rafael Duarte, Sócio do escritório Caputo Advogados, com atuação especializada em Empresas de Base Tecnológica e Startups. Pós-graduando em Direito Digital e Proteção de Dados; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores, tais como Inovativa Brasil, entre outros; Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS; Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS.