*Por Alexandre Caputo
Existem muitas dúvidas na hora de contratar um PJ em decorrência da confusão entre a realidade das funções exercidas pelo prestador e a caracterização de uma relação de emprego disfarçada.
É muito comum que empresas de tecnologia, tanto Startups quanto Estúdios de Games, optem por contratar PJs (prestadores pessoas jurídicas) para atuarem na empresa.
Com relação a isso, surgem muitas dúvidas sobre a forma correta de fazerem isso.
As principais perguntas que recebemos sobre o tema são:
Qual é a diferença entre contratar um prestador autônomo e um emprego?
Como afastar o vínculo de emprego ao contratar um PJ?
PJ pode ter férias, 13º (Décimo Terceiro), E-mail da empresa?
Como reduzir os riscos trabalhistas ao contratar PJ?
Para responder a essas perguntas, é necessário primeiro explicar quais são os requisitos para a configuração do vínculo de emprego (CLT)?
Quais são os requisitos do vínculo de emprego (CLT)?
Nos termos do art. 3º da CLT, constituem elementos tipificadores da relação de emprego a subordinação, a pessoalidade, a onerosidade e a não eventualidade. A ausência de comprovação da integralidade desses requisitos impede o reconhecimento da relação como sendo de emprego.
Funcionário CLT: Art. 3º, da CLT:
Art. 3º – Considera-se empregado toda a pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
O funcionário com carteira assinada tem direito a benefícios: vale transporte, alimentação, férias remuneradas, 13° salário, licença-maternidade, INSS e recolhimento do FGTS.
Cumpre horário fixo e é subordinado ao que é determinado pela empresa, sem possuir autonomia.
Principais características do vínculo empregatício: Subordinação, Habitualidade, Pessoalidade, Remuneração.
Quando o trabalho é registrado em carteira, o funcionário precisa ter rotina, deve cumprir horário registrando o início e o término da jornada de trabalho, com intervalo para refeição e descanso, o que não é necessário para os prestadores de serviço que são PJ. Além disso, o CLT apresenta uma relação de pessoalidade; ou seja, não comporta ser substituído por outra pessoa, tendo de sempre informar que se ausentará.
É comum que o funcionário CLT tenha crachá funcional, uniforme e e-mail da empresa.
O que caracteriza um Prestador de Serviços PJ?
A principal característica é flexibilidade e autonomia para prestar o serviço, não sendo subordinado a ninguém da empresa que contrata os seus serviços e não possuindo, igualmente, exclusividade. Relevante explicar que a existência ou não de exclusividade não é requisito essencial para afastar ou atrair o vínculo empregatício, porém prestar serviços para outras empresas contribui de forma decisiva para afastar a habitualidade.
Além disso,
CLT ou PJ?
Para contratar PJ, a regra é clara: não podem estar presentes os elementos que caracterizam vínculo empregatício: subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade.
Em geral, considera-se habitual o prestador que exerce atividades para a empresa a partir de três vezes por semana ou que firma contratos por longo período de tempo.
Pessoalidade significa que é sempre o mesmo prestador e ele não é substituído por outro. Se é exigido que o prestador (em regra, o sócio da empresa contratada – MEI) execute de forma exclusiva as atividades, restará evidente a pessoalidade. Podendo o trabalhador se fazer substituir por outra pessoa, não há falar em vínculo de emprego, porquanto ausente o requisito da pessoalidade.
A Habitualidade está intimamente ligada à PESSOALIDADE e significa que o colaborar está disponível de forma rotineira, regular, seja prestando serviços por longo período, seja realizando sempre o mesmo horário nos mesmos dias.
Trecho de jurisprudência que afastou o vínculo de emprego:
“O reclamante não era contínuo, não tinha uma frequência fixa ou regular, tampouco tinha uma previsão de repetibilidade em dado período de tempo”
Já a Subordinação significa que o prestador está sujeito às ordens do empregador. Essa situação fica muito evidenciada quando há uma subordinação estrutural, quando o trabalhador depende, obrigatoriamente, da estrutura física (equipamentos, pessoal, etc.) da empresa para exercer sua profissão. Pode, também, ser subordinação subjetiva, na qual o trabalhador está sujeito às ordens e à fiscalização do empregador (símbolo disso é o controle de jornada, ou ponto eletrônico). Por isso, uma forma de reduzir a subordinação é através da contratação do autônomo por JOB. Realizada a tarefa, ele não fica à disposição da empresa.
A exclusividade não é um requisito do vínculo de empregado, mas a emissão de notas fiscais em sequência demonstra pessoalidade e habitualidade, o que pode contribuir para o reclamante comprovar o preenchimento dos requisitos do vínculo empregatício.
Nesse sentido, entende o TRT da 4ª Região:
A subordinação jurídica é caracterizada pela sujeição do trabalhador às ordens e direção do empregador nas atividades laborais do empregado, ficando o trabalhador submetido e dependente das ordens do empregador.
A pessoalidade caracteriza-se pela impossibilidade de substituição da pessoa do empregado por outra para desenvolver as atividades laborais ajustadas, uma vez que cada trabalhador possui vínculo jurídico único, o que demandaria novo contrato de trabalho.
A onerosidade se reveste na contraprestação do trabalho, sendo o contrato de trabalho comutativo, o trabalhador fornece sua mão de obra e o empregador se obriga ao pagamento pelo trabalho realizado.
A não eventualidade é elemento que associa a prestação de serviços ao princípio da continuidade e à permanência no trabalho, sendo previsível e esperado que a relação de esforços comuns se mantenha no tempo, com o empregador dispondo da mão-de-obra do trabalhador, e o trabalhador recebendo o salário pelo labor despendido.
Havendo a negativa de prestação dos serviços por parte da reclamada, o que é o caso dos autos, o ônus da prova da prestação dos serviços cabe ao reclamante. Assim, incumbe ao reclamante a prova quanto aos fatos constitutivos do seu direito e à reclamada a prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito pleiteado, a teor do disposto no art. 818 da CLT c/c art. 373 do CPC.
(TRT da 4ª Região, 2ª Turma, 0020172-06.2019.5.04.0019 ROT, em 27/04/2022, Desembargador Alexandre Correa da Cruz – Relator)
Lei da Terceirização (Lei n. 13.429/2017)
A lei da terceirização já está sendo amplamente aplicada pela Justiça do Trabalho. Ocorre que, mesmo com a possibilidade de as empresas terceirizarem suas atividades-fim, os juízes do trabalho se apegam às regras da relação de trabalho do artigo 3º elencado acima e tendem a interpretar a relação com base na premissa de subordinação, etc, afastando assim o contrato de prestação de serviços se há uma relação de emprego direta entre a empresa contratante e o prestador da empresa contratada (terceirização).
Isso também ocorre ao utilizar-se de cooperativas de trabalho. Nessa situação, é fundamental que o contrato estabeleça regras claras nas quais a cooperativa se responsabilize integralmente por qualquer ação trabalhista proposta contra o contratante pelo cooperado.
O artigo 442-B da CLT trata sobre a contratação de autônomo:
“A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no Art. 3º”.
Ainda assim, tudo gira em torno de haver ou não os requisitos da subordinação, pessoalidade, habitualidade, etc:
VÍNCULO DE EMPREGO. TERCEIRIZAÇÃO ILEGAL. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. A partir da tese firmada pelo STF, por ocasião do julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324 e do Recurso Extraordinário (RE) 958.252, a caracterização do vínculo de emprego diretamente com o tomador de serviços depende da comprovação da existência dos requisitos de emprego elencados no artigo 3º da CLT. Não demonstrada a presença dos pressupostos da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, inviável o reconhecimento de vínculo empregatício.
(TRT da 4ª Região, 11ª Turma, 0020989-07.2018.5.04.0019 ROT, em 06/09/2022, Desembargador Manuel Cid Jardon)
O Supremo Tribunal Federal afastou a ilicitude da terceirização na atividade-fim (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 324 e Recurso Extraordinário nº. 958252, julgados em 30/8/2018, com repercussão geral reconhecida), no seguinte sentido (ADPF nº. 324):
O Tribunal, no mérito, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente o pedido e firmou a seguinte tese: 1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993, vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Nesta assentada, o Relator esclareceu que a presente decisão não afeta automaticamente os processos em relação aos quais tenha havido coisa julgada. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 30.8.2018.
De acordo com a lei da terceirização:
“Art. 4º-A . Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos.
- 1º A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços.
- 2º Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante.”
Como reduzir os riscos na contratação de PJ?
A única forma é afastando algum dos elementos característicos do vínculo de emprego, especialmente a pessoalidade, habitualidade ou a subordinação:
PJ pode ter controle de horário? Não pode ter controle de horário
PJ pode ter férias e/ou 13º salário? Não possui direito a férias, nem 13º salário.
PJ pode ter um chefe ou superior hierárquico? Não pode ter subordinação – chefe.
PJ pode ter meta ou prazo para entrega? Sim, desde que não haja subordinação. Sugestão: Utilizar um aplicativo para controle das entregas estipulando prazos mas não horário.
Preferencialmente sugere-se que o prestador não utilize a sede da empresa diariamente – Sugestão: Trabalho home office com ida à empresa apenas para reunião de alinhamento. Ou, se utilizar a sede da empresa, todos os prestadores ficarem em um local diferente, sem a presença de funcionários da empresa, para tentar afastar a ideia de subordinação e confusão entre os serviços prestados por PJ e por CLT.
Preferencialmente que não emita notas fiscais sequenciais e sucessivas para a mesma empresa;
Preferencialmente estabelecer que os pagamentos serão por Jobs específicos ou projetos. Caso não seja possível pagar sob demanda (Jobs), pagar o PJ por hora e efetivamente ter variação nas horas pagas.
Prestadores exercerem funções diferentes dos contratados CLT. É muito importante que haja diferença entre o contratado PJ e o CLT. Caso contrário, se torna muito fácil comprovar o vínculo.
Se for necessário utilizar o e-mail da empresa, que seja criado um e-mail com código ou função. Exemplo: Marketing1@ e não a pessoalização do email alexandre@
Caso seja utilizada uma cooperativa de trabalhadores, o contrato tem que prever que a cooperativa se responsabiliza por qualquer ação trabalhista.
*Alexandre Caputo, OABRS 93.651, sócio do escritório Caputo Advogados; MBA em andamento em Venture Capital, Private Equity e Investimento em Startups; Pós-graduado em Direito Societário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Contratos, Direito Imobiliário e Responsabilidade Civil pela PUCRS; Pós-graduado em Direito Público pelo IDC; Diretor na Associação Gaúcha de Startups (AGS); Diretor na Associação Odabá; Palestrante em direito, tecnologia e inovação; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores.