Por Gabriel Felipe Silva das Neves
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- Introdução
Atualmente, os recursos e serviços digitais são indispensáveis para a manutenção dos setores de Startups e Games, sendo o licenciamento de softwares uma das principais e mais essenciais peças para esse equilíbrio, rotineiramente utilizados para a execução das atividades, para administração da empresa e para o controle do relacionamento com clientes e parceiros.
Nesse sentido, tornou-se extremamente comum o licenciamento de softwares estrangeiros pelas startups e estúdios de games no mercado brasileiro, devido à globalização da internet, à produção de programas de qualidade nos países mais desenvolvidos tecnologicamente e à inexistência de tributos exigíveis em decorrência dessa “importação” de softwares não customizáveis, já que, pelo entendimento doutrinário e jurisprudencial até então dominante, esse era considerado mercadoria pronta, sem qualquer prestação de serviços para desenvolvimento ou alterações para as empresas brasileiras.
Contudo, devido a recentes discussões, decisões e resoluções das autoridades nacionais que envolvem a referida tributação pelo licenciamento, além de pela cessão de uso e pela manutenção de softwares, o presente artigo tem o objetivo de esclarecer as razões e consequências dessas alterações para determinar com clareza quais tributos de fato incidem quando da importação de softwares não customizáveis.
- As Decisões do STF e a Solução de Consulta COSIT Nº 107/2023
De início, é importante saber que “COSIT” se refere à Coordenação-Geral de Tributação. Assim, as Soluções de Consulta COSIT são disposições da Receita Federal com efeito vinculante em seu âmbito, respaldando quem as aplicar.
Já a Solução de Consulta nº 107/2023 dispõe especificamente acerca da tributação imposta aos softwares importados.
Fato interessante é que tal disposição foi a terceira Solução de Consulta COSIT em 2023 a abordar a tributação de softwares, sendo as outras duas de nºs 036/2023 e 075/2023. Essa linha constante de mudança se dá devido aos julgamentos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nºs 5.659/MG e 1.945/MT realizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tema 590 de repercussão geral, os quais definiram que o licenciamento ou a cessão de software – independentemente do nível de customização ou da forma de entrega – deveria ser entendido como uma prestação de serviço, ou seja, sendo tributado por meio do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS ou ISSQN).
Nesse sentido, anteriormente ao novo entendimento do STF, apenas o licenciamento ou a cessão de softwares customizáveis era classificado como prestação de serviço, sendo os softwares prontos para uso tributados como produto e, portanto, a fazer incidir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Assim, a alteração do tributo cabível aos softwares influencia também na natureza jurídica do objeto comercializado e, ato contínuo, em sua relação de importação, devido às diferentes regras entre o ISS e o ICMS.
- Tributação sobre a importação de Softwares Antes e Após as Recentes Decisões e Soluções
- Antes das Decisões e Soluções:
Como explicado, os softwares prontos para uso (comumente conhecidos como softwares de prateleira) e os customizáveis (que necessitavam de desenvolvimento específico) eram tributados de forma diferente na importação antes das recentes decisões.
Os softwares de prateleira sofriam a incidência do ICMS por serem, à época, considerados mercadorias prontas, sem a necessidade de prestação de serviço próprio ao cliente. Isso significava que, qualquer que fosse o valor da nota fiscal, o valor da tributação seria zero devido à entrada do software no país ter o valor aduaneiro (valor de transação de mercadoria importada com a entrada em território nacional) nulo, que é necessário para a quantificação do ICMS.
Já os softwares customizáveis, de forma diferente, sofriam a incidência do ISS devido à prestação de serviço realizada para alcançar a personalização desejada pelo cliente. Dessa forma, devido à quantificação do ISS ser realizada com o valor do serviço, conforme será explicado, o licenciamento ou cessão dos softwares customizáveis eram tributados.
- Após as Decisões e Soluções – Entendimento Atual:
Após o contexto detalhado anteriormente, todo e qualquer licenciamento ou cessão de software passou a ser considerado – para essa finalidade – prestação de serviços, devido ao esforço humano direcionado para a construção do software, assim sendo conceituada como uma criação intelectual do desenvolvedor.
Dessa forma, e após as decisões do STF, o ISS começou a incidir sob o licenciamento ou cessão de softwares importados. Diferentemente à incidência do ICMS, isso significa que, de fato, o pagamento pelos softwares serão tributados, pois, no ISS, basta a prestação do serviço a título oneroso, e não a entrada de mercadoria em território nacional, como no ICMS
Contudo, e conforme a Resolução de Consulta COSIT nº 107/2023, a incidência do ISS também atraiu a incidência de outros tributos ao licenciamento ou cessão de softwares importados, tais como o PIS/Pasep-Importação (Programa de Integração Social / Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público com incidência à importação) e o COFINS-Importação (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social com incidência à importação), e trouxe à tona o debate acerca da incidência do IRRF (Imposto de Renda Retido na Fonte) e da CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), todos tributados de forma conjunta ao ISS, a depender do caso concreto e da forma que serão explicados a seguir:
- PIS/Pasep-Importação e COFINS-Importação
Ambos os tributos são contribuições sociais de competência da União que atingem o âmbito da importação. Nesses casos, o valor da contribuição é calculado com a alíquota de 1,65% para o PIS/Pasep-Importação e de 7,6% para a COFINS-Importação na base do valor pago, creditado, entregue, empregado ou remetido para o exterior, antes da retenção do imposto de renda.
Na Resolução de Consulta nº 107/2023, essas contribuições são resolvidas conforme o seguinte trecho, considerando o já mencionado entendimento de que o software, como produto do esforço humano, seria uma prestação de serviços:
A [COFINS-Importação e PIS/Pasep-Importação] incide sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, como contraprestação à prestação de serviços decorrentes de contratos de licenciamento de uso de softwares, como a manutenção e o suporte a esses relacionados. (…) nos termos do inciso II do art. 7º c/c o inciso II do art. 3º da Lei nº 10.865, de 2004.
- IRRF
O Imposto de Renda Retido na Fonte está diretamente ligado ao Imposto de Renda, sendo que, nesse caso, o valor é tributado mensalmente e calculado diretamente pelos pagamentos realizados entre Pessoas Físicas e/ou Jurídicas.
Esse tributo é aplicado ao licenciamento de softwares importados e ao serviço técnico de manutenção pois incide na fonte situada no Brasil sob os rendimentos pagos, creditados, empregados, entregues ou remetidos a pessoas jurídicas domiciliadas no exterior, caracterizando royalties, devido à exploração de direitos autorais. As alíquotas são variáveis conforme a natureza jurídica dos rendimentos, o país em que a beneficiária é residente ou domiciliada e o regime fiscal ao qual é submetida a pessoa jurídica domiciliada no exterior.
Na Resolução de Consulta nº 107/2023, o IRRF é resolvido conforme o seguinte trecho:
(…) a residente ou domiciliado no exterior, pelo usuário final, para fins de aquisição ou renovação de licença de uso de software, independentemente de customização ou do meio empregado na entrega, caracterizam royalties e estão sujeitos à incidência de Imposto sobre a Renda na Fonte (IRRF), em regra, sob a alíquota de 15% (quinze por cento). (…) Na hipótese de o beneficiário ser residente ou domiciliado em país com tributação favorecida, a alíquota do IRRF sobre os royalties devidos pela licença de uso de software será de 25% (vinte e cinco por cento).
A prestação do serviço técnico de manutenção, incluindo atualização de versão do software, desde que essa atualização não origine novo licenciamento ou prorrogação do prazo da licença original, quando remunerada a residente ou domiciliado no exterior, estará sujeita à incidência de IRRF à alíquota de 15% (quinze por cento). (…) Caso o prestador do serviço seja residente ou domiciliado em país ou dependência enquadrado como de tributação favorecida, incidirá a alíquota de 25% (vinte e cinco por cento).
- CIDE
Por fim, a CIDE é uma contribuição com incidência sobre as remessas efetuadas a beneficiários no exterior para diferentes tipos de pagamento, sendo, no caso dos softwares, referente à remuneração de serviços técnicos por licenciamento com transferência da tecnologia ou eventual manutenção ou atualização, devido à necessidade da técnica específica para a resolução do problema.
Na Resolução de Consulta nº 107/2023, a CIDE é resolvida conforme o seguinte trecho:
A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico não incide sobre a remuneração a residente ou domiciliado no exterior pela licença de uso de programa de computador (software), incluindo a aquisição de versão de atualização do software, através de nova licença ou prorrogação do prazo da licença original, salvo quando envolver a transferência da correspondente tecnologia. (…) [A CIDE] incide sobre a remuneração a residente ou domiciliado no exterior, em caso de contratação de serviço técnico de manutenção pela atualização da versão do próprio software, desde que não origine novo licenciamento, à alíquota de 10% (dez por cento). (…) Dispositivos Legais: art. 2º, § 2º, da Lei nº Lei nº 10.168, de 2000.
- Incongruências na Tributação de Softwares
Conforme o exposto, notam-se incongruências jurídicas na tributação atual dos softwares estrangeiros, ao passo que são importados, criando uma insegurança tributária que provavelmente incorrerá em judicialização do tema no futuro a fim de adequar os tributos corretos e devidos aos softwares importados.
Porém, enquanto os tributos não forem adequados, o entendimento atual é trazido pela Resolução de Consulta nº 107/2023 com um conceito híbrido à definição do licenciamento, cessão ou manutenção dos softwares estrangeiros, já que, para fins dos tributos PIS/Pasep-Importação e COFINS-Importação, o licenciamento ou cessão desses softwares são entendidos como um serviço; para o IRRF, o licenciamento, cessão e manutenção dos softwares são entendidos como royalties; e para a CIDE, esses são entendidos como serviço técnico.
Sendo assim, apesar de juridicamente não ser possível o enquadramento do pagamento pelo licenciamento, cessão ou manutenção do software com tais entendimentos contraditórios entre si, esse é o cenário atual dado pelas autoridades fiscais, que deve ser seguido à tributação dos softwares importados enquanto o tema não for devidamente enfrentado.
- Conclusão
A partir dos pontos apresentados neste artigo, entende-se que a tributação na importação de softwares, por meio de licenciamento, cessão e manutenção do produto passou – e passará – por mudanças pela Receita Federal com base nas recentes decisões dos Poderes Judiciário e Executivo brasileiros.
Contudo, apesar de a utilização de softwares estrangeiros ter se tornado tributada, e, consequentemente, mais custosa às startups e aos estúdios de games brasileiros, os benefícios e preços competitivos presentes nos programas internacionais continuam sendo favoráveis o suficiente para que as empresas não precisem extinguir o costume de importação para licenciamento/cessão.
Agora, após a leitura e compreensão da tributação pela importação de softwares, caso o seu interesse seja de se aprofundar também na tributação nacional e/ou de exportação de softwares no país, acompanhe o blog e as redes sociais da Caputo Advogados, pois publicaremos estudos desses tópicos nas próximas semanas!
*Gabriel Felipe Silva das Neves – Estagiário no Escritório Caputo Advogados. Graduando em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel); Membro do grupo de pesquisa “O Direito Privado na Contemporaneidade” da UFPel; Atuação em projetos de escrita científica com foco em direito digital, empresarial e contratual; Estágio nos setores Trabalhista e de Procedimentos Especiais na Procuradoria Geral de Pelotas; Estágio em escritório de advocacia nos setores de: Startups, Trabalhista e Tributário; Estágio no Caputo Advogados, asessoria empresarial especializada em startups.
Referências
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). “Tema 590 – Incidência de ISS sobre contratos de licenciamento ou de cessão de programas de computador (software) desenvolvidos para clientes de forma personalizada”. Portal do STF, 2022. Disponível no link: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4245695&numeroProcesso=688223&classeProcesso=RE&numeroTema=590.
BRASIL. Ministério da Economia. Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil. SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 107, de 06 de junho de 2023. Disponível no link: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?naoPublicado=&idAto=131161&visao=anotado.
BRASIL. Ministério da Fazenda. “IRRF (Imposto sobre a renda retido na fonte)”. Gov.br, 2023. Disponível no link: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/orientacao-tributaria/tributos/IRRF.
CONCA, Gabriela e FERREIRA, Davi Finotti. “Novo capítulo da novela tributação de software e como é tratado pela Receita”. ConJur, 2023. Disponível no link: https://www.conjur.com.br/2023-jun-28/concae-ferreira-capitulo-novela-tributacao-software
COSTA, Cícero. “PIS/PASEP e Cofins: como funciona a tributação nas importações?”. Migalhas, 2022. Disponível no link: https://www.migalhas.com.br/depeso/375314/pis-pasep-e-cofins-como-funciona-a-tributacao-nas-importacoes.
LIMA, Fabiana. “ISS e ICMS: entenda cada um dos impostos”. Remessa Online, 2021. Disponível no link: https://www.remessaonline.com.br/blog/iss-e-icms-entenda-cada-um-dos-impostos/
SPECTER, Harvey. “ICMS X ISS: Entenda dois dos principais impostos do país”. Studio Fiscal, 2022. Disponível no link: https://www.studiofiscal.com.br/blog/revisao-tributaria/voce-nunca-ganhara-muito-se-ficar-apenas-se-preocupando-em-minimizar-as-perdas/#:~:text=Ambos%20comumente%20acabam%20sendo%20relacionados,a%20empresas%20que%20vendem%20produtos.
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