Quais as possibilidades e restrições na locação ou alienação de vagas de garagem em condomínio edilício?

Sumário

Um tópico bastante recorrente envolvendo condomínios edilícios é a incidência de regras relativas à locação ou alienação de vagas de garagem e, portanto, se há ou não diferenças de tratamento jurídico a depender de quem é o adquirente/locatário de referidas vagas.

Para analisar o tema, a primeira questão que merece abordagem pontual é a explanação acerca das diferentes composições jurídicas das vagas de garagem, para, então, viabilizar a compreensão de como isso impacta nas possibilidades negociais daí advindas.

DIFERENTES ESTRUTURAS JURÍDICAS DAS VAGAS DE GARAGEM:

De modo bastante sintético, os condomínios edilícios podem comportar três diferentes estruturas jurídicas para locais de parqueamento de veículos: a) vagas autônomas com matrícula própria; b) vagas sem matrícula própria, mas atreladas ao apartamento/casa; ou c) vagas sem matrícula própria e integrantes das áreas comuns da edificação.

Primeiramente, as vagas privativas com matrícula própria devem ser entendidas como unidades autônomas, assim como apartamentos, lojas ou casas. Isto é, trata-se de um imóvel dotado de individualidade a legitimar a realização de atos negociais dispositivos, sem necessidade de que o apartamento, loja ou casa lhe acompanhem; isto é, não lhe é, necessariamente, aplicado o princípio da gravitação jurídica1, segundo o qual o “acessório segue o principal (acessorium sequitur principale)”2. Todavia, como será visto posteriormente, essa liberdade negocial não é irrestrita.

A segunda modalidade de vaga é aquela que está descrita na matrícula do apartamento, loja ou casa, de modo que possui evidente caráter acessório. Por conseguinte, não poderá ser negociada de modo apartado da unidade autônoma3, visto que integram um todo unitário e indissolúvel. Como essa espécie de vaga de garagem compõe a mesma matrícula e está incluída na fração ideal da unidade autônoma imobiliária, aplica-se integralmente o princípio da gravitação jurídica, para o fim de obstar a alienação separada4.

Por fim, a terceira modalidade é a vaga não autônoma, que está, por sua vez, descrita como área comum do condomínio. Na prática, significa dizer que configura porção do imóvel compartilhado por todos, caso em que o efetivo uso por qualquer dos condôminos haverá de ser dar em conformidade com as normas internas do condomínio edilício (regimento interno e convenção condominial). Justamente por se tratar de área comum, adota-se o entendimento de inalienabilidade apartada das áreas comuns, conforme preceitua o § 2º do art. 1.331 do Código Civil5.

De todo o exposto, infere-se que, dentre as três modalidades de composição jurídica das vagas de estacionamento, só se poderá falar em alienação apartada quando a vaga consubstanciar imóvel autônomo, ou seja, a primeira espécie abordada.

SE A VAGA DE GARAGEM FOR AUTÔNOMA, A SUA ALIENAÇÃO OU LOCAÇÃO SERÁ LIVRE? QUALQUER PESSOA PODERÁ ADQUIRIR OU LOCAR REFERIDA VAGA?

A resposta é, em regra, negativa. Isso porque, em 2012, o § 1º do art. 1.331 do Código Civil6 foi modificado pela Lei nº 12.607/12, passando a limitar as possibilidades de alienação ou aluguel de vagas de garagem. Com supedâneo na preocupação legítima de reduzir as possibilidades de pessoas estranhas circularem dentro da circunscrição condominial, inverteu-se a premissa: em regra, a alienação/locação para terceiros estranhos ao condomínio será vedada.

Referida inversão se operou, pelo fato de que, anteriormente, inexistia permissivo legal expresso para impedir tais atos negociais, sob o fundamento de que, se a vaga constituísse unidade imobiliária autônoma, seria possível a sua negociação apartada, tal qual se aplica para as negociações envolvendo apartamentos, lojas e casas. Atualmente, contudo, para admitir a alienação ou aluguel para terceiros, será indispensável previsão na convenção de condomínio autorizando que isso ocorra. 

Em termos breves, conclui-se que, no silêncio da convenção de condomínio, reconhecer-se-á inválida a locação ou alienação da unidade para pessoa estranha ao condomínio edilício. Logicamente, caso os condôminos tenham o interesse em sedimentar a questão, afastando toda e qualquer dúvida, mediante a inclusão de dispositivo que proíba o ato negocial com terceiros, será legítima sua inclusão, segundo defende Arnaldo Rizzardo: “Nessa dimensão, parece razoável concluir pela possibilidade em constar, na convenção, item coibindo a faculdade de dar a garagem em locação para pessoas não condôminas ou não residentes no edifício.” 7

Melhim Namen Chalhub posiciona-se de modo até mais categórico, visando a incrementar a segurança condominial. Na visão do doutrinador, só seria admissível a alienação do imóvel a pessoa estranha à comunidade condominial “se permitido pelo ato constitutivo do condomínio e, ainda, se a ela não se opuser a respectiva assembleia geral.”8

Nota-se, assim, o evidente objetivo do legislador de reduzir os riscos aos demais condôminos, criando embaraços a que terceiros estranhos circulem livremente dentro do condomínio edilício, exigindo manifestação expressa dos condôminos para que tal regra seja relativizada na prática.

SE A CONVENÇÃO NADA DISPUSER SOBRE O TEMA, HÁ ALGUMA FORMA DE, CASUISTICAMENTE, AUTORIZAR A ALIENAÇÃO A TERCEIRO?

Nessa conjuntura, como forma de dar concretude ao princípio da operabilidade, cuja finalidade é facilitar a concretização de direitos e legitimar uma interpretação civilista mais racional e exequível, será possível a autorização condominial pontual para realização do ato negocial, desde que conte com o quórum necessário para tanto.

Considerando que a admissibilidade da negociação com terceiros dependeria de previsão expressa na convenção de condomínio, o procedimento correto seria mediante a alteração convencional. Como o art. 1.351 do Código Civil preceitua que dita modificação exige quórum de 2/3 dos condôminos9, será possível autorizar a negociação com terceiros se houver chancela de, pelo menos, 2/3 dos condôminos em assembleia designada para este fim.

Trata-se de possibilidade defendida pela advogada e diretora do departamento jurídico da Aabic (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo), Moira Toledo: “’Caso não haja autorização estabelecida, é necessário o quórum de 2/3 dos condôminos para aprovação, o mesmo necessário para a modificação da convenção”10.

AINDA QUE ADMITIDA A NEGOCIAÇÃO COM TERCEIROS, OS DEMAIS CONDÔMINOS POSSUEM PREFERÊNCIA?

Explanada a série de fatores que devem convergir para legitimar a negociação (definitiva ou temporária) da unidade com terceiros estranhos ao condomínio, cumpre abordar a seguinte questão: ainda que seja admitida, há preferência outorgada aos demais condôminos? A questão possui grande relevância, pelo fato de que, mesmo que seja admitido o ingresso de terceiros como premissa, o núcleo duro da disposição é o aumento da proteção dos condôminos, o que, teoricamente, estaria sendo observado com a prioridade a que as vagas de garagem sejam usadas pelos próprios coproprietários.

Nesse sentido, enfatiza-se a incidência do art. 1.338 do Código Civil, ao prever que, caso o condômino decida “alugar área no abrigo para veículos, preferir-se-á, em condições iguais, qualquer dos condôminos a estranhos, e, entre todos, os possuidores.” Na condição de possuidores, devem ser entendidos como “locatários, usufrutuários, usuários, titulares de direito real de habitação e comodatários”11, na linha louvável de preservação do uso das áreas condominiais por aqueles que lá residem.

Como há prioridade estendida a condôminos, para o fim de regularizar eventual locação para terceiros estranhos ao condomínio, é altamente recomendável que o condômino locador documente a oferta de tal preferência a todos os condôminos, como, por exemplo, mediante a aposição de aviso em elevadores e hall de entrada, contemplando prazo para manifestação e o valor pretendido para realização do negócio jurídico12.

No presente artigo, portanto, abordou-se a possibilidade (ou não) de alienação ou locação de vagas de garagem em condomínios edilícios, bem como as cautelas necessárias a serem adotadas por condôminos e terceiros adquirentes ou locatários, para que a negociação seja realizada de modo lícito e regular. Ademais, considerando a necessidade de previsão na convenção de condomínio para admitir referida negociação com estranhos ao condomínio, caso seja de interesse dos condôminos a extensão de tais faculdades negociais, justifica-se a revisão da convenção de condomínio, para o fim de atualizá-la aos anseios da entidade condominial.

Para maiores informações sobre Direito Imobiliário e Contratual, acompanhe nossas postagens e aguardamos comentários e dúvidas!

 

*Rafael Duarte é Advogado, responsável pelo setor de Direito Imobiliário do escritório Caputo Assessoria Jurídica; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduando em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS; Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS; Atua na área empresarial com ênfase em Startups e empresas do setor imobiliário. www.caputoduarte.com.br

 

1 “Tem-se uma exceção à regra de que o acessório é inseparável do principal, isto é, de que as garagens são inseparáveis das partes comuns e das frações ideais. Entretanto, para viabilizar essa alienação, não se prescinde da matrícula da unidade no Registro de Imóveis.” (RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 82).

2 TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 4: Direito das Coisas – 9. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.p. 113.

3 “Elas também são de propriedade individual do morador e são consideradas privativas, com metragem própria. Todavia, são vinculadas à matrícula de um apartamento, estando incluídas na fração ideal da respectiva unidade, não podendo ser vendidas de modo separado do apartamento.” (MORO em condomínio. Posso vender ou alugar a minha vaga de garagem? Jusbrasil, 2018. Disponível em: https://thaynakozarenko.jusbrasil.com.br/artigos/645386372/moro-em-condominio-posso-vender-ou-alugar-a-minha-vaga-de-garagem. Acesso em: 30 nov. 2020).

4 “Para que possa ser vendida, a vaga de garagem deve ser uma unidade autônoma, com escritura e registro próprios. A vaga sem escritura própria não pode ser vendida, pois está atrelada ao apartamento.” (POSSO vender minha vaga de garagem no condomínio? Uol Economia, 2019. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/11/02/permitido-ou-nao-vender-vaga-de-garagem-condominio.htm#:~:text=A%20lei%20federal%2012.607%2F12,expressa%20na%20conven%C3%A7%C3%A3o%20do%20condom%C3%ADnio%22. Acesso em: 30 nov. 2020).

5 Código Civil. Art. 1.331. […] § 2º O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos.

6 Código Civil. Art. 1.331. […] § 1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio.

7 RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 82.

8 CHALHUB, Melhim Namem. Incorporação imobiliária. 4. ed. rev. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 42.

9 Código Civil. Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos.

10 POSSO vender minha vaga de garagem no condomínio? Uol Economia, 2019. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/11/02/permitido-ou-nao-vender-vaga-de-garagem-condominio.htm#:~:text=A%20lei%20federal%2012.607%2F12,expressa%20na%20conven%C3%A7%C3%A3o%20do%20condom%C3%ADnio%22. Acesso em: 30 nov. 2020.

11 PEREIRA, Caio Mário da Silva; atualizadores: Sylvio Capanema de Souza, Melhim Namem Chalhub. Condomínio e incorporações. 13. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro, Forense, 2018. p. 49.

12 RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 82.

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