Medidas emergenciais trabalhistas a serem adotadas frente a uma Calamidade Pública

Sumário

Por Gabriel Felipe Silva das Neves

 

1 – Introdução

Fato incontroverso é que a decretação de estado de calamidade pública na região de atuação de uma empresa pode afetar gravemente a sua capacidade de seguir cumprindo a integralidade dos direitos trabalhistas de seus empregados.

Nesse sentido, após o período da pandemia do Covid-19 no Brasil, o governo federal editou a Medida Provisória nº 1.109/22 – futuramente convertida na Lei nº 14.437/22 -, a fim de conferir maior segurança a empregados e empregadores por meio da regulamentação de medidas trabalhistas alternativas para viabilizar a continuidade da atividade empresarial, a manutenção do emprego e renda e a redução dos impactos decorrentes do estado de calamidade pública.

Assim, em meio à atual decretação de calamidade pública no estado e em grande parte dos municípios do Rio Grande do Sul em razão das fortes enchentes e inundações que assolaram o território gaúcho, bem como em possíveis futuras calamidades que aflijam o país, dá-se necessário que as empresas compreendam quais são tais medidas trabalhistas alternativas, com o propósito de utilizá-las adequadamente e, assim, evitar maiores danos à sociedade e a seus empregados.

 

2 – A Lei nº 14.437, de 15 de agosto de 2022

De início, é importante compreender quais são os objetivos da Lei nº 14.437/22. Diante da decretação do estado de calamidade pública em uma região (seja em âmbito nacional, estadual ou municipal com reconhecimento pelo governo federal) e da situação de baixa produtividade nas empresas, adota-se como máxima prioridade a preservação do emprego e da renda1, garantindo-se, outrossim, a continuidade das atividades da empregadora e a redução do impacto social decorrente da calamidade pública por meio da adoção de medidas emergenciais trabalhistas e do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.

Porém, inicialmente, neste artigo analisaremos apenas as medidas emergenciais trabalhistas, as quais precisam observar a forma regulamentada pela Lei e por ato do Ministério do Trabalho e Previdência (MPT) – com prazos prorrogáveis de 90 (noventa) dias – realizado durante o estado de calamidade pública, conforme será posteriormente aprofundado e de modo semelhante ao ato anunciado às enchentes no RS2, de modo que se estendem a todos os trabalhadores, sejam eles rurais, urbanos, domésticos, temporários, aprendizes ou estagiários3.

Assim, as medidas possíveis de serem aplicadas pelas empresas são detalhadas individualmente na Lei e serão analisadas no próximo tópico desta publicação, englobando a possibilidade de uso do regime de teletrabalho, da antecipação de feriados, de banco de horas e de férias individuais, além da concessão de férias coletivas e da possibilidade de suspensão da exigibilidade de recolhimento do FGTS.

 

3 – As Medidas Emergenciais

A fim de seguir a linha de raciocínio do legislador brasileiro, as medidas emergenciais trabalhistas presentes na Lei nº 14.437/22 – passíveis de serem aplicadas durante um estado de calamidade pública após o ato anunciado pelo  MPT – serão aqui analisadas individualmente:

I – Do Teletrabalho

A critério da empregadora, o regime de trabalho presencial dos empregados poderá ser substituído pelo regime de teletrabalho ou de trabalho remoto, independentemente de acordo ou de registro prévio no contrato de trabalho do empregado.

Para isso, a empregadora deverá notificar o empregado com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas  – por escrito ou por meio eletrônico – e, futuramente, determinar o retorno ao trabalho presencial adotando a mesma formalidade, sem a necessidade, portanto, de firmar acordo ou de alterar o contrato de trabalho.

Contudo, devido às diferenças repentinas entre o regime presencial e o regime de teletrabalho ou trabalho remoto, a empregadora deverá firmar contrato com o empregado no prazo de até 30 (trinta) dias após a alteração, dispondo acerca das responsabilidades pela aquisição, manutenção e fornecimento de equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária para a prestação do trabalho. Nesse sentido, no caso de o empregado não possuir tais equipamentos e/ou infraestrutura, o art. 3º, §4º, da Lei nº 14.437/22, dispõe que a empregadora poderá solucionar o impasse por meio do comodato (se fornecer os equipamentos e custear os serviços de infraestrutura, cujo custeio não ostentará natureza salarial) ou de contabilização da jornada como tempo de trabalho à disposição do empregador (caso seja impossível fornecer os equipamentos e/ou custear os serviços de infraestrutura):

Art. 3º […] §4º […] I – o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e custear os serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial; ou

II – o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador, na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato de que trata o inciso I deste parágrafo.

II – Da Antecipação de Férias Individuais

A critério da empregadora, as férias dos empregados poderão ser antecipadas, mesmo no cenário em que o período aquisitivo a que se refira ainda não tenha transcorrido, situação em que o pagamento da remuneração poderá ser realizado até o quinto dia útil do mês subsequente ao do início das férias (de forma diferente à regra da CLT, em que o pagamento deverá ser realizado antes do início das férias), ao passo que o adicional de ⅓ (um terço) das férias poderá ser pago até a data em que é devida a gratificação natalina do empregado.

Para isso, a empregadora deverá notificar o empregado com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas  – por escrito ou por meio eletrônico – e indicar o período de férias a ser gozado, que deve ser de, no mínimo, 5 (cinco) dias corridos.

Além disso, a empregadora poderá negociar com o empregado a antecipação de períodos futuros de férias, por meio de acordo individual escrito.

III – Da Concessão de Férias Coletivas

A empregadora poderá, a seu critério, conceder férias coletivas a todos os empregados ou setores da empresa, situação em que é permitida a concessão por prazo superior a 30 (trinta) dias e em que não se aplica o limite máximo de 3 (três) períodos anuais previsto na CLT.

Para isso, a empregadora deverá notificar todos os empregados afetados com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas  – por escrito ou por meio eletrônico -, ficando dispensada a comunicação prévia ao MPT e aos sindicatos da categoria.

IV – Do Aproveitamento e da Antecipação de Feriados

A critério da empregadora, o gozo de feriados federais, estaduais, distritais e municipais (incluídos os religiosos) pelos empregados poderão ser antecipados, bem como poderão ser utilizados para compensação do saldo em banco de horas.

Para isso, a empregadora deverá notificar os empregados beneficiados com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas  – por escrito ou por meio eletrônico – e indicar expressamente quais serão os feriados aproveitados.

V – Do Banco de Horas

A partir de acordo individual ou coletivo escrito, poderá ser decidido pela interrupção das atividades pela empregadora com a constituição de regime especial de compensação de jornada (por meio de banco de horas) em favor da empregadora ou do empregado, definindo-se a compensação no prazo de até 18 (dezoito) meses, contado da data de encerramento do período de medidas emergenciais anunciado no ato do MPT.

Para isso, a compensação do saldo de horas poderá ocorrer independentemente de acordo ou convenção, devendo ser feita por meio da prorrogação de jornada em até 2 (duas) horas, não podendo, contudo, exceder a 10 (dez) horas diárias, inclusive aos finais de semana.

VI – Da Suspensão da Exigibilidade dos Recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)

Por fim, o próprio ato do MPT poderá suspender a exigibilidade dos recolhimentos do FGTS de até 4 (quatro) competências, relativos a trabalhadores localizados nas áreas alcançadas pela calamidade pública, independentemente do número de empregados, do regime de tributação e do ramo da empresa. Ou seja, essa possibilidade não depende do interesse ou da adesão prévia da empregadora ou do empregado, decorrendo, pois, de iniciativa exclusiva do Poder Público.

Dessa forma, após o fim do período de suspensão, o depósito das competências suspensas poderá ser realizado de forma parcelada mediante condições estabelecidas em novo ato do MPT, sem a incidência de atualizações, multas e encargos no caso de não serem inadimplidas.

 

4 – Conclusão

Por meio do estudo realizado, conclui-se que, mediante uma situação de calamidade pública e a partir de ato do MPT, há a possibilidade de aplicação de medidas emergenciais trabalhistas a critério exclusivo da empregadora ou a partir de acordo com os empregados, a fim de garantir, a um só tempo, a preservação da empresa e a manutenção da renda dos trabalhadores.

Assim, consultar um profissional de sua confiança e seguir os preceitos legais trabalhistas são essenciais para minimizar os prejuízos à empresa durante uma calamidade pública, além de evitar a judicialização pelos empregados. Caso tenha interesse em receber maiores informações e publicações relacionadas aos direitos trabalhistas, fique conectado no site e nas redes sociais da Caputo Advogados.

 

 

 


*Gabriel Felipe Silva das Neves – Estagiário no Escritório Caputo Advogados. Graduando em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel); Membro do grupo de pesquisa “O Direito Privado na Contemporaneidade” da UFPel; Atuação em projetos de escrita científica com foco em direito digital, empresarial e contratual; Estágio nos setores Trabalhista e de Procedimentos Especiais na Procuradoria Geral de Pelotas; Estágio em escritório de advocacia nos setores de: Startups, Trabalhista e Tributário; Estágio no Caputo Advogados, asessoria empresarial especializada em startups.

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1Agência Câmara de Notícias. Entra em vigor lei que institui regras trabalhistas para períodos de calamidade pública. In: Câmara dos Deputados, 2022. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/903389-entra-em-vigor-lei-que-institui-regras-trabalhistas-para-periodos-de-calamidade-publica/. Acesso em 28 de mai de 2024.

2 Ministério do Trabalho e Emprego. Governo federal libera recursos de FGTS, Abono Salarial e Seguro-Desemprego para atingidos pelas chuvas no RS. In: Gov.br, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2024/Maio/mte-libera-recursos-de-fgts-abono-salarial-e-seguro-desemprego-para-atingidos-pelas-chuvas-no-rs. Acesso em 28 mai de 2024.

3Agência Câmara de Notícias. Entra em vigor lei que institui regras trabalhistas para períodos de calamidade pública. In: Câmara dos Deputados, 2022. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/903389-entra-em-vigor-lei-que-institui-regras-trabalhistas-para-periodos-de-calamidade-publica/. Acesso em 28 de mai de 2024.

 

 

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