*Por Alexandre Caputo
Antes de ler este artigo, sugerimos conferir o nosso Guia Prático: Como se preparar para Captar Investimento com dicas fundamentais para a Startup que deseja captar investimento para acelerar o seu negócio.
O Mútuo Conversível e a ineficiência tributária no perdão da dívida
Ao longo da última década (ou mais), o Mútuo Conversível foi o instrumento contratual mais utilizado pelos Investidores Early Stages (primeiras rodadas de investimento). Esse contrato é uma inspiração do instrumento americano (Convertible Note) e se trata de uma dívida (Mútuo) com a possibilidade de o Investidor converter essa dívida em participação societária (Conversível), se atingidas algumas condições suspensivas, tais como a transformação prévia da Startup em uma Sociedade Anônima. Assim, no vencimento do contrato, o Investidor tem três alternativas principais: (i) exigir o dinheiro de volta com uma taxa ou correção monetária pré definida; (ii) exigir a conversão da dívida em participação societária; ou (iii) desistir do investimento e perdoar a dívida (write-off).
Atualmente, não existe uma padronização no Contrato de Mútuo (apesar de existirem boas práticas de mercado que devam ser seguidas) e, com isso, a criatividade dos advogados e founders (fundadores) não tem limite. Por isso, existem contratos que simplesmente ignoram a existência de uma dívida e transformam o documento em uma simples Opção de Compra, sem a possibilidade de devolução do investimento – o que, na prática, desconfigura o caráter de dívida (Mútuo). Outros contratos preveem a devolução do Mútuo apenas no caso de descumprimento do contrato por parte da Investida. Outros, ainda, preveem que o Investidor poderá optar pela devolução do Mútuo ou pela Conversão em Participação Societária. Referidas alternativas geram repercussões jurídicas diferentes do ponto de vista tributário, tanto para a Startup quanto para o Investidor.
Um dos reflexos é justamente quando ocorre o Write-Off, que é o perdão da dívida. Nesse caso, apesar de não ser comum, poderia ser considerado que o investimento, na verdade, foi uma doação, e não um Mútuo, gerando, assim, a ocorrência do fato gerador de ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações), a ser pago pelo donatário (quem recebe a doação).
Outro reflexo importante é o IOF (imposto sobre operações financeiras). Após decisão recente do STF ao julgar o RE nº 590.186/RS – tema 104 – restou pacificado o entendimento de que incide IOF na realização de empréstimos entre pessoas jurídicas ou entre pessoas jurídicas e pessoas físicas, não se restringindo a operações de crédito realizadas por instituições financeiras. Então, na prática, se o Investidor for Pessoa Física ou Pessoa Jurídica, haverá a incidência de IOF. Apenas não incidindo se o Mútuo for de Pessoa Física para Pessoa Física.
Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 252, de 2023 – Contrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC)
Diante disso, com o objetivo de criar um instrumento contratual que não tenha caráter de dívida, tramita no Congresso Nacional, com aprovação do Senado e pendente de análise da Câmara dos Deputados (até meados de junho de 2024), o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 252, de 2023, de autoria do Senador Carlos Portinho, que tem como proposta alterar a Lei Complementar (LC) n° 182, de 1° de junho de 2021 (Marco Legal das Startups), para criar um novo instrumento jurídico, denominado contrato de investimento conversível em capital social (CICC), com o objetivo de estimular o aporte de recursos em Startups, tornando o processo mais atrativo para potenciais Investidores.
Entre os pontos que podem justificar a criação do novo instrumento, destaca-se a opinião do PARECER Nº 22, DE 2024-PLEN/SF, de relatoria do Senador IZALCI LUCAS:
Assim, as alterações sugeridas deixam claro que o aporte de capital do Investidor por meio do CICC não é dívida da Startup, ao determinar que o CICC possui natureza de instrumento patrimonial, não representando um passivo para a Startup tampouco um crédito líquido, certo e exigível para o Investidor. Além disso, determina que o CICC não terá o seu valor atualizado e não renderá juros ou outra forma de remuneração ao seu titular.
O Contrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC), se aprovado, terá as seguintes características:
a. O Investidor transfere recursos à Startup para a subscrição de ações ou quotas de sua emissão, em momento futuro e mediante a ocorrência de eventos predeterminados no próprio contrato;
b. Não é considerado um instrumento de dívida, dado que o CICC possui natureza de instrumento patrimonial, não representando um passivo para a Startup, tampouco um crédito líquido, certo e exigível para o Investidor;
c. O CICC não terá o seu valor atualizado, nem renderá juros ou outra forma de remuneração ao Investidor;
d. Para fins tributários, o Investidor deverá reconhecer o montante originalmente transferido por meio do CICC como custo de aquisição da participação adquirida, em decorrência da conversão do CICC em capital social da Startup, independentemente do valor atribuído às ações ou quotas entregues pela Startup ao Investidor, bem como de qualquer valor do CICC, quando da sua conversão em capital social.
e. O CICC será extinto:
I – por ocasião da dissolução ou liquidação da Startup;
II – pela conversão do CICC em capital social; ou
III – pela perda do direito do Investidor à aquisição de participação no capital social da Startup nas demais hipóteses previstas no contrato.
f. Em caso de dissolução ou liquidação da Startup, os recursos a ela transferidos para fins de celebração do CICC não serão exigíveis pelo Investidor a qualquer título e deverão ser destinados às contas de capital próprio da Startup.
g. No caso de conversão da participação societária, o investimento realizado por meio do CICC será alocado à conta de capital da Startup, sem prejuízo da possível alocação de parcela do investimento em reservas de capital.
h. Para o Investidor, a apuração de eventual ganho de capital do Investidor em CICC ocorrerá quando da alienação, pelo Investidor, nos termos do art. 21 da Lei n.º 8.981, de 20 de janeiro de 1.995, do Contrato de Investimento ou das ações ou quotas da Startup.
As diferenças com relação ao Mútuo Conversível são bastante relevantes e deverão ser consideradas tanto pela Startup quanto pelo Investidor antes de decidirem qual instrumento será o mais adequado para formalizar a rodada de investimento.
De um lado, se o Investidor optar pelo Mútuo Conversível, poderá cobrar a devolução do Investimento ao final do contrato. Por outro lado, caso perdoe a dívida, poderá haver reflexos tributários. Já para a Startup, o CICC representa mais segurança do ponto de vista financeiro, posto que não terá uma dívida ao final do prazo do contrato de investimento.
Por fim, insta relembrar que o Marco Legal das Startups trouxe mais segurança para o Investidor ao garantir que não será considerado sócio ou acionista, nem possuirá direito a gerência ou a voto na administração da empresa, sem prejuízo da atribuição de outros direitos ao Investidor, conforme pactuado em contrato.
Diante disso, se o projeto de lei for aprovado, representará um avanço significativo para o ecossistema de Startups, trazendo ainda mais segurança jurídica, principalmente do ponto de vista tributário, para que os Investidores aportem recursos nas Startups sem alguns dos entraves proporcionados pelo investimento qualificado como mútuo.
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*Alexandre Caputo, Advogado OAB/RS 93.651, sócio do escritório Caputo Duarte Advogados; MBA em Venture Capital, Private Equity e Investimento em Startups pela FGV/SP, Pós-graduado em Direito Societário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Contratos, Direito Imobiliário e Responsabilidade Civil pela PUCRS; Vice Presidente na Associação Gaúcha de Startups (AGS) – 2023/2025; Palestrante em direito, tecnologia e inovação; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores tais como Inovativa, ABStartups, Inovenow, UFRGS, Tecnopuc, Atrion Moinhos, entre outros. Atua na área empresarial com ênfase em Startups e Estúdios de Games.