Por Gabriel Felipe Silva das Neves
Introdução
Na administração de uma empresa, é comum que os sócios acabem tendo dúvidas em relação à definição das funções e atividades de seus funcionários. Devido a isso, o acúmulo de funções é um tema recorrente na seara trabalhista, podendo causar grandes atritos entre o empregado e o empregador.
Dessa forma, este artigo visa dispor as formas que o acúmulo de funções se configura, os malefícios que esse pode trazer no ambiente de trabalho, bem como as práticas que as empresas podem tomar para prevenir a sua ocorrência.
Como o acúmulo de funções se configura?
O acúmulo de funções pode ocorrer individualmente a cada um dos empregados de uma empresa, decorrendo do momento em que o colaborador passa a cumprir funções adicionais além daquelas definidas em seu contrato de trabalho, porém sem alteração do cargo e sem acréscimo salarial.
Contudo, antes de maior aprofundamento, é essencial entender a diferença entre uma “função” e uma “atividade” realizada por um empregado:
i. Uma função é entendida como o conjunto de todos os direitos, obrigações, responsabilidades e atribuições exercidas por um colaborador, estando ligada ao cargo que a pessoa exerce, e idealmente bem definidas de forma expressa no contrato de trabalho e na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do empregado, porém também possíveis de serem exigidas caso sejam compatíveis ao seu cargo, com base no art. 456 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT);
ii. Já uma atividade é entendida como as tarefas individualmente executadas pelo empregado durante a prestação de seu serviço. Cada colaborador possui diferentes atividades que precisam ser cumpridas diariamente, englobadas pela mesma função.
Essa diferenciação é importante para entender que a prática de diferentes atividades por um empregado não resulta em um acúmulo de função. Isso pois, em razão da função do trabalhador, esse pode ser responsável por realizar tarefas compatíveis com a natureza do seu cargo, mesmo que não estejam discriminadas no contrato de trabalho.
Com tais termos definidos, é possível o aprofundamento nas formas de configuração do acúmulo de funções de um empregado. O acúmulo ocorre quando um funcionário contratado para uma função específica – conforme definido em contrato e na CTPS – passa a exercer outra(s) função(ões) (que não sejam definidas em contrato) após o início da prestação de trabalho, sem o devido acréscimo salarial.
Essa prática de outra função pelo empregado deverá ocorrer de forma recorrente e com regularidade. Ou seja, caso o trabalhador passe a exercer outra função apenas para suprir pontualmente uma emergência, por exemplo, após outro colaborador ser demitido até o momento que outro seja contratado, não há a caracterização do acúmulo de função. Contudo, caso esse funcionário passe a exercer essa função de forma recorrente e regular, sem receber o devido acréscimo salarial e sem que outro colaborador seja contratado para receber essa segunda função, será caracterizado o acúmulo.
Nesse sentido, é importante entender que o acúmulo de funções não está definido expressamente na legislação brasileira; contudo, os pontos acima explicados são entendimentos pacificados na jurisprudência.
Por fim, apesar de comumente confundidos, há uma diferença entre o que se entende como “acúmulo de funções” e “desvio de funções”, sendo essencial que a empresa entenda a distinção para que possa regularizá-las de forma correta. O desvio de função – diferente do acúmulo de funções já explicado – ocorre quando o funcionário passar a exercer uma função totalmente diferente da que foi contratado, mas sem receber por isso; ou seja, o empregado não mais exerce a função inicial definida em seu contrato, mas uma nova função diversa dessa primeira, geralmente com mais responsabilidades, e sem que seu contrato de trabalho, sua CTPS e seu salário sejam regularizados.
Compreendido a forma de configuração do acúmulo de funções, dá-se necessário compreender quais são os malefícios causados à empresa caso seus funcionários passem a acumulá-las.
Malefícios decorrentes do acúmulo de funções
Apesar do entendimento comum entre sócios e/ou empresários de que o acúmulo de funções em um empregado pode ser positivo em razão da diminuição de gastos, é necessário entender que tanto o empregado como o empregador têm os limites da relação profissional definidos no contrato de trabalho; e, caso esse limite não seja respeitado e o acúmulo de funções ocorra, ambos lados poderão sofrer prejuízos.
Inicialmente, um dano facilmente perceptível à relação empresarial é a diminuição de produtividade do funcionário que acumula funções, devido à sua esperada exaustão física e mental sofridas pela carga de trabalho excessiva, podendo inclusive causar a doença do trabalho burnout. Tal fato afeta negativamente tanto a saúde do funcionário como a dinâmica da empresa, que poderia esperar outro nível de produtividade desse trabalhador.
Além disso, e como consequência dos próprios danos causados ao funcionário com acúmulo de funções, a reputação da empresa também pode ser afetada pela difusão de tais informações, potencializada pela internet. Isso poderá afastar outros trabalhadores e/ou novos talentos que se sintam acuados por essa situação, ou até mesmo investidores e/ou parceiros que entendam que tais práticas são negativas.
Já em relação a questões mais concretas – que envolvam o contrato de trabalho e a CLT -, a empresa também poderá sofrer grandes prejuízos financeiros. Apesar da CLT não dispor expressamente sobre o acúmulo de funções, a jurisprudência utiliza a legislação que trata indiretamente do assunto (como o art. 468 da CLT) para definir que na ocorrência de acúmulo de funções a um empregado, a empresa poderá ser obrigada a pagar multas e ressarcir o funcionário. Inclusive, isso faz com que a empresa precise alterar sua organização interna por meio de novas contratações, causando uma soma de situações que prejudicam a sua saúde financeira.
Nesse sentido, a referida obrigação de pagamento de multas e ressarcimento ao funcionário poderá ser estipulada por meio de sentença processual, em que o empregado requeira o acréscimo em seu salário em razão do acúmulo de funções. Esse acréscimo salarial poderá se dar entre 10% a 40% do salário base recebido (em analogia à lei 6.615/78 ou podendo ser prevista em Acordos ou Convenções Coletivas de Trabalho), a depender do caso concreto, uma vez que o percentual de acréscimo salarial irá refletir todas as verbas salariais e funções acumuladas pelo funcionário.
Tais requerimentos poderão ser realizados pelo empregado por meio de processo judicial, tendo esse o ônus de provar que acumulava funções na empresa. Isso poderá ser provado por meio da apresentação de trocas de mensagens com os representantes da empresa, atividades exercidas em comparação com a função definida no contrato de trabalho ou na CTPS, testemunhas orais, vídeos, fotografias, etc.
Dessa forma, o empregado poderá solicitar não somente o acréscimo salarial, como também o seu desligamento em razão da falta grave cometida pelo empregador – definido como “rescisão indireta”. Tal situação, fundamentada pelo art. 483, alínea “a”, da CLT, dá ao funcionário o direito de se desligar da empresa de forma semelhante a uma demissão sem justa causa; ou seja, ele manterá todos os seus direitos trabalhistas e deverá receber da empresa a integralidade de todas as verbas rescisórias, inclusive com a aplicação do acréscimo salarial definido em razão do acúmulo de funções.
Assim, sendo perceptível que o acúmulo de funções impõe diversos malefícios à relação empresarial entre todos os envolvidos, é possível que a empresa tenha práticas preventivas para que o acúmulo não ocorra, mesmo que de forma não intencional.
Como prevenir o acúmulo de funções
Em retrospecto ao primeiro tópico deste artigo, a forma de prevenir a ocorrência do acúmulo de funções é a prática de ações que sejam contrárias àquelas que de fato configurem o acúmulo ao empregado.
Dessa forma, um cuidado inicial extremamente importante é a atenção do empregador na redação do contrato de trabalho firmado com o empregado, bem como na anotação de sua CTPS. Além de ser necessário dispor claramente qual a função do funcionário e quais são (quase) todas as atividades que serão realizadas, é fundamental também definir que a empresa poderá eventualmente solicitar a execução de atividades compatíveis ao seu cargo, com base no já referido art. 456 da CLT; porém, claro, a depender do caso concreto, pois o empregador não poderá requerer a prestação de atividades totalmente alheias à função original do colaborador.
Ainda, o ideal é que a empresa tenha um planejamento adequado de cargos, funções e salários de cada funcionário, a fim de identificar todas as atribuições e remuneração correspondentes. Assim, mantendo um fluxo de trabalho que demonstre todas as etapas das atividades e funções executadas na empresa e das responsabilidades de cada funcionário, será possível demonstrar em eventual processo trabalhista quais as atribuições do empregado e, consequentemente, a inexistência do acúmulo de funções ou desequilíbrio entre as responsabilidades dos funcionários.
Por fim, caso a alteração da função do profissional se dê necessária, o ideal é disponibilizar a opção de reenquadramento de seu cargo, permitindo-o assumir a nova função com o acréscimo salarial correspondente, ou de recusar o reenquadramento, permanecendo com seu cargo e função atual.
Conclusão
Por meio do estudo realizado, conclui-se que o acúmulo de funções é configurado de maneira extremamente específica, sendo possível preveni-lo de diferentes maneiras, a fim de que os malefícios causados por essa situação não afete a relação empresarial e profissional entre o empregador e o empregado.
Exercer a administração de sua sociedade seguindo os preceitos legais é essencial para refrear atritos internos, além de evitar a judicialização pelos colaboradores da empresa. Assim, caso tenha interesse em receber maiores informações e publicações relacionadas ao direito trabalhista e à administração societária, fique conectado no site e nas redes sociais da Caputo Advogados!
*Gabriel Felipe Silva das Neves – Estagiário no Escritório Caputo Duarte Advogados. Graduando em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel); Membro do grupo de pesquisa “O Direito Privado na Contemporaneidade” da UFPel; Atuação em projetos de escrita científica com foco em direito digital, empresarial e contratual; Estágio nos setores Trabalhista e de Procedimentos Especiais na Procuradoria Geral de Pelotas; Estágio em escritório de advocacia nos setores de: Startups, Trabalhista e Tributário; Estágio no Caputo Advogados, asessoria empresarial especializada em startups.
Referências
FORBIZ. Acúmulo de função: entenda tudo sobre esse assunto. Forbiz Bussiness Software, ano desconhecido. Disponível em: https://forbiz.com.br/acumulo-de-funcao-entenda-tudo-sobre-esse-assunto/. Acesso em 29 de dez. de 2024.
VIEIRA, Fernando Borges. Distinção e especificidades do acúmulo e desvio de função. Migalhas, 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/371538/distincao-e-especificidades-do-acumulo-e-desvio-de-funcao. Acesso em 29 de dez. de 2024.
COSTA, Rodrigo. Como Identificar o Acúmulo de Função? Salari Advogados, ano desconhecido. Disponível em: https://salariadvogados.com.br/acumulo-de-funcao/. Acesso em 29 de dez. de 2024.
ADVOCACIA, CHC. 5 fatos sobre acúmulo de função e desvio de função. CHC Advocacia, 2023. Disponível em: https://chcadvocacia.adv.br/5-fatos-sobre-acumulo-de-funcao-e-desvio-de-funcao/. Acesso em 29 de dez. de 2024.
GUEDERT, Diogo. Acúmulo de função: o que todo gestor precisa saber. Guedert Advogados, 2023. Disponível em: https://guedert.adv.br/acumulo-de-funcao-entenda/. Acesso em 29 de dez. de 2024.
ORTEP, Redação. Acúmulo de função: saiba tudo sobre esse assunto. Blog Ortep, 2024. Disponível em: https://www.ortep.com.br/acumulo-de-funcao/. Acesso em 29 de dez. de 2024.