* Maria Thereza Henriques
O que é vesting?
O termo vesting vem do inglês e pode ser traduzido, em sua literalidade, como o “ato de vestir”, que simbolicamente apresenta uma das inovações contratuais mais interessantes relacionadas ao direito dos contratos e ao direito empresarial. Este modelo de parceria tem se tornado cada vez mais comum, no Brasil, em relação às startups em bootstrapping (início da jornada empreendedora com recursos próprio, usando baixo ou nenhum investimento), justamente em virtude de seu formato, que permite à startup um processo crescente de maturação e desenvolvimento de suas atividades.
O vesting é uma modalidade de programa de benefício de longo prazo que permite ao colaborador adquirir o direito de comprar as ações do plano de forma condicional. As empresas frequentemente utilizam cláusulas de vesting para assegurar que suas ações sejam destinadas a indivíduos que contribuíram significativamente para o desenvolvimento do negócio, seja pelo tempo de serviço ou pela excelência no desempenho de suas funções. A aquisição da participação societária pode ser condicionada a um preço diferenciado, condicionado ao cumprimento de uma determinada condição, que pode ser temporal, baseada em metas ou qualquer outro parâmetro acordado entre as partes.
A adoção de programas de benefícios de longo prazo, tais como planos de stock options com cláusulas de vesting proporciona uma motivação adicional aos colaboradores para permanecerem na empresa por mais tempo e para apresentarem um desempenho focado na geração de valor a longo prazo. Esse mecanismo pode ser aplicado tanto na sua forma tradicional quanto no modelo conhecido como “vesting invertido”. Neste artigo, explicaremos o funcionamento do último e as formas de sua utilização.
Para que serve a sua aplicação?
O termo “Vesting” é usado em diferentes situações. Geralmente, relacionado ao processo de aquisição ou obtenção de algo ao longo de um período específico. No contexto corporativo, o termo pode se referir ao direito de um indivíduo adquirir gradualmente opções de ações, conhecidas como Stock Options, participação acionária ou outros benefícios dentro de uma empresa.
O vesting tradicional vincula a outorga de participação societária ao atingimento de certo marco temporal ou certas metas. Dessa forma, o beneficiário do vesting, no momento de assinatura do contrato, não exercerá o direito de ingressar na sociedade imediatamente e irá adquirir esse direito de forma gradual, mediante o cumprimento das condições previstas no contrato.
Mais do que uma mera cláusula contratual, o Vesting funciona como uma tática para assegurar que o profissional permaneça engajado e dedicado até o momento de receber sua contrapartida. A lógica é direta: em vez de dar de imediato às ações ao colaborador, entrega-se uma opção de adquirir participação societária ao longo de um período estabelecido. Assim, o profissional vai conquistando o direito a exercer a aquisição dessas ações conforme sua trajetória na companhia.
Esse método assegura que os interesses do colaborador e da empresa caminhem juntos, já que, ao propor a opção de comprar ações, não vinculada à remuneração, mas como uma operação mercantil, a empresa motiva o colaborador a buscar o êxito duradouro da organização.
Importante frisar que em geral, Startups utilizam o Vesting como uma forma de oferecer ao colaborador a oportunidade de comprar participação societária a um preço atrativo (seja com um grande desconto no Valuation da empresa, seja através da venda por um preço simbólico). É sempre importante a Startup cuidar os aspectos jurídicos da operação para que não seja confundida com um benefício remuneratório, quando as ações integram a base salarial do colaborador e incidem os reflexos trabalhistas (13º, Férias, FGTS, INSS, etc). Por isso, é fundamental que se o interesse das partes for estruturar uma operação mercantil, e não remuneratória, haja o efetivo desembolso (pagamento) de valores pelo colaborador ao adquirir a participação societária.
E o vesting invertido/reverso?
Diferentemente do Vesting tradicional, no Vesting reverso, o colaborador recebe todas as ações ou opções imediatamente, mas a empresa tem o direito de recomprá-las se o beneficiário deixar a organização antes de um período pré-determinado.
O modelo dito “invertido” se operacionaliza pela definição de Cliffs1 em torno de obrigações/metas previamente estabelecidas, mas que acarretarão resolução parcial do pacto, caso não sejam atingidas em momento futuro. O beneficiário, no momento de assinatura do contrato, receberá toda a participação que possui direito e deverá cumprir as condições previstas no contrato de vesting para consolidar tal participação. Assim, caso venha a descumprir tais condições no futuro, o colaborador perderá a parcela das ações que eventualmente não forem consolidadas. Em outras palavras, a pessoa começa como sócia, integraliza sua participação societária, e caso não atinja os objetivos traçados (as metas pré-estabelecidas), haverá a obrigação de vender a participação ou parte dela.
A escolha pela utilização do Vesting tradicional ou do Vesting invertido dependerá do contexto de cada caso, mas um parâmetro importante nessa tomada de decisão é o interesse, ou não, pela possibilidade de transmissão, desde o início, da participação a ser outorgada ao beneficiário e sua consequente presença no quadro de sócios da startup a partir da celebração do contrato de vesting.
É comum que o vesting invertido seja utilizado para engajar os próprios founders e co-founders de startups. Dessa forma, ao invés de já iniciarem a operação com a participação estática de 100% das quotas da sociedade, os fundadores precisarão cumprir certas condições para consolidar e manter suas participações, normalmente vinculadas à permanência na startup. Por isso, é comum que o vesting invertido esteja aliado a uma cláusula de lock-up2, de forma a autorizar a recompra das ações do founder caso ele se desligue da operação antes do cumprimento do prazo de lock-up.
Apesar de o vesting invertido ser muito utilizado com os fundadores, nada impede que esse mecanismo seja aplicado a colaboradores estratégicos, desde que seja interessante para a startup que o colaborador assuma a condição de sócio desde o momento da outorga da opção de compra da participação societária.
Em todo caso, é importante que o vesting invertido esteja aliado a uma opção de recompra em benefício da startup (ou dos demais founders) para que possua eficácia quando acionado. Nesse sentido, recomenda-se que a opção de recompra seja incluída no mesmo contrato de vesting e preveja todos os aspectos do exercício da opção de recompra, dentre eles: procedimento de exercício, preço e forma de pagamento, número de quotas sujeitas à opção de recompra, dentre outros pontos. Além disso, o beneficiário deverá, necessariamente, assinar o Acordo de Sócios da Startup.
Essa modalidade tem se tornado cada vez mais comum no ecossistema de inovação. Isso porque, supostamente, reduz os riscos tributários e trabalhistas da prestação de serviços até o efetivo exercício da Opção de Compra, reduzindo o risco de reconhecimento de vínculo trabalhista. Contudo, ainda não há precedentes judiciais em número significativo sobre o tema, de modo que ainda será necessário aguardar um volume maior de decisões para trazer mais segurança jurídica para todas as partes. Não se pode olvidar também que o Vesting em empresas limitadas é uma adaptação do modelo utilizado em Sociedade Anônimas. A grande diferença é que as sociedades limitadas são sociedades de pessoas e a modalidade empregado com participação societária não funciona com a mesma facilidade. A grande diferença é a ausência de liquidez da compra e vendas das cotas sociais, fazendo com o que empregado não consiga vender a sua participação com rapidez como ocorre no caso de sociedade anônimas de capital aberto. Nesse sentido, se torna mais complexo demonstrar que ocorreu uma operação mercantil já que na prática o colaborador terá dificuldades para se desfazer da participação societária no futuro. Além disso, nas Sociedades Anônimas é mais comum os colaboradores aderirem a programas de Stocks Options para receberem (verba salarial) ou adquirirem (operação mercantil) ações mas continuarem exercendo o papel de empregados.
Considerando que o artigo 125 do Código Civil estabelece que “a eficácia do negócio jurídico está subordinada à condição suspensiva, e enquanto esta não se verificar, o direito visado não se terá adquirido”, é necessário considerar riscos de natureza tributária e previdenciária relacionados ao vesting. Durante o período de carência, o titular do direito condicional não pode exigir o cumprimento da obrigação, e o devedor não pode ser obrigado a pagá-la.
Nesse contexto, para que seja plausível a mitigação desses riscos, propõe-se o “vesting invertido”, que nada mais é que uma estrutura contratual que, ao invés de condicionar obrigações/metas ao implemento de evento futuro, incerto e condicional, trabalha com a modalidade resolutiva do mencionado elemento acidental do negócio jurídico. Pela dicção do artigo 127 do Código Civil, “se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido”. Desse modo, o que muda é a possibilidade de transmissão, desde logo, da participação societária ao beneficiário. Como consequência do não cumprimento da obrigação ou meta, resolve-se o contrato quanto ao percentual reservado durante o período de Cliff ou durante o período aquisitivo do Vesting. Essa estrutura permite suplantar os principais riscos mencionados e, de forma lícita, contribui para o estabelecimento de um modelo contratual relacional mais seguro para todos os envolvidos e, consequentemente, mais adequado ao florescimento da desejada fidúcia. Caso pareça uma estratégia interessante para sua empresa, não exite em entrar em contato com a gente.
Qual a importância de ter vesting?
Ainda que ideal, nem todos os planos de opção de compra utilizam a cláusula de vesting. Em certos casos, o colaborador pode adquirir todas as ações a que tem direito no momento da contratação. A cláusula de vesting é uma medida de proteção para a empresa, sendo crucial em situações de demissão por justa causa, onde é comum que o colaborador perca o direito de exercer as opções, mesmo aquelas que já foram adquiridas.
O período de cliff também é uma estratégia utilizada para proteger a empresa. Durante esse período de carência, o colaborador não pode exercer suas opções, embora o vesting continue sendo contabilizado até o final do cliff, conforme previsão contratual.
De forma geral, o contrato de vesting estabelece os termos e condições para a concessão de ações ou opções de ações, detalhando o período de aquisição, o calendário de vesting, e o que ocorre se o funcionário deixar a empresa antes do término do ciclo. O contrato também pode incluir cláusulas importantes, como a de aceleração, que determina o destino das ações ou opções em eventos como a venda da empresa, e termos de recompra.
Conclusão
O Vesting reverso oferece benefícios tanto para a empresa – que consegue atrair colaboradores para impulsionar seu negócio – quanto para os parceiros – que se tornam sócios da empresa e passam a receber renda a título de pró-labore. Com o Vesting reverso, o colaborador é incorporado ao contrato social desde o início da relação, o que representa uma vantagem também para o empreendedor que começa a empreender sozinho, pois passa a contar com um sócio para a formação jurídica da sociedade.
Além disso, a inclusão de um sócio melhora a imagem da empresa perante potenciais investidores, uma vez que aceleradoras ou fundos de investimento tendem a hesitar em investir em iniciativas com apenas um empreendedor. Isso fará toda a diferença na hora de buscar investimento já que ter uma equipe complementar é um requisito básico para qualquer investidor.Observa-se que a importação de estruturas contratuais estrangeiras nem sempre é realizada com a precisão desejada. O conceito de vesting ilustra essa questão, uma vez que sua interpretação inadequada pode resultar no efeito oposto ao benefício pretendido. Isso ocorre devido à compreensão simplista de que o cumprimento de metas garantirá o recebimento de quotas ou ações, o que pode resultar em ganho de capital e riscos tributários, aumento no valor do salário-contribuição e riscos previdenciários, violação do art. 1.055, §2º, do Código Civil, que proíbe a participação baseada na prestação de serviços, e possíveis implicações trabalhistas. Nesse contexto, é crucial ter atenção e um sólido embasamento jurídico ao utilizar esse tipo de contrato.
Antes de finalizar, confira também mais artigos sobre Vesting em nosso Blog: https://caputoduarte.com.br/vesting-opcao-de-aquisicao-de-participacao-societaria/
*Maria Thereza Henriques, estagiária no Caputo Advogados Associados, assessoria empresarial com ênfase em Startups e Estúdios de Games. Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Referências
CONEXA. Os diferentes tipos de vesting para stock options, 2020. Disponível em: https://hubconexa.com/os-diferentes-tipos-de-vesting-para-stock-options/. Acesso em: 27 mar. 2024.
BASEMENT. Tudo sobre Vesting e Cliff para incentivos de longo prazo: entenda como funcionam, 2023. Disponível em: https://basement.io/blog/vesting-e-cliff/. Acesso em: 27 mar. 2024.
FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura. Contratos relacionais e vesting empresarial nos instrumentos de parceria para startups de base tecnológica. R. Fórum de Dir. Civ. – RFDC, Belo Horizonte, v. 10, n. 26, p. 13-42, jan./abr. 2021.
1Período que antecede o Vesting, no qual a pessoa com quem se firmou o contrato deve manter suas atividades regularmente, porém sem o direito de adquirir o percentual da empresa.
2Conjunto de restrições aplicadas às transações de ações ou participação societária em uma empresa. Também é conhecida como cláusula de permanência, período de indisponibilidade ou bloqueio.