Cláusula de Não Aliciamento: Aplicação em Contratos de Trabalho

Sumário

Por Ana Laura Finati Alves*

 

 

Introdução

 

A cláusula de não aliciamento tem se tornado cada vez mais relevante no cenário corporativo contemporâneo, onde a competição por talentos e clientela vem sendo cada vez mais acirrada. Por esta razão, cláusulas especiais em contratos de prestação de serviço, contratos sociais (ou acordo de sócios) e contratos de trabalho, têm sido altamente recomendadas para trazer mais segurança jurídica para empreendedores de Startups e Estúdios de Games.

 

A cláusula de não aliciamento, também conhecida como “non-solicitation clause”, é uma disposição contratual que visa proteger os interesses da empresa, principalmente no que tange a estabilidade e a integridade dos negócios, evitando a perda de funcionários “chaves” e clientes estratégicos.

 

Diferentemente de outras cláusulas restritivas, como a de não concorrência (que já foi tema central de outro artigo do nosso blog), o não aliciamento coloca o holofote em duas proibições bem caracterizadas, qual seja o recrutamento de funcionários e o desvio da cartela de clientes do empregador, sem limitar excessivamente a liberdade de trabalho do ex-empregado e trazendo uma perspectiva mais confortável para a empresa.

 

Outrora, é bem comum que a cláusula de não concorrência ande conjuntamente com a cláusula de não aliciamento nos contratos de prestação de serviços (pessoa física ou jurídica) ou contratos de trabalho (CLT). Como exemplo poderíamos referir um funcionário que deixa a empresa para juntar-se a um negócio considerado concorrente levando consigo todo o know how e segredos empresariais adquiridos pela sua função na empresa de origem (concorrência desleal), e, em decorrência dessa transferência, alicie massivamente todos os seus ex-colegas a se juntar a ele (aliciamento de funcionários) e, ainda, utilize de seus contatos diretos com os clientes ao longo do seu vínculo para persuadi-los a contratá-lo (aliciamento de clientes).

 

Portanto, em medidas gerais, a cláusula de não aliciamento atua como uma barreira contratual contra essas práticas, garantindo que a empresa não sofra perdas significativas em termos de colaboradores e clientes.

 

Requisitos para Validade Jurídica

 

Como referenciado anteriormente, a cláusula de Não Aliciamento não impede que o ex-colaborador trabalhe em empresa concorrente, apenas restringe as ações que esse indivíduo poderá fazer quando sair da empresa.

 

Apesar de ser mais “flexível”, essa pactuação pode trazer problemas para o empregador caso torne o exercício das atividades do colaborador muito difícil, ao ponto de ser impossível o seu estabelecimento no mercado. Nesse caso, a cláusula poderia ser considerada inaplicável pelo judiciário e, com isso, perderia a sua validade.

 

Para que isso não ocorra, a empresa precisa se atentar na redação correta da cláusula. Além disso, mesmo que não haja requisitos diretos em nossa legislação, a jurisprudência equipara às exigências da Não Concorrência, embora ainda se utilize como complementação o direito comparado, sanando satisfatoriamente essa lacuna.

 

Em primeiro lugar, os mesmo requisitos aplicados para a cláusula da Não Concorrência, já foram abordados em nosso blog, e serão relacionados para a Cláusulas de Não Aliciamento. Em resumo, será necessário observar:

 

  • Ajuste expresso por escrito: A formalidade expressa entre empregador e empregado é necessária, não podendo ser utilizada tacitamente. O melhor momento é no início do vínculo, ou seja, no Contrato de Trabalho.


  • Limite temporal: Estabelecer prazo determinado é necessário e a jurisprudência faz uma analogia ao art. 455, caput, da CLT, para determinar que até o limite de 2 (dois) anos será razoável.


  • Delimitação territorial: A limitação a uma área geográfica específica, como região, cidade, estado, município ou país. 


  • Compensação financeira: Por fim, deve haver uma contraprestação financeira ao empregado compatível à limitação imposta. 

 

Ainda, nesse caso, o direito norte-americano1 dita alguns elementos essenciais para garantir a executabilidade da cláusula. Isso, aliado com as exigências acima e observando os princípios da razoabilidade e liberdade contratual, garantirão a validade e aplicabilidade do acordo:

 

  • Motivação comercial coerente

 

É primordial que a motivação da imposição esteja clara, tal qual a proteção da lista de clientes da empresa, know how, segredos comerciais ou a proteção da empresa contra a saída em massa de funcionários valiosos, ou seja, algo capaz de impactar diretamente o negócio.

 

  • Lista de clientes não Pública

 

Ainda, considerando que o Não Aliciamento pode abranger ou não os clientes, em caso afirmativo será necessário que essa base de clientes não esteja disponível ao público, ou seja, ter uma lista de clientes como informação privada, de valor exclusivo para o negócio e, por isso, seja necessário protegê-la. 

 

  • Liberdade de Escolha 

 

Para garantir a executividade da cláusula, é impreterível a atenção na hipótese de exceção de que os funcionários e clientes poderão, por livre arbítrio e sem aliciamento, se desligar da empresa. Há coisas que a cláusula não poderá impedir ou contornar, portanto, essa não terá importância naqueles casos em que os indivíduos optaram por sair por própria vontade, sem serem aliciados.

 

O mesmo pode ser dito de clientes, infelizmente é muito comum que se o representante comercial que é contato deles na empresa saia, eles optem por transferir seus negócios para a empresa para onde o funcionário que saiu irá. Logo, desde que não sejam diretamente solicitados por esse funcionário, não teremos uma irregularidade.

 

Em resumo, a redação de instrumentos que envolvam assuntos sensíveis como esse implica na contratação de uma equipe jurídica especializada para sua elaboração de forma exequível, válida e eficaz, afastando ambiguidade e inconsistências.

 

Jurisprudência e Legislação

 

No Brasil, a jurisprudência sobre a cláusula de não aliciamento é relativamente favorável, desde que os requisitos elencados sejam respeitados. 

 

Colaciono aqui, trecho do processo que tramitou no TRT9 (Tribunal Regional do Trabalho da Nona região)2 que exemplifica perfeitamente tal argumento:

 

As cláusulas do acordo estipulam obrigações que somente beneficiam a parte empregadora, não há nenhuma contrapartida, são desproporcionais ao trabalhador, dificultando seu retorno ao trabalho e impondo multa abusiva por descumprimento. 

 

Essas cláusulas caracterizam, pois, alteração unilateral do contrato lesiva ao trabalhador, ferem a autonomia de vontade e as normas protetivas do direito do trabalho (artigos 444 e 468, CLT).”

 

Ou seja, o primeiro problema, segundo o entendimento do Julgador, foi a lesividade da imposição da cláusula ao decorrer da vigência do vínculo e, em conseguinte, sublinhou a falta da contraprestação ao empregado para aderir a essa limitação.

 

Ademais, nesse mesmo processo, o Juiz vai além e aplica uma indenização em favor do empregado pela estipulação de multa contratual contrário ao princípio da razoabilidade:

 

“Conquanto o “acordo de não competição e não aliciamento e outras avenças” não tenha gerado dano material, ele causou transtorno na vida do trabalhador, já que limitou sua possibilidade de recolocação no mercado de trabalho, impedindo-o de exercer direito fundamental de livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (artigo 5°, XIII, CF/88) em todo território nacional (abrangência estabelecida nas cláusulas do acordo), atribuiu uma valor excessivo e desproporcional a multa por descumprimento (R$ 500.000,00), o que trouxe consequências, afligiu a alma do trabalhador com a possibilidade de ter que pagar a multa, afetou seu cotidiano, a capacidade de integração social e familiar.” (Grifei).

 

Portanto, é de extrema importância a observância dos requisitos aqui expostos para, além da validade, evitar prejuízos para o empregador por sua desproporcionalidade.

 

Ao que tange a legislação, se observado a existência de uma intenção de prejudicar a empresa, o crime de concorrência desleal da Lei de Propriedade Intelectual (Lei n.º 9.279/96) oferece suporte legal:

 

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

IXdá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem;

X – recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador;

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.” (Grifei).

 

Além disso, em uma analogia com o ditado pelo Código Civil, com relação a prestadores de serviço,  o art. 608 é cristalino:  “Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos”.

 

Nas relações comerciais, segundo o jurista Carlos Roberto Gonçalves, denomina o aliciamento de mão de obra aquele que “convence o prestador de serviço a romper o contrato existente, para trabalhar em outro estabelecimento. Exige a lei que o contrato anterior seja escrito. Caracteriza-se pela captação de mão de obra alheia, que pode ser intelectual, técnica, científica ou simplesmente braçal.” 3

 

Já na seara penal, o aliciamento é crime tipificado no caput do art. 207 do Código Penal:

 

        “Art. 207 – Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional:

        Pena – detenção de um a três anos, e multa.” (Grifei).

Neste sentido, a aplicação das cláusulas de não aliciamento em contratos laborais exige um equilíbrio rigoroso entre a proteção dos interesses empresariais e os direitos fundamentais dos trabalhadores. A jurisprudência brasileira têm se demonstrado favorável à validade dessas cláusulas, desde que respeitem os requisitos de proporcionalidade e razoabilidade, evitando imposições unilaterais e excessivas. 

 

Considerações Finais

 

Como discorrido, essa cláusula é fundamental para manter a integridade da equipe, evitando a perda de talentos para concorrentes diretos, neste caso, ao garantir que os funcionários não sejam aliciados por empresas concorrentes, a organização poderá preservar seu capital humano essencial para o seu sucesso. 

 

Além disso, ao impedir que ex-funcionários aliciem clientes, conseguimos proteger a base de clientes da empresa, evitando perdas financeiras significativas e mantendo a confiança e a continuidade nas relações comerciais já estabelecidas. 

 

Ambos benefícios contribuem diretamente para a estabilidade e a continuidade dos negócios, e, em setores altamente competitivos, essa estabilidade é vital para sustentar o crescimento e a justa concorrência no mercado.

 

No entanto, como exposto, se mal formulada, a cláusula de não aliciamento pode ser vista como excessivamente restritiva, gerando insatisfação e possíveis disputas judiciais, além de dificultar a recolocação dos trabalhadores no mercado de trabalho.

 

A aplicação prática desse acordo pode ser complexo, exigindo o monitoramento contínuo e, em alguns casos, ações judiciais, visando garantir o cumprimento das disposições contratuais. Ainda, a sua utilização envolve custos adicionais para o empregador, principalmente no que tange a contraprestação devida pela limitação.

 

A prática se resume em saber se os clientes ou funcionários que estão saindo, o fazem por vontade própria ou porque foram solicitados pelo ex-funcionário, pois no primeiro caso, não há muito que se possa fazer legalmente a respeito, pelo princípio constitucional do livre arbítrio, tanto comercial, como de preferência pessoal. 

 

Empresas que desejam implementar essas cláusulas em seus contratos de trabalho devem buscar orientação jurídica especializada para assegurar que suas disposições estejam em conformidade com a legislação vigente e as melhores práticas do mercado, alcançando um equilíbrio saudável entre a proteção dos interesses corporativos e os direitos dos trabalhadores.

 

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*Ana Laura Finati Alves – Estagiária no Escritório Caputo Duarte Advogados. Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel); Atuação em projetos de escrita científica com foco em direito trabalhista e empresarial; Estágio nos setores de Recurso Humanos e Trabalhista em escritório de Contabilidade; Estágio em escritório de advocacia nos setores Trabalhista e Empresarial; Estágio no Caputo Duarte Advogados, assessoria empresarial especializada em startups e empresas de base tecnológica.

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Referências

GONÇALVES, Carlos R. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. v.3. São Paulo: SRV Editora LTDA, 2024. E-book. ISBN 9788553622474. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553622474/. Acesso em: 18 jun. 2024.

AHN, Rebecca. How to Write a Non-Solicitation Clause. CareerMinds, 2023. Disponível em: https://careerminds.com/blog/non-solicitation-clause#:~:text=Let%27s%20get%20started.-,What%20Is%20the%20Meaning%20of%20Non%2DSolicitation%3F,gain%20of%20their%20next%20employer. Acesso em: 19 jun. 2024. 

GUERIN, Lisa. Understanding Nonsolicitation Agreements. Nolo. Disponível em:https://www.nolo.com/legal-encyclopedia/understanding-nonsolicitation-agreements.html. Acesso em: 19 jun. 2024. 

 

1AHN, Rebecca. How to Write a Non-Solicitation Clause. CareerMinds, 2023. Disponível em: https://careerminds.com/blog/non-solicitation-clause#:~:text=Let%27s%20get%20started.-,What%20Is%20the%20Meaning%20of%20Non%2DSolicitation%3F,gain%20of%20their%20next%20employer. Acesso em: 19 jun. 2024.

2Processo de n.º 0000765-24.2020.5.09.0121, da Comarca de Toledo/PR, julgado em 23/08/2021.

3GONÇALVES, Carlos R. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. v.3. São Paulo: SRV Editora LTDA, 2024. E-book. ISBN 9788553622474. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553622474/. Acesso em: 18 jun. 2024.

 

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