TST Nega Equiparação com Bancários: Futuro das Relações Trabalhistas nas IPs em Foco

Sumário

Por Ana Laura Finati Alves*

 

 

Introdução

O setor das Fintechs está em constante expansão no nosso país e isso implica em variadas evoluções no ordenamento jurídico e econômico brasileiro. As Instituições de Pagamento (IPs) têm um papel importantíssimo nesta ampliação enquanto pessoa jurídica não-financeira que viabiliza os serviços financeiros no âmbito dos arranjos de pagamento.1

Abordamos com profundidade o papel das IPs em artigo recente no nosso blog, outrora, neste momento explicaremos como se dá a responsabilização trabalhista destas instituições, principalmente, como os tribunais do trabalho têm decidido sobre os deveres trabalhistas envolvidos nessa dinâmica.

A prevenção no Direito do Trabalho é crucial para conter a criação de um passivo que supere as condições financeiras da empresa, portanto, é necessária muita cautela para estabelecer o seu negócio em qualquer área, especialmente no setor de Fintechs, pois muitos elementos estão mudando e o judiciário ainda não solidificou todos os entendimentos sobre o assunto.

Nesse sentido, no início deste ano tivemos uma importante decisão no TST (Tribunal Superior do Trabalho) que reformou uma sentença negando a equiparação dos trabalhadores das IPs como bancários. Esse é um resultado muito animador para as empresas no ramo e já explicaremos o porquê.

As Particularidades da Jornada dos Bancários:

A atividade laboral dos bancários encontra amparo legal no art. 224, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 

“Art. 224 – A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas continuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana.” (Grifei).

O cenário jurídico, no entanto, apresenta particularidades para os cargos de confiança em instituições bancárias, estabelecendo disposições distintas no que tange à remuneração e à jornada de trabalho, nesse mesmo artigo 224, no seu §2º:

“§ 2º As disposições deste artigo não se aplicam aos que exercem funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes ou que desempenhem outros cargos de confiança, desde que o valor da gratificação não seja inferior a um terço do salário do cargo efetivo” (Grifei).

Ou seja, em regra a carga horária do bancário será de seis (6) horas diárias e de 30 (trinta) horas semanais. Todavia, aqueles que ocupam funções de direção ou outras similares pontuadas pelo parágrafo, não serão abrangidos pela disposição.

Considerando a jornada de trabalho e as horas extras, é possível destacar duas modalidades de regimes de trabalho bancário:

1.Empregado em “cargo comum” que possui direito à remuneração pelo labor excedente à sexta hora diária:

Art. 224 da CLT – A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas continuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana.”        

2.Empregados em cargo de confiança e ocupantes de cargo de gestão que não possuem direito a horas extras:

Art. 224, § 2º da CLT – As disposições deste artigo não se aplicam aos que exercem funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes ou que desempenhem outros cargos de confiança desde que o valor da gratificação não seja inferior a um terço do salário do cargo efetivo.”

Art. 62 da CLT – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:                  

II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.”

É crucial salientar que a nomenclatura do cargo não define o direito às horas extras. O que deve ser analisado são as funções efetivamente desempenhadas pelo preposto no dia a dia, pois em uma ação trabalhista, os funcionários titulados como “gerentes, especialistas ou analistas sêniores” podem descaracterizar o suposto cargo de confiança e passar a ter direito ao pagamento da sétima e oitava horas diárias.

A decisão do TST e suas implicações:

Agora, considerando as peculiaridades do cenário bancário, em uma recente decisão2 tivemos a seguinte situação: um ex-empregado de uma instituição de pagamento pedindo equiparação do seu vínculo a de um cargo de uma instituição financeira, o que prosperou em primeiro grau e no TRT (Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região), mas foi reformado pelo TST.

Neste sentido, buscaremos compreender o racional utilizado pelas partes e pela Ilustre Ministra relatora do TST, que a unanimidade da turma, e, ainda, explicaremos como isso poderá impactar nos futuros julgados, ressaltando as novas dinâmicas trabalhistas que poderão ser adotadas no cotidiano das Instituições de Pagamento de agora em diante.

A IP em questão prestava atendimento na administração e operação de cartões de crédito, o que sabemos que é um dos tipos de Instituições de Pagamento, como comprova o art. 6º da Lei 12.865/2013:

Art. 6º Para os efeitos das normas aplicáveis aos arranjos e às instituições de pagamento que passam a integrar o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), nos termos desta Lei, considera-se:

III – instituição de pagamento – pessoa jurídica que, aderindo a um ou mais arranjos de pagamento, tenha como atividade principal ou acessória, alternativa ou cumulativamente:

a) disponibilizar serviço de aporte ou saque de recursos mantidos em conta de pagamento;

b) executar ou facilitar a instrução de pagamento relacionada a determinado serviço de pagamento, inclusive transferência originada de ou destinada a conta de pagamento;

c) gerir conta de pagamento;

d) emitir instrumento de pagamento;

e) credenciar a aceitação de instrumento de pagamento;

f) executar remessa de fundos;

g) converter moeda física ou escritural em moeda eletrônica, ou vice-versa, credenciar a aceitação ou gerir o uso de moeda eletrônica; e

h) outras atividades relacionadas à prestação de serviço de pagamento, designadas pelo Banco Central do Brasil;” (Grifei).

O ex-empregado dessa IP se utilizava, principalmente, de uma súmula do TST para argumentar, conjuntamente com o art. 62, I, da CLT:

SÚMULA n.º 55 –   FINANCEIRAS 

As empresas de crédito, financiamento ou investimento, também denominadas financeiras, equiparam-se aos estabelecimentos bancários para os efeitos do art. 224 da CLT.” (Grifei).

Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:

I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;” (Grifei).

Na prática, o autor da ação alegava que “negociava a locação de máquinas de cartão, a abertura de contas no banco e negociava taxas e antecipação de recebíveis de máquinas de cartão”3, ainda, argumentava que a IP concedia empréstimo, por meio de uma empresa parceira e que, por isso, se enquadrava em uma Instituição Financeira, conforme §2º do mesmo art. 6º da Lei 12.865/2013:

§ 2º É vedada às instituições de pagamento a realização de atividades privativas de instituições financeiras, sem prejuízo do desempenho das atividades previstas no inciso III do caput.”

Infelizmente, é muito recorrente no meio jurídico o desconhecimento do meio de atuação das Fintechs, o que resulta na equivocada comparação das duas instituições, culminando em decisões precipitadas.

Sabemos que, de fato, as IPs não podem realizar a oferta direta de empréstimos e financiamento, porém, as concessões de empréstimos não operadas diretamente pela instituição, como na decisão aqui analisada, é plenamente possível e não descaracteriza a IP. Entretanto, isso só foi apontado no Tribunal Superior do Trabalho pela Ministra Relatora, enquanto as demais instâncias acataram a equiparação requerida pelo ex-colaborador.

Isso teria uma massiva repercussão, caso acatado, pois traria um precedente perigoso para as Instituições de Pagamento, que teriam que rever toda a sua dinâmica laboral e até mesmo os serviços oferecidos por sua empresa.

Para ilustrar, o principal ponto que seria afetado é, justamente, a jornada de trabalho. Como evidenciado no tópico 1 deste artigo, os bancários têm jornada de 6 (seis) horas, portanto, as horas excedentes seriam consideradas como extraordinárias e deveriam ser pagas como tal. Ou, ainda, poderiam requerer uma equiparação a cargos de gestão ou gerência, que, obrigatoriamente, precisariam perceber uma gratificação de 40% (quarenta por cento).

A questão mais sensível nesse quesito é se atentar na estrita prestação dos serviços permitidos pela legislação e BCB (Banco Central do Brasil), isso pois, há diversos casos judiciais em que a empresa atuava em um grupo econômico e que também possuia uma IF (Instituição Financeira), sendo muito tênue a distinção de funções e dos próprios empregados entre o grupo, o que levava o mesmo funcionário a prestar serviços típicos das IFs, mesmo que oficialmente contratado pela IP.

No caso exemplificado, a Instituição de Pagamento foi feliz em conseguir reverter o julgado, entretanto, passou por um cansativo processo judicial até Brasília, em que implicaria não somente no processo em questão, mas acarretaria em uma onda de reclamatórias trabalhistas para ela.

Ter uma assessoria jurídica em uma área que ainda é tão nova para o Direito é essencial para se resguardar de problemáticas como essa, pois desde o registro de suas atividades na Junta Comercial, até a disposição de seus contratos de trabalho, se tornam cruciais para conceber um robusto conjunto probatório nessas ocasiões.

Conclusão

No panorama jurídico que se encontra em constante mutação, essa demarcação legal, tecida com maestria pelos juízes togados, reverbera em diversos âmbitos, especialmente no trabalhista.

Do ponto de vista da segurança jurídica, a decisão do TST funciona como um alívio para as IPs, dissipando as incertezas e permitindo que tracem seus planos estratégicos com maior clareza e previsibilidade. Essa solidez jurídica é fundamental para atrair investimentos, fomentar a inovação e impulsionar o crescimento sustentável do setor.

Por fim, a gestão de pessoas se revela como um pilar fundamental para o sucesso das IPs. Ao investir em práticas estratégicas que valorizem seus colaboradores, promovam o bem-estar no ambiente de trabalho e incentivem a retenção de talentos, essas empresas estarão construindo um futuro promissor, e nós da Caputo Duarte estaremos aqui para impulsionar ainda mais esse sucesso, ofertando o necessário amparo jurídico.

Caso tenha interesse em receber maiores informações relacionadas a esse tipo de conteúdo, fique conectado no site e nas redes sociais da Caputo Duarte Advogados.

 

 


*Ana Laura Finati Alves – Estagiária no Escritório Caputo Duarte Advogados. Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel); Atuação em projetos de escrita científica com foco em direito trabalhista e empresarial; Estágio nos setores de Recurso Humanos e Trabalhista em escritório de Contabilidade; Estágio em escritório de advocacia nos setores Trabalhista e Empresarial; Estágio no Caputo Duarte Advogados, assessoria empresarial especializada em startups e empresas de base tecnológica.

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Referências

TST nega equiparação de funcionários de empresas de pagamentos a bancários, 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mar-01/tst-nega-equiparacao-de-funcionarios-de-empresas-de-pagamentos-a-bancarios/. Acesso em: 25 jun. 2024 

 

1Banco Central do Brasil, 2023. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/meubc/faqs/p/o-que-e-uma-instituicao-de-pagamento-ip. Acesso em 25 jun. 2024.

2Processo n.º TST-Ag-AIRR – 0100753-34.2020.5.01.0026, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 06/02/2024.

3Idem item 2.

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