Por Ana Laura Finati Alves*
Introdução
No intrincado universo das relações trabalhistas, os contratos de trabalho se erguem como pilares, definindo os contornos da jornada laboral com clareza e objetividade. Esses documentos, quando redigidos com eficiência, previnem interpretações dúbias e conflitos desnecessários, garantindo a justaposição de direitos e deveres entre as partes.
Para evitar turbulências, a redação personalizada do contrato de trabalho é fundamental. Nesse documento, devem ser esculpidos, com clareza e precisão, os direitos e deveres de ambas as partes, para que empresas e colaboradores construam uma ponte sólida para a harmonia nas relações empregatícias.
Os contratos de trabalho são mais do que meras formalidades, são ferramentas essenciais para a construção de um ambiente de trabalho saudável e produtivo, onde a colaboração e o respeito mútuo devem prosperar.
Assim, o presente artigo irá iniciar uma série de publicações a serem realizadas nos próximos meses em nosso blog: quais são as cláusulas especiais possíveis de serem incluídas em seu contrato? Tal conhecimento é essencial para que seu instrumento contratual, seja de quaisquer das modalidades possíveis, não se mantenha raso e passivo a danos e frustrações futuras.
Nesta segunda parte da publicação, aprofundaremos o Contrato de Trabalho; sendo o principal instrumento de uma relação celetista1, além dos interesses das partes, deve-se haver um especial cuidado com a compatibilidade das cláusulas com as disposições normativas da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Portanto, a pergunta que fica é: pode-se utilizar de cláusulas especiais para atingir objetivos específicos que demandam mais cuidado em relações trabalhistas, como cláusulas restritivas? E, se sim, como aplicá-las de forma válida e eficaz?
Esse artigo é um complemento do estudo da nossa primeira publicação desta nossa série: “Cláusulas especiais possíveis de serem incluídas em um Contrato de Prestação de Serviço”, que pode ser acessada Aqui.
Por fim, ressalta-se que ao embarcar na jornada da idealização de seus Contratos de Trabalho, tenha em mente que este artigo não se propõe a ser um manual de autoconstrução de cláusulas. Isso porque, embora cada cláusula apresente um sentido geral, é crucial que ela se ajuste à realidade das partes e à dinâmica específica da relação. Cada contrato, portanto, poderá contemplar cláusulas distintas, embora com objetivos semelhantes, moldando-se à natureza da relação.
Lembre-se ainda que a inclusão de todas as cláusulas aqui apresentadas não é obrigatória. Na verdade, a depender do trabalho em questão, nem todas serão úteis ou, em casos extremos, até mesmo prejudiciais à sua empresa. A escolha das cláusulas deve ser feita com cautela, considerando as características do Empregador e do Empregado no caso concreto.
Ao tecer os seus Contratos de Trabalho, tenha em mente que este documento é a bússola que guiará a relação entre as partes. Seja meticuloso na escolha das cláusulas e busque amparo jurídico especializado para aplicá-las da melhor forma possível dentro do seu negócio.
Apresentação das cláusulas
Nesse sentido, apresentaremos em tópicos todas as cláusulas especiais possíveis de serem incluídas em um Contrato de Trabalho celetista
I – Cláusula de Propriedade Intelectual. Através dessa cláusula, poderemos definir como ocorrerá a divisão da propriedade intelectual, fruto da engenhosidade e criatividade do vínculo entre o Empregador e o Empregado, com a possibilidade de determinar que ela recaia exclusivamente sobre uma das partes.
Vale ressaltar que a propriedade intelectual pode abranger qualquer documentação, informação, dado ou código-fonte que compõe o resultado do trabalho.
Considerando que a propriedade intelectual é um bem intangível de imenso valor, é extremamente importante a sua abordagem em contratos que desenvolvem algum projeto ou conteúdo na empresa.
II – Cláusula de Segredo de Empresa. Visa resguardar os dados confidenciais de uma empresa, que necessita compartilhá-los com seus colaboradores para a realização de seu serviço. Dessa forma, é possível sancionar de diversas maneiras a parte que revelar informações confidenciais a terceiros.
Ademais, uma característica essencial dessa cláusula é a necessidade de estipular contratualmente o período durante o qual as partes estarão obrigadas a manter o sigilo, evitando assim qualquer potencial abusividade que prejudique o compartilhamento de informações por um período excessivo ou mesmo indefinido.
III – Cláusula de Não Concorrência. Como abordado profundamente em nosso blog, esta cláusula tem por objetivo salvaguardar a propriedade intelectual e know how da empresa, através da possibilidade de resilição e estipulação de multa contratual, com intuito de inibir o ex-funcionário de utilizar informações da empresa para impulsionar o seu próprio negócio ou compor o time de um concorrente.
Para que ela seja válida, será necessário atender 5 (cinco) requisitos, qual seja: a) Ajuste expresso por escrito; b) Limite temporal; c) Especificação dos ramos de atividade; d) Delimitação territorial; e e) Compensação financeira.
IV – Cláusula de Exclusividade. Apesar de parecer algo implícito em Contratos de Trabalho, a exclusividade não é um pressuposto de um contrato CLT. Isso pois, principalmente em contratos de meio período, é muito comum os empregados terem mais de um emprego, o que pode afetar a sua performance na empresa.
Muitos empregadores utilizam do meio período para atrair talentos, ser um diferencial no mercado e promover o cuidado da saúde física e mental de seus colaboradores, outrora, não é comum o empregado utilizar desse tempo a mais para poder aumentar a sua renda com outro emprego.
Isso, além de prejudicar o que o empregador está tentando proteger, pode acarretar furos em outras proteções, como no sigilo dos segredos de empresa.
V – Cláusula de Não Aliciamento e Não Recrutamento. Igualmente com a Cláusula de Não-Concorrência, já nos aprofundamos nessa cláusula nas relações trabalhistas em outro artigo de nosso blog.
O não aliciamento e recrutamento visa resguardar a estabilidade e a integridade dos negócios, evitando a perda de funcionários “chaves” e clientes estratégicos, com enfoque, justamente, no recrutamento de funcionários e o “roubo” da cartela de clientes do empregado
VI – Cláusula de Uso de Imagem e Voz. Formaliza uma autorização do empregado para a empresa poder utilizar sua imagem e/ou voz através dos meios de comunicação, para propósitos que variam desde materiais promocionais, campanhas publicitárias até mesmo endomarketing.
No universo das relações de trabalho, além da cláusula, pode ser feito um Termo de Cessão de Uso de Imagem e Voz Para construir essa ponte com maestria, alguns pilares essenciais devem ser considerados: Consentimento Livre e Esclarecido, Delimitação do Uso, Prazo Determinado, Remuneração Justa e Direito de Revogação.
VII – Cláusula de Proteção de Dados Pessoais. Como o próprio nome já diz, relaciona-se à proteção dos dados pessoais compartilhados com a empresa que o funcionário tem acesso. Esta cláusula é impreterível para determinadas funções desde a publicação da Lei n.º 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD) no Brasil. Esse tema é profundamente abordado pelo nosso artigo “Conceitos base da LGPD: a teia de proteção dos dados pessoais”, que você pode conferir clicando Aqui.
Nesse sentido, a empresa é completamente responsável pelo tratamento de dados sensíveis que recebe, portanto, a previsão dessa cláusula precisa ser acompanhada de diretrizes específicas aos funcionários, para garantir que tratem os dados dentro das conformidades legais e das necessidades da empresa.
VIII – Cláusula de Regresso e Desconto Salarial. É muito comum que a empresa forneça aos empregados equipamentos variados, desde eletrônicos até veículos. Além disso, há empregados que possuem contato direto com o cliente/consumidor ou com fornecedores, podendo ofertar certo risco, por negligência, imprudência, imperícia ou dolo, de causar algum dano patrimonial que recaia no empregador.
Para isso, essa cláusula visa proteger a empresa de eventuais cobranças que recaiam sobre ela, podendo ser feita de duas formas: como regresso, em que estipulamos a previsão indenizatória, inclusive com direito à judicialização, caso necessário; e mediante descontos na folha salarial ou na rescisão do empregado, se atentando aos limites legais dessa possibilidade.
IX – Cláusula de Vesting. Como uma ótima alternativa para atrair talentos e “peças-chave” para a empresa, esta cláusula prevê que, ao longo da vigência da relação, haja a opção de compra de participação societária na empresa, consoante as metas e objetivos previamente acordados e estipulados em contrato. Essa particularidade pode ser prevista tanto como cláusula, quanto como aditivo contratual ou anexo, detalhando-se aprofundadamente como se dará os requisitos e obrigações do empregado.
Pela importância e complexidade do tema, o nosso blog já publicou artigo específico apenas sobre essa cláusula, que você pode verificar clicando Aqui.
X – Dos Uniformes, Equipamentos Ou EPIs Entregues Ao Empregado. Muitas, se não a maioria, das dinâmicas trabalhistas exigem um uniforme ou algum equipamento particular para o empregado poder desempenhar plenamente o seu trabalho. Para tanto, uma cláusula que aborde tanto as formas de utilização, quanto especifique os itens, é muito relevante. O principal ponto de estipulação nesse assunto é uma previsão indenizatória dos equipamentos danificados ou perdidos, estando atrelada à cláusula de regresso e desconto salarial.
A depender da quantidade de materiais fornecidos, ainda recomendamos termos de entrega detalhados; dessa forma, a empresa se protege de eventual alegação do não-fornecimento de equipamentos obrigatórios ou que o empregado se isente de indenizar o dano por não haver prova de sua entrega.
XI – Das Normas Comportamentais E Das Penalidades. Por fim, é imperioso que a empresa estabeleça uma ordem e a forma que as penalidades por ocorrências faltosas devem acontecer.
É muito comum que a empresa não faça essa estipulação, causando enorme dúvida e até revolta em empregados, pois, muita das vezes, as regras são aplicadas esporadicamente e sem uniformidade. Portanto, essa cláusula define como se dará esse sancionamento de forma geral e deve atuar conjuntamente com um Regulamento Interno Empresarial.
Demais instrumentos importantes
Como dito acima, o Contrato de Trabalho pode contar com contratos acessórios anexos que complementam partes específicas, como:
- Termo de Cessão de Uso de Imagem;
- Termo de Entrega de Materiais e Equipamentos;
- Contrato de Vesting detalhado.
Ou, ainda, a empresa pode confeccionar um instrumento como o Regulamento Interno e o Código de Ética, que servem como pilar normativo para regular o comportamento esperado do empregado, as penalidades que esse pode sofrer em caso de desobediência, as vestimentas esperadas, como se dará bonificações e o sistema de metas da empresa e muito mais. São documentos extremamente importantes que acrescentam detalhes significativos para um bom clima no ambiente de trabalho.
Conclusão
Ao analisarmos a imensidade de possibilidades que permeiam a confecção de um Contrato de Trabalho, desvendamos um universo de nuances e particularidades que exigem a atenção meticulosa do redator. Cada relação trabalhista ostenta singularidades que moldam as cláusulas especiais que a compõem, tecendo uma obra jurídica sob medida.
Nesse contexto, a consulta a um profissional experiente e de confiança se revela como um farol a guiar a empresa em sua jornada. Para aqueles que buscam aprofundar seus conhecimentos sobre os meandros do direito trabalhista, a Caputo Duarte Advogados convida-o a acessar os demais artigos do seu blog e redes sociais, além de sempre estar disponível para uma conversa mais aprofundada sobre suas dúvidas.
*Ana Laura Finati Alves – Estagiária no Escritório Caputo Duarte Advogados. Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel); Atuação em projetos de escrita científica com foco em direito trabalhista e empresarial; Estágio nos setores de Recurso Humanos e Trabalhista em escritório de Contabilidade; Estágio em escritório de advocacia nos setores Trabalhista e Empresarial; Estágio no Caputo Duarte Advogados, assessoria empresarial especializada em startups e empresas de base tecnológica.
Referências
1Oxford Languages: que ou quem tem vínculo empregatício regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)