* Maria Thereza Henriques
Introdução
A construção e a preservação do patrimônio familiar representam o resultado de anos de dedicação, renúncias e esforço dos patriarcas e matriarcas. Com o passar do tempo, surge naturalmente a preocupação com a proteção desses bens e sua transmissão harmoniosa para as gerações futuras. Nesse contexto, o planejamento sucessório emerge como uma necessidade fundamental, ainda que, culturalmente, existam resistências em abordar temas relacionados à sucessão patrimonial (em virtude, majoritariamente, do tabu cultural sobre a morte)
A ausência de planejamento adequado frequentemente resulta em disputas judiciais prolongadas, custos expressivos e, por vezes, fragmentação prejudicial do patrimônio familiar. Este cenário tem levado cada vez mais famílias a buscarem alternativas estruturadas para organização e proteção de seus bens.
O que é uma Holding Familiar?
A holding caracteriza-se como uma estrutura empresarial constituída com o propósito específico de administrar participações em outras empresas, seja como cotista ou acionista, compondo seu capital social total ou parcialmente por estas participações societárias. A holding familiar constitui-se como uma sociedade empresarial criada especificamente para administrar e controlar o patrimônio de um grupo familiar. O termo “holding“, derivado do inglês “to hold” (segurar, deter), reflete a sua principal função: deter participações em outras empresas ou administrar bens.
Esta estrutura societária pode ser utilizada tanto por famílias empresárias quanto não empresárias, adaptando-se às necessidades específicas de cada grupo familiar. Sua versatilidade permite desde a gestão de investimentos imobiliários até o controle de participações em outras empresas.
Aspectos Jurídicos e Estruturais
No ordenamento jurídico brasileiro, a holding encontra respaldo legal há mais de cinco décadas, podendo ser estruturada de forma simplificada como uma sociedade limitada, não sendo necessária a constituição de uma sociedade anônima. Esse respaldo decorre principalmente das normas do Código Civil, que regem as sociedades limitadas, e da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976), para os casos em que a holding é constituída nesse formato.
Além disso, a holding também se apoia em normas tributárias e instrumentos de planejamento sucessório, como a Instrução Normativa RFB nº 1.863/2018, que regula suas obrigações fiscais. Essas disposições oferecem a segurança jurídica necessária para que holdings atuem no controle e administração de outras empresas de forma organizada e juridicamente protegida, possibilitando sua utilização em estratégias de planejamento empresarial e familiar. Sua viabilidade jurídica fundamenta-se na Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76), que permite a existência de sociedades com objeto social voltado à participação em outras empresas.
A estruturação societária de uma holding familiar requer atenção especial à definição do tipo societário mais adequado, seja sociedade limitada ou sociedade anônima. É fundamental a elaboração de um acordo de sócios/acionistas robusto, que estabeleça as bases da governança corporativa e as regras claras de sucessão. Esse conjunto de documentos forma a base jurídica que garantirá a perenidade e a eficácia da estrutura.
A Holding pura é ideal quando seu objetivo social tem como única finalidade a participação em outras sociedade, ao passo que a Holding mista é aquele que possui, em seu objeto social, da participação em outras sociedades, um objetivo operacional com fins lucrativos.
Benefícios do Planejamento através da Holding Familiar
A gestão patrimonial através de uma holding familiar proporciona diversos benefícios significativos. A centralização da administração dos bens permite um controle mais efetivo sobre os ativos familiares, contribuindo para a preservação da unidade patrimonial. A profissionalização da gestão e a implementação de políticas de governança familiar tornam-se naturalmente mais viáveis neste formato.
No aspecto sucessório, a holding familiar destaca-se como instrumento eficaz na redução de conflitos entre herdeiros. A possibilidade de realizar uma transmissão gradual do patrimônio, aliada à definição prévia de critérios sucessórios, minimiza significativamente a ocorrência de disputas familiares. Além disso, a estrutura permite a implementação de mecanismos de proteção contra a dilapidação patrimonial.
A estrutura societária da holding também permite estabelecer o usufruto para os doadores, com proteções jurídicas que garantem que os bens não possam ser vendidos, penhorados ou compartilhados com cônjuges, além da possibilidade de reversão. Neste modelo, os genitores mantêm o poder decisório sobre a gestão patrimonial, sendo a sua concordância essencial para a validade de qualquer ato administrativo, como a venda, transferência ou alienação de bens da holding, alterações no quadro societário, contratações de financiamentos, e até mesmo decisões sobre a distribuição de lucros. Essa exigência de concordância reforça a segurança jurídica do modelo, evitando que terceiros possam realizar mudanças significativas no patrimônio sem o consentimento dos usufrutuários. Esta formatação empresarial viabiliza a transferência patrimonial em vida, protegendo o patrimônio familiar, reduzindo tributos e prevenindo possíveis conflitos sucessórios
A otimização tributária representa outro benefício relevante. O planejamento fiscal adequado, quando realizado dentro dos parâmetros legais, permite uma economia significativa em custos sucessórios e redução do impacto tributário em transferências patrimoniais. Dessa forma, a estruturação adequada de operações societárias também contribui para uma gestão tributária mais eficiente.
A centralização da administração dos bens através de uma holding familiar facilita o controle sobre os ativos familiares, oferecendo uma visão mais clara e integrada do patrimônio. Com maior controle, a preservação da unidade patrimonial se torna mais viável, impedindo que o patrimônio familiar se fragmente ao longo do tempo. A profissionalização da gestão, por sua vez, permite a criação de estruturas administrativas mais robustas e eficientes, alinhadas com os interesses da família. A implementação de políticas de governança familiar nesse contexto garante que as decisões patrimoniais sejam tomadas com planejamento, responsabilidade e visão de longo prazo.
Vantagens Sucessórias
No campo sucessório, a holding familiar é uma ferramenta valiosa para minimizar conflitos entre herdeiros e simplificar o processo de transmissão de bens. A estrutura permite que o patrimônio seja transferido de forma gradual, respeitando critérios sucessórios previamente definidos, o que evita surpresas e disputas entre os membros da família. Além disso, a holding possibilita a criação de mecanismos de proteção patrimonial, evitando que o patrimônio seja dilapidado por má gestão ou decisões precipitadas dos herdeiros. Dessa forma, a transição de gerações ocorre de forma mais harmoniosa e ordenada, preservando o legado familiar.
Aplicações Práticas
A holding familiar é uma ferramenta versátil, que pode ser aplicada tanto para famílias não empresárias quanto para grupos empresariais familiares. No caso de famílias não empresárias, ela facilita a gestão de patrimônios imobiliários, a administração de investimentos e a organização financeira familiar, além de proteger o patrimônio e planejar sucessões de forma mais organizada e segura. Já para grupos empresariais familiares, a holding centraliza o controle das operações, otimizando a estrutura organizacional, segregando atividades e riscos, facilitando a governança corporativa e preparando o grupo para crescimento e expansão.
Implementação e Desafios
A estruturação de uma holding familiar exige um planejamento cuidadoso, começando por um diagnóstico patrimonial completo e uma análise detalhada dos objetivos da família. Em seguida, é preciso definir a estrutura jurídica e societária adequada, implementar práticas de governança e estabelecer políticas de gestão que alinhem os interesses de todos os envolvidos. No entanto, a criação e manutenção de uma holding familiar requerem assessoria especializada, pois envolvem custos de estruturação e uma complexidade administrativa que deve estar de acordo com a legislação vigente. O comprometimento familiar é essencial para o sucesso da operação, garantindo que a gestão seja eficiente e alinhada com os objetivos de longo prazo da família.
Grandes grupos empresariais brasileiros utilizam estruturas de holding familiar com sucesso, como Itaú Unibanco S.A., Grupo Globo e Metalúrgica Gerdau S.A., Ambev, demonstrando a eficácia desta ferramenta quando adequadamente implementada.
Considerações Importantes e Mudanças Tributárias
A estruturação de uma holding familiar, apesar de suas vantagens, apresenta diversos desafios e limitações que precisam ser cuidadosamente avaliados. No âmbito operacional, destaca-se a complexidade em gerenciar diferentes setores econômicos em simultâneo, notadamente devido às particularidades regionais e setoriais que exigem conhecimentos específicos.
Do ponto de vista administrativo, a centralização característica das holdings pode criar estruturas hierárquicas excessivamente complexas. Isso frequentemente resulta em processos decisórios mais lentos e burocráticos, além de potencialmente desmotivar gestores em níveis intermediários, que acabam tendo sua autonomia reduzida pelo modelo centralizado de gestão.
Quanto às relações familiares, um ponto crítico é a concentração das questões familiares no ambiente empresarial, que pode intensificar conflitos preexistentes e criar situações de difícil resolução, especialmente quando não há uma governança familiar bem estruturada.
Na perspectiva financeira, diversos fatores podem impactar negativamente os resultados da holding. Entre eles, destacam-se: possível elevação da carga tributária na ausência de um planejamento fiscal adequado; impossibilidade de aproveitamento de prejuízos fiscais; tributação específica sobre a venda de participações societárias; custos administrativos centralizados que precisam ser adequadamente distribuídos entre as empresas do grupo; e o risco de sinergia negativa, cujo resultado seria um desempenho inferior das operações consolidadas, quando em comparação com a soma das partes isoladas.
Um dos principais impactos da Reforma Tributária diz respeito à majoração do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos). A Emenda Constitucional nº 132/2023 determinou a obrigatoriedade de alíquotas progressivas para esse tributo, incluindo o inciso VI ao § 1º do art. 155 da Constituição Federal, o qual passou a prever explicitamente essa progressividade e estabeleceu que a alíquota pode chegar a até 8%. Além disso, há propostas em tramitação no Senado Federal para elevar a alíquota máxima para 16%. Essa alteração constitucional reflete uma diretriz de justiça fiscal, buscando que as alíquotas acompanhem o valor dos bens ou direitos transmitidos, e impactará diretamente o planejamento patrimonial e sucessório de pessoas físicas.
Outra mudança relevante é a tendência de uniformização da legislação e entendimentos das Receitas Estaduais quanto à cobrança do ITCMD. Isso significa que a vantagem de constituir a holding em estados com alíquotas menores e entendimentos mais favoráveis será reduzida, uma vez que a tributação tenderá a ser a mesma em todo o país.
A Reforma Tributária também impactará a forma como os bens são aportados ao capital social da holding. Atualmente, o aporte é feito pelo mesmo valor constante na declaração de Imposto de Renda do sócio. No entanto, a proposta do governo prevê a obrigatoriedade de utilizar o valor de mercado, o que gerará a incidência de ganho de capital sobre a diferença entre o valor do bem e o valor declarado.
Outro ponto relevante é a obrigatoriedade de adoção do regime de tributação pelo lucro real para empresas com atividades como administração, aluguel ou compra e venda de imóveis próprios. Esse regime pode ser menos vantajoso para holdings patrimoniais, já que são empresas caracterizadas por possuírem poucas despesas e alta margem de lucratividade, o que tende a tornar o lucro presumido mais atrativo nesse contexto específico. Vale destacar que o regime de lucro real e o de lucro presumido possuem regras tributárias distintas, e a escolha entre eles deve considerar as particularidades de cada negócio. Assim, a obrigatoriedade do lucro real pode representar um desestímulo para a constituição de holdings patrimoniais, em especial, aquelas cujo perfil de despesas e margens se encaixaria melhor no regime de lucro presumido.
Por fim, a Reforma Tributária também prevê a incidência de Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros e dividendos acima de R$ 20.000,00 mensais, na alíquota de 15%. Essa medida impactará diretamente a estrutura de remuneração dos sócios das holdings.
Conclusão
O panorama de transformações tributárias em curso no Brasil demanda uma reavaliação estratégica das holdings familiares. Para as empresas já estabelecidas, torna-se fundamental uma revisão criteriosa de sua estruturação, contemplando aspectos contratuais, societários e, especialmente, tributários. Já para aqueles que planejam constituir uma holding, é imprescindível uma análise minuciosa de viabilidade, considerando os novos impactos fiscais e buscar alternativas que maximizem a eficiência da estrutura.
A holding familiar continua sendo um instrumento sofisticado de planejamento patrimonial e sucessório, capaz de proporcionar benefícios significativos quando estruturada adequadamente. No entanto, diante da complexidade do novo cenário tributário, sua implementação requer, mais do que nunca, uma análise técnica aprofundada, considerando as particularidades jurídicas, contábeis e fiscais de cada grupo familiar, e, para isso, pode contar conosco!
*Maria Thereza Henriques, estagiária no Caputo Advogados Associados, assessoria empresarial com ênfase em Startups e Estúdios de Games. Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Referências
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GOMES, Adriana. Holding familiar: o que é, como funciona, vantagens e desvantagens. Blog Aurum, 2024. Disponível em: https://www.aurum.com.br/blog/holding-familiar/. Acesso em: 29 out. 2024.
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