*Otávio Ronchi
Introdução: dos incentivos à inovação
O marco legal da inovação no Brasil, estabelecido pela Lei 10.973/2004 e posteriormente atualizado pela Lei 13.243/2016, representa um divisor de águas no estímulo à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico no país. Este arcabouço jurídico criou mecanismos fundamentais para a integração entre empresas privadas e instituições de pesquisa, estabelecendo bases sólidas para o desenvolvimento de projetos cooperativos e a transferência de tecnologia. A legislação também introduziu conceitos importantes, como incubadoras de empresas, parques tecnológicos e núcleos de inovação tecnológica, criando um ecossistema propício ao desenvolvimento científico.
A política nacional de desenvolvimento tecnológico é estruturada através de diversos instrumentos governamentais, incluindo incentivos fiscais, subvenções econômicas e financiamentos em condições favorecidas. Esta política se materializa através de programas específicos coordenados por diferentes ministérios e agências governamentais, como o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que atuam de forma complementar para promover a inovação em diferentes setores da economia. A estratégia nacional busca priorizar áreas consideradas estratégicas para o desenvolvimento do país, como biotecnologia, nanotecnologia, energias renováveis e tecnologia da informação.
No contexto internacional comparado, o Brasil ainda apresenta indicadores de inovação relativamente modestos quando comparado com países líderes em desenvolvimento tecnológico. Enquanto nações como Coreia do Sul, Israel e Estados Unidos investem percentuais significativos de seu PIB em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento1), com forte participação do setor privado, o Brasil ainda depende majoritariamente de investimentos públicos. Esta realidade tem motivado discussões sobre a necessidade de aprimoramento dos mecanismos de incentivo e a busca por maior efetividade nos instrumentos existentes.
A análise do panorama atual revela a existência de um conjunto significativo de instrumentos de apoio à inovação, porém com desafios importantes em sua implementação e efetividade. Os principais obstáculos identificados incluem a complexidade dos procedimentos burocráticos, a insegurança jurídica na aplicação dos incentivos e a necessidade de maior coordenação entre os diferentes instrumentos disponíveis. Apesar disso, observa-se uma tendência positiva de evolução do marco regulatório e um reconhecimento crescente da importância estratégica da inovação para o desenvolvimento econômico do país. Para darmos um panorama geral, abordaremos a Lei do Bem (Lei 11.196/05), Lei da Informática, entre outros.
Lei do Bem (LEI FEDERAL Nº 11.196/05)
Os requisitos de elegibilidade para usufruto dos benefícios da Lei do Bem constituem um aspecto crucial para as empresas interessadas em investir em P&D. A legislação exige que as empresas operem no regime de Lucro Real e possuam regularidade fiscal, além de desenvolverem projetos de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica. A comprovação do desenvolvimento das atividades de P&D deve ser realizada através de documentação específica, incluindo controles contábeis apropriados e relatórios técnicos detalhados.
Os benefícios fiscais disponíveis através da Lei do Bem são substanciais e incluem deduções ampliadas do IRPJ e CSLL sobre dispêndios em P&D, depreciação e amortização acelerada de equipamentos e intangíveis utilizados nas atividades de pesquisa, redução do IPI na aquisição de máquinas e equipamentos destinados à P&D, além de créditos de imposto de renda sobre valores pagos a pesquisadores2. Estes incentivos podem resultar em economia tributária significativa, tornando-se um importante instrumento de estímulo ao investimento privado em inovação.
O conceito de inovação tecnológica adotado pela Lei do Bem é baseado no Manual de Oslo da OCDE3, compreendendo a concepção de novos produtos ou processos, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características que impliquem melhorias incrementais e ganhos efetivos de qualidade ou produtividade. Este conceito é fundamental para determinar quais atividades podem ser enquadradas nos benefícios da lei, exigindo análise técnica criteriosa para sua correta caracterização.
A definição das despesas elegíveis para os benefícios da Lei do Bem abrange uma ampla gama de custos e investimentos relacionados às atividades de P&D, incluindo gastos com pessoal, serviços técnicos especializados, materiais de consumo, software, máquinas e equipamentos. A correta identificação e segregação destas despesas é fundamental para a fruição dos benefícios fiscais, exigindo controles internos adequados.
Lei de informática
Os benefícios fiscais previstos na Lei de Informática (Lei nº 8.248/1991) consistem principalmente na redução do IPI para produtos incentivados, condicionada a investimentos em atividades de P&D. O percentual de redução varia conforme a localização geográfica da empresa e o cumprimento de Processos Produtivos Básicos (PPB) específicos para cada produto. Esta estrutura de benefícios foi desenhada para promover o desenvolvimento do setor de tecnologia da informação e comunicação no Brasil, incentivando a produção local e a inovação tecnológica.
Os requisitos de P&D estabelecidos pela Lei de Informática determinam que as empresas beneficiárias devem investir um percentual mínimo de seu faturamento bruto em atividades de pesquisa e desenvolvimento. Estes investimentos podem ser realizados internamente ou através de convênios com instituições de pesquisa credenciadas, sendo necessário que parte dos recursos seja aplicada em determinadas regiões do país, como Norte, Nordeste e Centro-Oeste, visando promover o desenvolvimento regional.
As contrapartidas exigidas incluem o cumprimento do PPB, a realização dos investimentos mínimos em P&D e a manutenção de regularidade fiscal. O PPB estabelece um conjunto mínimo de operações que devem ser realizadas no país para caracterizar a industrialização local do produto, variando conforme o tipo de bem produzido. Além disso, as empresas devem apresentar relatórios demonstrativos dos investimentos em P&D e submetê-los à aprovação dos órgãos competentes.
Os aspectos operacionais da Lei de Informática envolvem uma série de procedimentos e controles específicos, incluindo a necessidade de habilitação prévia junto ao MCTI, o acompanhamento contínuo dos investimentos em P&D, a gestão dos projetos de pesquisa e desenvolvimento, bem como o relacionamento com instituições de pesquisa parceiras. A complexidade destes aspectos exige uma estrutura dedicada dentro das empresas para garantir o correto cumprimento das obrigações e a maximização dos benefícios.
Outros incentivos relevantes
O Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (PADIS) oferece um conjunto específico de incentivos fiscais voltados para o desenvolvimento da indústria de semicondutores e displays no Brasil. O programa prevê a desoneração de diversos tributos federais, incluindo IPI, PIS/COFINS e IRPJ, condicionada a investimentos em P&D e ao cumprimento de requisitos específicos de produção local. Este programa é estratégico para o desenvolvimento da indústria eletrônica nacional e para a redução da dependência externa em componentes críticos.
O programa Rota 20304 estabelece um regime específico de incentivos para o setor automotivo, com foco em pesquisa e desenvolvimento, eficiência energética e segurança veicular. O programa prevê benefícios fiscais para empresas que investem em P&D, estabelecendo metas progressivas de eficiência energética e introduzindo requisitos mínimos de segurança para veículos comercializados no país. A estrutura do programa foi desenhada para promover a modernização da indústria automotiva brasileira e sua integração às tendências globais do setor.
Os incentivos estaduais e municipais complementam o quadro de estímulos à inovação, com diferentes jurisdições oferecendo benefícios específicos para empresas de base tecnológica. Estes incentivos podem incluir reduções de ICMS, isenções de ISS5 e outros benefícios fiscais, além de programas de apoio e infraestrutura específicos para empresas inovadoras. A diversidade destes incentivos cria oportunidades para as empresas, mas também exige análise cuidadosa para identificar as localidades mais adequadas para seus projetos.
Os fundos setoriais representam importante fonte de recursos para o financiamento de projetos de P&D, sendo constituídos por contribuições específicas de diferentes setores econômicos. Estes fundos são geridos pela FINEP e apoiam projetos de pesquisa em áreas estratégicas, através de diferentes modalidades de financiamento, incluindo recursos não-reembolsáveis, subvenção econômica e financiamentos em condições diferenciadas6. A gestão destes recursos é realizada com participação da comunidade científica e do setor privado, buscando direcionar os investimentos para áreas prioritárias.
Aspectos práticos
A estruturação de projetos para aproveitamento dos incentivos fiscais à P&D requer planejamento detalhado e metodologia específica. É fundamental estabelecer objetivos claros, definir escopo e metodologia adequados, identificar recursos necessários e estabelecer métricas de acompanhamento. A estruturação deve considerar também aspectos como a propriedade intelectual resultante, a gestão de riscos e a sustentabilidade do projeto no longo prazo.
A documentação necessária para comprovar as atividades de P&D e os investimentos realizados deve ser robusta e abrangente. Isto inclui registros técnicos detalhados, documentação contábil específica, contratos e convênios formalizados, relatórios de progresso e resultados, além de evidências da execução efetiva das atividades de pesquisa. A organização e manutenção adequada desta documentação é crucial para sustentar os benefícios fiscais utilizados.
A prestação de contas aos órgãos competentes exige rigor metodológico e transparência. Os relatórios devem demonstrar claramente a vinculação entre os investimentos realizados e os projetos de P&D, evidenciando o cumprimento dos requisitos legais e a efetividade dos resultados obtidos. É importante estabelecer processos internos que garantam a qualidade e tempestividade das informações prestadas.
A fiscalização das atividades de P&D incentivadas tem se tornado cada vez mais rigorosa, com auditorias detalhadas por parte dos órgãos competentes. Estas fiscalizações avaliam não apenas aspectos formais, mas também o mérito técnico dos projetos e a efetividade dos investimentos realizados. A preparação adequada para estas fiscalizações inclui a manutenção de documentação organizada, a capacitação das equipes envolvidas e o estabelecimento de controles internos efetivos.
Conclusão
O panorama dos incentivos à inovação no Brasil revela uma estrutura complexa e multifacetada, que combina diferentes instrumentos de estímulo ao desenvolvimento tecnológico. A análise detalhada da Lei do Bem, da Lei de Informática, do PADIS e de outros mecanismos de incentivo demonstra um esforço significativo do legislador em criar um ambiente favorável à pesquisa e desenvolvimento no país. Contudo, a efetividade destes instrumentos ainda enfrenta desafios importantes, principalmente relacionados à complexidade operacional e à insegurança jurídica na sua aplicação.
A Lei do Bem e a Lei de Informática se destacam como os principais pilares do sistema de incentivos fiscais à P&D no setor tecnológico, oferecendo benefícios substanciais para empresas que investem em inovação. Os requisitos e contrapartidas estabelecidos por estas legislações, embora desafiadores, criam um framework estruturado para o desenvolvimento de projetos de pesquisa e inovação. A experiência acumulada na aplicação destes instrumentos tem contribuído para o aprimoramento dos procedimentos e para uma maior clareza na interpretação das normas aplicáveis.
Os aspectos práticos da utilização dos incentivos fiscais revelam a necessidade de uma abordagem sistemática e bem estruturada por parte das empresas beneficiárias. A adequada documentação das atividades de P&D, o estabelecimento de controles internos e a capacidade de demonstrar a efetividade dos investimentos realizados são elementos cruciais para o sucesso na utilização destes benefícios. A crescente rigidez na fiscalização por parte dos órgãos competentes reforça a importância de uma gestão profissional e criteriosa dos projetos incentivados.
O futuro dos incentivos fiscais à P&D no Brasil dependerá da capacidade do sistema de se adaptar às mudanças tecnológicas e às necessidades do setor produtivo, mantendo-se competitivo no contexto internacional.
A evolução do marco regulatório deverá buscar maior simplicidade operacional e segurança jurídica, sem comprometer o rigor técnico e a efetividade dos incentivos. O sucesso desta evolução será fundamental para consolidar o Brasil como um ambiente atrativo para investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, contribuindo para o aumento da competitividade da indústria nacional e para o desenvolvimento econômico sustentável do país. Para maiores informações e publicações relacionadas com direito societário, tributário, startups, empresas de base tecnológica e studios de games, fique conectado no site e nas redes sociais da Caputo Duarte Advogados.
*Otávio Ronchi – Advogado da Caputo Duarte Advogados, Mentor em programas de empreendedorismo como Tecnopuc e PreCapLab – Dimas Ventures, possui LLM em Direito e Processo Tributário (FMP). Pós Graduado em Direito Digital e Proteção de Dados (EBRADI). MBA, em andamento, em Planejamento Tributário e Gestão de Operações Societárias (FBT). Coordenador do Grupo de Estudos: “Direito das Startups e Inovação” da Escola Superior da Advocacia (ESA/RS).
Referências
1Disponível em: <https://sites.tcu.gov.br/listadealtorisco/efetividade_das_politicas_de_ciencia_tecnologia_e_inovacao.html#:~:text=Esse%20baixo%20desempenho%20%C3%A9%20reflexo,investe%20apenas%201%2C2%25.> Acesso em 02 de Jan. de 2025.
2O fato gerador do IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) é a obtenção de renda e lucro por empresas, determinado com base em seu resultado contábil. A CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) incide sobre a mesma base do IRPJ, destinando-se a financiar a seguridade social. O IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) é devido na fabricação de produtos, variando conforme a essencialidade e a complexidade do bem. Em resumo, o IRPJ e a CSLL tributam o lucro das empresas, enquanto o IPI incide sobre produtos industrializados.
3Disponível em: <http://www.finep.gov.br/images/a-finep/biblioteca/manual_de_oslo.pdf> Acesso em 30 de out. de 2024.
4Disponível em: <https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/competitividade-industrial/setor-automotivo/rota-2030-mobilidade-e-logistica> Acesso em 30 de Out. de 2024.
5Neste ponto, cabe explicar que a legislação vigente ainda faz distinção entre ICMS e ISS, sendo eles respectivamente: ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é um imposto estadual no Brasil que incide sobre a circulação de mercadorias, sendo cobrado nas operações de compra e venda de produtos. Já o ISS (Imposto sobre Serviços) é um tributo municipal que recai sobre a prestação de serviços em território nacional. Contudo, na perspectiva da nova reforma tributária do Brasil, o IBC (Imposto sobre Bens e Serviços) é um imposto proposto para substituir diversos tributos existentes, como PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS. O objetivo principal da implementação do IBC é simplificar o sistema tributário brasileiro, reduzindo a complexidade e a cumulatividade dos impostos sobre bens e serviços.
6Apenas a título de esclarecimento: Recursos não-reembolsáveis referem-se a fundos ou assistência financeira fornecidos a indivíduos, organizações ou governos sem a obrigação de serem reembolsados. Esses recursos são geralmente concedidos por motivos de benefício público, desenvolvimento social ou econômico, e não exigem retorno financeiro. São comumente utilizados em projetos sociais, de pesquisa, inovação e desenvolvimento sustentável. Subvenção econômica é um tipo de auxílio financeiro concedido por governos ou entidades públicas e privadas para estimular atividades específicas, como investimentos em setores estratégicos, desenvolvimento regional, pesquisa e inovação. Normalmente, as subvenções visam promover o crescimento econômico e a competitividade, sendo destinadas a empresas, instituições ou indivíduos para impulsionar determinadas iniciativas sem a expectativa de reembolso. Financiamentos em condições diferenciadas são empréstimos ou investimentos disponibilizados com termos especiais que incluem taxas de juros reduzidas, prazos estendidos ou carências no pagamento. Essas condições visam facilitar o acesso ao crédito para determinados fins, como projetos de impacto social, ambiental ou econômico. Esses financiamentos diferenciados podem ser oferecidos por instituições financeiras, organizações internacionais ou governamentais para apoiar iniciativas que contribuam para o desenvolvimento sustentável e a melhoria da sociedade.