Sunset de Games – Conceito e Repercussões para as Empresas e para os Jogadores

Sumário

 

*Otávio Ronchi

 

 

 

Introdução

O termo Sunset de Games, também conhecido como “fim de vida” ou “encerramento” de um jogo, é um fenômeno cada vez mais comum na indústria de jogos eletrônicos. Este termo se refere ao processo pelo qual uma empresa decide descontinuar o suporte, a manutenção e, muitas vezes, o acesso a um jogo online ou serviço relacionado a jogos. É um momento crucial que marca o fim da jornada de um produto digital, levantando questões importantes sobre o tratamento de dados pessoais dos usuários e o destino de ativos digitais, como moedas virtuais não utilizadas.

 

As razões pelas quais as empresas optam por encerrar um jogo são diversas e complexas. Frequentemente, a decisão é motivada por fatores econômicos: quando a base de jogadores diminui significativamente, a manutenção do jogo pode se tornar financeiramente inviável. Em outros casos, limitações tecnológicas podem tornar o jogo obsoleto, especialmente em um mercado que evolui rapidamente. O encerramento de um jogo pode significar a perda de anos de progresso, investimento emocional e, em alguns casos, investimento financeiro substancial. Isso levanta questões éticas sobre a natureza da propriedade digital e os direitos dos consumidores em ambientes virtuais.

 

Para a indústria, o sunset de games apresenta desafios significativos. Por um lado, é uma realidade econômica necessária para a evolução e inovação contínuas. Por outro, pode afetar a reputação das empresas e a confiança dos consumidores, especialmente se não for conduzido de maneira transparente e ética. As empresas devem equilibrar suas necessidades comerciais com as expectativas e os direitos dos jogadores, um ato delicado que pode ter ramificações de longo prazo para sua marca e relacionamento com a comunidade.

O processo de sunset também levanta questões legais e regulatórias complexas. Com o advento de leis de proteção de dados, como a LGPD no Brasil e o GDPR na Europa, as empresas têm obrigações específicas quanto ao tratamento dos dados pessoais dos usuários durante e após o encerramento de um jogo. Isso inclui fornecer notificações claras, oferecer opções para a exportação ou exclusão de dados e garantir que informações pessoais sejam tratadas de acordo com as leis aplicáveis.

 

Além disso, o destino das moedas virtuais e de outros ativos digitais adquiridos pelos jogadores se torna uma questão central. Muitos jogadores investem dinheiro real em moedas do jogo, itens de jogos “skins” e outras formas de conteúdo digital. Quando um jogo é encerrado, surge a questão de como compensar os jogadores por esses investimentos não utilizados. Isso cria um debate sobre a natureza da propriedade digital e as obrigações das empresas em relação a esses ativos virtuais.

 

À medida que mais jogos são encerrados, surge a preocupação sobre como preservar esses artefatos digitais para futuras gerações de jogadores e pesquisadores, fatores que serão explorados no presente artigo.

 

Tratamento de dados pessoais dos usuários

 

O processo de sunset de games levanta uma série de questões legais e regulatórias complexas, especialmente no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais dos usuários. Com a implementação de leis de proteção de dados como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil e o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) na Europa1, as empresas de jogos enfrentam obrigações específicas e rigorosas quanto ao manejo das informações pessoais de seus usuários durante e após o encerramento de um jogo.

 

Primeiramente, as empresas têm o dever legal de fornecer notificações claras e transparentes aos usuários sobre o processo de sunset. Isso significa comunicar de forma explícita e compreensível não apenas o fato de que o jogo será encerrado, mas também detalhar como os dados pessoais dos jogadores serão tratados durante e após esse processo. Essa notificação deve incluir informações sobre os prazos envolvidos, as opções disponíveis aos usuários quanto aos seus dados e os direitos que eles podem exercer.

Um aspecto crucial desse processo é oferecer aos usuários opções concretas para a exportação ou exclusão de seus dados pessoais. Sob as leis de proteção de dados, os indivíduos têm o direito de acessar seus dados pessoais e, em muitos casos, de solicitar sua portabilidade ou exclusão. No contexto de um sunset de game, isso pode significar permitir que os jogadores baixem um arquivo contendo todos os seus dados de jogo, incluindo histórico de progressão, conquistas e, possivelmente, informações sobre transações realizadas.

Além disso, as empresas devem garantir que as informações pessoais sejam tratadas de acordo com as leis aplicáveis durante todo o processo de sunset e além. Isso inclui a implementação de medidas de segurança robustas para proteger os dados contra acessos não autorizados, violações ou uso indevido. A criptografia de dados sensíveis, o estabelecimento de controles de acesso rigorosos e a manutenção de registros detalhados de todas as operações de tratamento de dados são práticas essenciais nesse sentido.

Um aspecto particularmente desafiador é determinar por quanto tempo os dados dos usuários devem ser retidos após o encerramento do jogo. As leis de proteção de dados geralmente exigem que as informações pessoais não sejam mantidas por mais tempo do que o necessário para as finalidades para as quais foram coletadas. No contexto de um sunset, as empresas precisam estabelecer e comunicar claramente um prazo de retenção de dados, após o qual as informações serão definitivamente excluídas ou anonimizadas de forma irreversível.

Outro ponto importante é como lidar com as solicitações de acesso, retificação ou exclusão de dados após o encerramento do jogo. As empresas devem manter canais de comunicação abertos e processos eficientes para atender a essas solicitações, mesmo depois que o serviço não estiver mais ativo. Isso pode exigir a manutenção de uma equipe dedicada ou a designação de um ponto de contato específico para lidar com questões relacionadas à proteção de dados pós-sunset.

As empresas também precisam considerar as implicações transfronteiriças do tratamento de dados durante um sunset. Com jogadores muitas vezes localizados em diferentes países e regiões, as empresas devem navegar por um complexo panorama de requisitos legais que podem variar significativamente de uma jurisdição para outra. Isso pode envolver a necessidade de adaptar os processos de sunset para atender a requisitos específicos de diferentes países ou regiões.

Além disso, é crucial que as empresas sejam transparentes sobre como os dados dos usuários serão utilizados ou compartilhados durante e após o processo de sunset. Se houver planos para transferir dados para terceiros, seja para fins de arquivamento, análise ou qualquer outro propósito, isso deve ser claramente comunicado aos usuários, e o consentimento adequado deve ser obtido quando necessário.

As empresas também devem estar preparadas para lidar com possíveis reclamações ou disputas relacionadas ao tratamento de dados durante o processo de sunset. Isso pode incluir o estabelecimento de procedimentos de resolução de conflitos ou a designação de um encarregado de proteção de dados (DPO) para supervisionar o processo e atuar como ponto de contato para usuários e autoridades reguladoras.

Por fim, é importante ressaltar que o não cumprimento das obrigações legais relacionadas à proteção de dados durante um sunset de game pode resultar em consequências significativas. Além de possíveis sanções financeiras substanciais previstas em leis como a LGPD e o GDPR, as empresas podem enfrentar danos reputacionais consideráveis e perda de confiança dos consumidores.

Em conclusão, o tratamento adequado dos dados pessoais dos usuários durante o processo de sunset de um game é um desafio complexo que requer planejamento cuidadoso, implementação diligente e monitoramento contínuo. As empresas de jogos devem abordar essa questão não apenas como uma obrigação legal, mas como uma oportunidade de demonstrar compromisso com a privacidade e os direitos dos seus usuários, mesmo no momento de encerramento de um serviço.

 

Reembolso de moedas digitais não utilizadas

 

O reembolso de moedas digitais não utilizadas e os aspectos legais e regulatórios associados são questões cruciais no processo de sunset de games, apresentando desafios significativos tanto para as empresas quanto para os jogadores.

 

Políticas de reembolso na indústria de games variam consideravelmente. Algumas empresas optam por reembolsar integralmente as moedas não utilizadas em dinheiro real, enquanto outras oferecem créditos para outros jogos ou serviços. Há casos em que as empresas simplesmente encerram o jogo sem oferecer qualquer forma de compensação, argumentando que os termos de serviço não garantem reembolsos.

 

Os desafios legais e éticos relacionados às moedas virtuais são complexos. Legalmente, a natureza das moedas virtuais ainda é um tema de debate em muitas jurisdições. Não há um consenso global sobre se essas moedas devem ser tratadas como propriedade do usuário ou simplesmente como uma licença de uso temporário. Eticamente, surge a questão de quanto valor real deve ser atribuído a esses ativos virtuais e como compensar adequadamente os jogadores que investiram tempo e dinheiro real no jogo.

 

As opções de compensação mais comuns incluem:

          1. Reembolso em dinheiro: Considerado a opção mais justa pelos jogadores, mas muitas vezes resistida pelas empresas devido ao impacto financeiro.
          2. Créditos em outros jogos: Uma solução intermediária que pode satisfazer alguns jogadores, mas não todos.
          3. Itens exclusivos em outros jogos: Oferece um valor sentimental, mas pode não compensar o investimento financeiro. 
          4. Período de gratuidade estendido: Permitir que os jogadores usem todas as suas moedas antes do encerramento.

 

Os prazos para solicitação e processamento de reembolsos variam, mas geralmente são estabelecidos em conjunto com o anúncio do sunset. Um prazo comum é de 30 a 90 dias antes do encerramento para solicitações, com processamento continuando por alguns meses após o sunset.

 

Quanto aos aspectos legais e regulatórios, a legislação aplicável varia por jurisdição, mas geralmente envolve leis de proteção ao consumidor e de proteção de dados. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor pode ser aplicado para argumentar que os jogadores têm direito a reembolso por serviços não prestados. Na União Europeia, além do GDPR, a Diretiva de Direitos do Consumidor oferece proteções adicionais.

 

As responsabilidades das empresas de games incluem:

 

          1. Transparência na comunicação sobre o sunset e opções de reembolso; 
          2. Garantia de tratamento justo e equitativo de todos os jogadores; 
          3. Cumprimento das leis de proteção ao consumidor e de dados pessoais; e
          4. Implementação de processos eficientes para lidar com solicitações de reembolso.

 

Os direitos dos jogadores, embora variando por jurisdição, geralmente incluem:

          1. Direito à informação clara sobre o processo de sunset; 
          2. Direito a uma forma justa de compensação por investimentos não utilizados;
          3. Direito de acesso e portabilidade de seus dados pessoais; e
          4. Direito de reclamar junto às autoridades competentes em caso de práticas injustas.

 

As possíveis consequências legais do não cumprimento das obrigações podem ser severas. Empresas podem enfrentar:

 

          1. Multas significativas por violações de leis de proteção ao consumidor ou de dados; 
          2. Ações coletivas movidas por jogadores insatisfeitos; 
          3. Danos reputacionais que podem afetar futuros lançamentos e a confiança do consumidor; e 
          4. Intervenção regulatória, potencialmente levando a mudanças forçadas nas práticas de negócios.

 

À medida que a indústria de jogos continua a evoluir, é provável que vejamos mais regulamentações específicas para lidar com questões de moedas virtuais e sunsets de games.2 Algumas jurisdições já estão considerando adotar legislações específicas para ativos digitais, o que poderia ter implicações significativas para como as empresas de jogos gerenciam o encerramento de seus serviços. As empresas devem navegar cuidadosamente por este cenário, equilibrando suas necessidades financeiras com as expectativas dos consumidores e as obrigações legais. Uma abordagem proativa, transparente e centrada no consumidor não apenas ajuda a mitigar riscos legais, mas também contribui para manter a confiança e a lealdade dos jogadores a longo prazo.

 

Tendências para manutenção de ativos

 

As tendências futuras e possíveis soluções para os desafios apresentados pelo sunset de games estão se moldando rapidamente, impulsionadas por avanços tecnológicos, evolução regulatória e iniciativas da própria indústria.

 

Tecnologias emergentes como blockchain e NFTs (Tokens Não Fungíveis) estão ganhando atenção como potenciais facilitadores para o processo de sunset. A blockchain, com sua natureza descentralizada e imutável, poderia oferecer uma solução para a persistência de ativos digitais além do ciclo de vida de um jogo específico. Por exemplo, itens ou moedas de um jogo poderiam ser tokenizados, permitindo que os jogadores mantenham a propriedade mesmo após o encerramento do jogo. Isso poderia potencialmente transformar esses ativos em colecionáveis digitais ou permitir sua transferência para outros jogos ou plataformas.

 

Os NFTs, por sua vez, oferecem uma maneira de representar a propriedade única de ativos digitais. No contexto de sunset de games, NFTs poderiam ser usados para criar versões colecionáveis e transferíveis de itens de jogos, permitindo que os jogadores mantenham um registro tangível de suas conquistas e investimentos, mesmo após o jogo não estar mais disponível. Além disso, as empresas poderiam oferecer NFTs como uma forma de compensação durante o processo de sunset, proporcionando aos jogadores um ativo digital que potencialmente mantém ou aumenta seu valor ao longo do tempo.

 

No entanto, é importante notar que essas tecnologias também apresentam desafios, incluindo questões de escalabilidade, impacto ambiental (no caso de algumas blockchains) e a necessidade de educação dos consumidores sobre seu funcionamento e valor.

 

Conclusão

 

O sunset de games é um fenômeno complexo que levanta questões cruciais sobre propriedade digital, direitos do consumidor e responsabilidades corporativas na era digital. As empresas de jogos enfrentam o desafio de equilibrar necessidades econômicas com obrigações éticas e legais, especialmente no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e compensação por ativos digitais. 

 

A transparência na comunicação, o cumprimento rigoroso das leis de proteção de dados e a implementação de políticas justas de reembolso são essenciais para manter a confiança dos consumidores. 

 

Tecnologias emergentes como blockchain e NFTs oferecem possíveis soluções para a persistência de ativos digitais, embora apresentem seus próprios desafios. À medida que a indústria evolui, é provável que surjam regulamentações mais específicas. As empresas que adotarem uma abordagem proativa e centrada no consumidor estarão melhor posicionadas para navegar neste cenário em constante mudança, mitigando riscos legais e preservando a lealdade dos jogadores. 

 

Para concluir, é fundamental ressaltar a importância de contar com um escritório especializado nesse processo. Um call-to-action (CTA) estratégico, destacando a orientação prática de como realizar um sunset de games de forma estruturada, preservando a reputação do estúdio e facilitando a transição dos jogadores para novos projetos, é essencial para garantir a fidelização dos usuários e o sucesso contínuo do estúdio no mercado de jogos. Ao buscar suporte especializado, os estúdios podem enfrentar esse desafio de forma mais eficaz e garantir uma transição suave e bem-sucedida para seus jogadores. Para maiores informações e publicações relacionadas com direito societário, tributário, startups, empresas de base tecnológica e studios de games, fique conectado no site e nas redes sociais da Caputo Duarte Advogados.

 

 

 


*Otávio Ronchi – Advogado da Caputo Duarte Advogados, Mentor em programas de empreendedorismo como Tecnopuc e PreCapLab – Dimas Ventures, possui  LLM em Direito e Processo Tributário (FMP). Pós Graduado em Direito Digital e Proteção de Dados (EBRADI). MBA, em andamento, em Planejamento Tributário e Gestão de Operações Societárias (FBT).  Coordenador do Grupo de Estudos: “Direito das Startups e Inovação” da Escola Superior da Advocacia (ESA/RS).

 


 

Referências

1No presente ponto, tais informações estão embasadas pelos seguintes princípios legais::
Na LGPD:
Princípio da Transparência: Art. 6º, VI – “transparência: garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial;”; Direito à Informação: Art. 9º – “O titular tem direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva […]” ; Conteúdo da Informação: Art. 9º, incisos I a VIII, que detalham as informações que devem ser fornecidas ao titular, incluindo a finalidade do tratamento, forma e duração do tratamento, e informações sobre o uso compartilhado de dados.; Direitos do Titular: Art. 18 – que estabelece os direitos dos titulares dos dados, incluindo o direito de acesso, correção, eliminação, e portabilidade dos dados.

Na GDPR:
Princípio da Transparência: Art. 5(1)(a) – “Os dados pessoais são: a) Objeto de um tratamento lícito, leal e transparente em relação ao titular dos dados («licitude, lealdade e transparência»);”; Direito à Informação: Art. 12(1) – “O responsável pelo tratamento toma as medidas adequadas para fornecer ao titular as informações a que se referem os artigos 13.º e 14.º e qualquer comunicação prevista nos artigos 15.º a 22.º e 34.º a respeito do tratamento, de forma concisa, transparente, inteligível e de fácil acesso, utilizando uma linguagem clara e simples […]”; Informações a Fornecer: Art. 13 e Art. 14 – que detalham as informações que devem ser fornecidas ao titular dos dados quando os dados são recolhidos junto do titular ou quando não são recolhidos junto do titular.; Direitos do Titular: Art. 15 a Art. 21 – que estabelecem os direitos dos titulares dos dados, incluindo o direito de acesso, retificação, apagamento, limitação do tratamento, portabilidade dos dados e oposição.; Prazo de Conservação: Art. 13(2)(a) e Art. 14(2)(a) – que exigem a informação sobre o prazo de conservação dos dados pessoais ou, se não for possível, os critérios usados para definir esse prazo.

 

2Na União Europeia já há legislação prevendo que as empresas não podem mais “simplesmente encerrar o jogo” sem ressarcir os jogadores. Disponível em: <https://citizens-initiative.europa.eu/initiatives/details/2024/000007_pt.> Acesso em 31/08/2024.

 

 

 

 

Vamos conversar?

Está gostando do conteúdo? Compartilhe !

error: Content is protected !!