Na publicação anterior, examinamos o processo de majoração do capital social da startup, em que, concluído passa a ser interessante aumentar a injeção de recursos formalmente na sociedade – seja mediante o aporte pelos founders/terceiros ou pela conversão dos resultados proveitosos em capital social –, poderá a sociedade promover essa modificação, que dependerá, sempre, de alteração do seu contrato social e do preenchimento de outros requisitos analisados.
O tema da redução do capital social é regulado, expressamente, pelo Código Civil nos arts. 1.082 a 1.084, os quais, em linhas gerais, determinam ser possível a minoração do capital da sociedade limitada em duas hipóteses: a) no caso de perdas irreparáveis, desde que integralizado o capital social registrado; e b) caso se prove excessivo o capital registrado em relação ao objeto social, independentemente de integralização.
O ato de redução do capital, independentemente da causa ensejadora, é interpretado como ato de descapitalização da sociedade, admitindo-se, inclusive, que a diferença a ser reduzida passe “para outras rubricas de sua escrituração, inclusive os lucros a serem distribuídos entre os sócios.”1 Logo, mostra-se como uma alternativa a ser levada em consideração em termos contábeis.
Outrossim, qualquer ato de redução do capital social exigirá alteração do contrato social – tal qual se aplica para o aumento, conforme publicação sobre o aumento do capital –, o que significa dizer que referido ato dependerá de aprovação de sócios titulares de, pelo menos, 75% (ou 3/4) do capital social. Realizada a deliberação e aprovada a alteração, a ata comprobatória da decisão deverá ser levada a registro na Junta Comercial2.
Diante disso, a presente publicação analisará os dois cenários individualmente, com o propósito de afastar eventuais dúvidas.
a) Redução do Capital Social – Perdas Irreparáveis:
Quando suportadas perdas irreparáveis, além da exigência legal de prévia integralização total do capital registrado, a formalização desta escolha adotada pelos sócios dependerá de averbação da ata de aprovação da alteração na Junta Comercial, para que, só então, seja possível falar em modificação eficaz e oponível perante terceiros (vide art. 1.083 do Código Civil3).
Para compreender o cabimento da redução do capital social da startup por conta de perdas irreparáveis, é necessário compreender referida decisão como uma importante forma de se adequar o capital da sociedade à realidade contábil na prática.
Apesar disso, é muito importante fazer uma ressalva: para que a empresa possa reduzir o seu capital por perdas irreparáveis, é essencial que ela ainda seja solvente; isto é, é preciso que o seu patrimônio ativo seja suficiente para honrar com as obrigações assumidas (passivo). Se, contudo, a sociedade tiver um passivo superior ao seu ativo, estaremos diante de uma sociedade insolvente; nesse caso, a alternativa será ou a recuperação judicial ou a falência.
Por fim, deverão os sócios estar atentos à preservação da finalidade do capital social, como informado em outras publicações: o capital social corresponde à quantidade mínima de bens/direitos suficientes para cumprimento do objeto social. Logo, ainda que se opte pela redução do capital social, será exigido o zelo de se assegurarem de que o novo capital social reduzido siga se mostrando apto ao atingimento dos fins sociais.
b) Redução do Capital Social – Capital Social Excessivo:
No caso de redução do capital quando este se mostrar excessivo – no entendimento dos sócios –, haverá duas opções para concretização dessa vontade, a depender do estágio de integralização do capital: a) se o capital não estiver ainda totalmente integralizado, a redução poderá se dar mediante a dispensa das prestações ainda pendentes; ou b) se o capital estiver integralizado, a redução dar-se-á mediante restituição de parte do valor das quotas aos sócios4.
Existe, ainda, uma terceira opção, defendida por Gladston Mamede5: o doutrinador defende a possibilidade de se alocar tais recursos representativos da redução do capital, a título temporário ou definitivo, em outras rubricas contábeis, a depender do que for decidido pelos sócios.
Essa decisão deverá ser formalizada em ata da assembleia/reunião dos sócios, a qual deverá ser publicada para conhecimento de terceiros. Realizada a publicação, só será possível levar ata a registro “após o transcurso do prazo de noventa dias a contar da publicação do ato de redução, nos termos do § 2º do art. 1.082 do Código Civil.”6
Todas essas exigências formais de publicação e de aguardo de fluência do prazo é objeto de críticas por parte da doutrina, mas, apesar disso, é imprescindível destacar que decorre de previsão legal expressa, sendo chancelada pelo Manual de Registro das Sociedades Limitadas, do DREI. Sendo assim, em que pese a existência de relevantes ressalvas, a orientação é prestar obediência à legislação de regência e observar integralmente as formalidades, como forma de conferir a maior segurança possível à startup e aos sócios.
A possibilidade de redução do capital, portanto, é uma alternativa importante posta à disposição das startups, como mecanismo de ajuste da realidade contábil da sociedade a perdas irreparáveis ou a quantificação equivocada dos aportes inicialmente considerados necessários. Seja como for, a observação final é a mesma: a melhor tomada de decisão sempre será aquela amparada na maior quantidade de informações avalizadas, pela rede de apoio técnico especializado da startup, principalmente formado pelo suporte jurídico e contábil.
Para maiores informações sobre Direito Societário e Startups, acompanhe nossas postagens e aguardamos comentários e dúvidas!
*Rafael Duarte é Advogado, responsável pelo setor de Direito Imobiliário e Contratos Empresariais do escritório Caputo Assessoria Jurídica; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduando em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS; Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS; Atua na área empresarial com ênfase em Startups e empresas do setor imobiliário. www.caputoduarte.com.br
1 MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 206.
2 “Em ambos os casos, contudo, faz-se indispensável uma correspondente modificação do contrato, a exigir a aprovação de sócios que titularizem ao menos 75% do capital social (artigos 997, III, 1.071, V, e 1.076, I), sendo devidamente levada ao Registro correspondente.” (MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 206).
3 Código Civil. Art. 1.083. No caso do inciso I do artigo antecedente, a redução do capital será realizada com a diminuição proporcional do valor nominal das quotas, tornando-se efetiva a partir da averbação, no Registro Público de Empresas Mercantis, da ata da assembléia que a tenha aprovado.
4 Código Civil. Art. 1.084. No caso do inciso II do art. 1.082, a redução do capital será feita restituindo-se parte do valor das quotas aos sócios, ou dispensando-se as prestações ainda devidas, com diminuição proporcional, em ambos os casos, do valor nominal das quotas.
5 MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 207.
6 DEPARTAMENTO Nacional de Registro Empresarial e Integração. Manual de Registro de Sociedade Limitada. Ministério da Economia, 2020. p. 59. Disponível aqui Acesso em: 02 out. 2020.