Toda startup, assim como toda e qualquer sociedade empresária, ao ser formalizada precisa indicar expressamente no contrato social qual pessoa terá a aptidão para expor a vontade da sociedade (ex.: contratar com fornecedores ou clientes).
Essa função é exercida pelo Administrador, que tanto poderá ser sócio, quanto alguém que não integra o quadro societário da empresa. Na imensa maioria das startups em sua fase inicial, a função de administrador é exercida por um ou mais sócios, apesar de não haver impedimento legal a que um terceiro cumpra tal incumbência. Isso costuma ocorrer porque, na fase embrionária, a condução da sociedade costuma ficar a cargo dos próprios founders, que são, afinal de contas, os principais conhecedores do modelo de negócios e responsáveis por transformar a ideia em realidade, superando a fase de simples ideação.
Desde que o sócio administrador aja em conformidade com os poderes a si outorgados pelo contrato social, tais atos serão considerados praticados pela sociedade, e não pelo administrador em si. Trata-se de desdobramento prático da regra da representação. Ou seja, se respeitados os limites da administração, “o ato não se compreenderá como tendo sido juridicamente praticado por ele, mas pela sociedade representada.” 1
Nos casos em que a administração da sociedade é exercida por apenas um indivíduo, a análise ficará limitada ao respeito aos poderes outorgados ao administrador. Por exemplo, o contrato social poderá prever que o administrador deverá contar aprovação da maioria absoluta dos sócios para tomada de crédito em valor superior a R$ 20 mil. Se ele desrespeitar tal prescrição, o ato não poderá ser oposto à sociedade e o administrador responsabilizar-se-á pessoalmente pelo ato praticado.
Entretanto, é comum que o contrato social preveja pluralidade de administradores, como, por exemplo, uma startup composta por 3 sócios, determinando-se que todos eles exercerão a função de administradores. Apesar de se poder imaginar que toda sociedade que contar com 2 ou mais administradores terá uma administração coletiva, convém fazer uma distinção bastante importante: administração coletiva não se confunde com administração conjunta.
Por mais que, à primeira vista, pareça uma questão de menor relevância e simples detalhe prático, a verdade é que essa distinção fará toda a diferença na transparência da gestão empresarial, especialmente para o fim de criar um sistema interno de freios e contrapesos nas relações entre sócios, evitando eventuais abusos de poderes por administradores.
Primeiramente, a Administração Coletiva – também chamada de administração simultânea – é aquela em que todos os sócios possuem poderes plenos de administração, podendo, assim, representar isoladamente a sociedade perante terceiros. Isto é, nomeiam-se, no contrato social, os Sócios A e B como administradores, com poderes plenos de representação. Na prática, isso confere ao Sócio A poderes de, isoladamente, praticar quaisquer atos representativos da sociedade, assumindo obrigações perante terceiros mesmo sem consultar o Sócio B. Poderá o Sócio B agir da mesma forma, criando um ambiente de insegurança e com propensão a exercícios ilimitados de poderes.
O problema prático disso é que, ainda que seja possível falar em eventual responsabilização do sócio que celebrar contratos que não se amoldem à pretensão da maioria dos sócios2, como ele agiu amparado pelo contrato social, os atos praticados vincularão a sociedade com os terceiros com quem o sócio tiver contratado3. Logo, apesar de haver o direito a exigir restituição em ação regressiva, o terceiro poderá exigir o cumprimento das obrigações diretamente em face da sociedade.
Diante disso, uma forma de contornar os riscos da Administração Coletiva é recorrer à segunda opção de administração plural: a Administração Conjunta. Nessa espécie, ainda que haja mais de um administrador, o contrato social é claro ao prever limitações de poderes. Uma forma de restringir as atuações dos administradores, portanto, é estipular que determinados atos de administração “encontram-se submetidos ao concurso necessário de todos os sócios – ou, pelo menos, de mais de um sócio4.”
O grande proveito prático é a garantia de que eventuais atos para os quais se exige assinatura conjunta, mas que tiverem sido praticados isoladamente por algum administrador, não serão oponíveis à sociedade. Tudo isso deve estar previsto de modo claro no contrato social, “para que terceiros possam assegurar-se, nos negócios entabulados com a sociedade, de que esta está contratando validamente5.”
A proteção da sociedade, nesses casos, estará amparada no fato de que o terceiro deveria ter tido o zelo de examinar o contrato social da sociedade e verificar se a pessoa com quem contratou tinha efetivos poderes para praticar aquele ato. Com isso, cria-se um mecanismo interno de proteção da sociedade, não ficando dependente apenas de eventual ação regressiva, tal qual ocorre na Administração Coletiva.
Na prática, uma opção interessante para criar uma estrutura que, a um só tempo, proteja a startup de eventuais abusos de poderes por administradores, mas também não deixe a sua administração engessada (nem sempre será possível contar com a assinatura de 2 ou mais administradores), é adotar um sistema híbrido. Isto é, fixar, nos atos constitutivos da startup, uma lista de atos para os quais se aplica a Administração Coletiva (qualquer administrador pode contratar) e um rol de atos de aplicação da Administração Conjunta (exige-se assinatura de 2 ou mais administradores).
Todos esses pontos mostram a importância de se contar com assessoria especializada na elaboração do contrato social e demais ajustes contratuais, como forma de proteger a própria startup e os sócios, criando regras claras de convivência, visando a atingir o resultado comum e de interesse de todos: o sucesso da empresa.
Para maiores informações sobre Direito Societário e Startups, acompanhe nossas postagens e aguardamos comentários e dúvidas!
*Rafael Duarte é Advogado, responsável pelo setor de Direito Imobiliário e contratos empresarias do escritório Caputo Assessoria Jurídica; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduando em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS; Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS; Atua na área empresarial com ênfase em Startups e empresas do setor imobiliário. www.caputoduarte.com.br
1 MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 87.
2 “O problema é que o ato já pode ter sido praticado, já que os atos de administração são exercíveis por cada um dos sócios, separadamente (artigo 1.013). Nesse caso, responderá por perdas e danos perante a sociedade qualquer administrador que realize operação sabendo – ou devendo saber – estar agindo em desacordo com a maioria (artigo 1.013, § 2º).” (MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 88).
3 Código Civil. Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.
4 MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 88.
5 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 2: direito de empresa. 16. ed. — São Paulo: Saraiva, 2012. p. 324.