Por Rafael Duarte*
Conforme examinado no artigo sobre direito de retirada do sócio, há diversos conflitos internos entre os integrantes da startup constituída como sociedade limitada que podem justificar a necessidade de dissolução parcial da sociedade; isto é, a saída de algum(ns) e a permanência dos demais. No artigo de hoje, o foco será a alternativa de exclusão extrajudicial de sócio, ou seja, sem a necessidade de intervenção judicial para adoção de tal providência.
Primeiramente, cabe explicar o que se entende, em termos práticos, por exclusão extrajudicial de sócio. De modo bastante sintético, nada mais é do que a saída forçada do sócio, em decorrência de deliberação realizada pelos demais e motivada por prática de significativa gravidade, operando-se referida exclusão mediante simples alteração do contrato social perante a Junta Comercial.
Considerando que se trata de uma providência bastante severa, é necessário que todo o procedimento respeite as exigências legais fixadas para tanto, previstas no art. 1.085 do Código Civil, o qual, para melhor compreensão, é transcrito abaixo:
Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.
Parágrafo único. Ressalvado o caso em que haja apenas dois sócios na sociedade, a exclusão de um sócio somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.
Diante disso, é possível concluir que a exclusão extrajudicial de sócio exige, para a sua realização, o preenchimento dos seguintes requisitos: a) previsão expressa dessa possibilidade no contrato social; b) deliberação pela maioria dos demais sócios (que representem mais da metade do capital social, inviabilizando esta opção para exclusão de sócio majoritário); c) o sócio a ser excluído deve estar pondo em risco a continuidade da empresa; d) esse risco deve decorrer de atos de inegável gravidade; e) a deliberação deverá ser tomada em reunião/assembleia especialmente convocada para este fim; f) exige-se cientificação do sócio que se pretende excluir; e g) essa notificação do sócio precisa ser feita com antecedência suficiente para que ele possa exercer o seu direito de defesa em reunião/assembleia com os demais sócios, visando a convencê-los de que não deve ser excluído.
Uma particularidade interessante prevista na parte inicial do parágrafo único do art. 1.085 do Código Civil convém ser mencionada: se houver apenas 2 (dois) sócios e um deles for majoritário, poderá este excluir o sócio minoritário sem necessidade de deliberação. Esta dispensa de formalidade reforça a finalidade da reunião/assembleia: permitir que o sócio minoritário que se pretende ver excluído possa exercer seu direito de defesa e de convencimento dos demais sócios; se há apenas outro sócio, não haveria espaço para convencimento, tornando esta exigência inócua.
Considerando que o primeiro requisito é a previsão expressa no contrato social, surge o seguinte questionamento:
O que acontece quando o contrato social é “padronizado” e não prevê uma cláusula desse tipo? Quando inexistir cláusula contratual admitindo exclusão extrajudicial de sócio, este só poderá ser excluído judicialmente.
Neste ponto, cabe destacar a grande relevância desta cláusula, uma vez que as ações judiciais tendem à morosidade e o tempo é um ativo imprescindível a toda e qualquer atividade empresarial, especialmente nos casos em que um dos sócios está agindo em notório prejuízo de toda a sociedade.
No caso das startups, esta preocupação é ainda maior, visto que o prazo para tomada de decisões é sempre mais curto, exigindo soluções rápidas e que permitam ajustes pontuais na estratégia utilizada. Sendo assim, um contrato bem redigido neste ponto permitirá a saída forçada do sócio que estiver agindo de modo grave e em prejuízo da empresa.
Todavia, é preciso fazer uma ressalva: a prática de ato grave e que ponha em risco a atividade da startup é indispensável neste caso. Isto é, não se pode falar em exclusão extrajudicial de sócio imotivada. Neste sentido, é seguro concluir que “efetiva ocorrência de fato dessa natureza é condição inafastável da exclusão. Se inexistiu a causa legalmente prevista, ela não será possível por mera disposição de vontade dos sócios.”1
Com essa exigência, atinge-se um adequado equilíbrio na proteção dos interesses de todos os envolvidos: a um só tempo, consegue-se assegurar a exclusão mais célere do sócio faltante (mediante alteração do contrato social diretamente na Junta Comercial), bem como confere a todos os sócios a proteção individual de não poder ser excluído de modo desarrazoado e imotivado da sociedade. Isto é, cria uma estrutura justa na realidade interna da startup, criando um mecanismo majoritário (possibilidade de exclusão extrajudicial), acompanhado de um instrumento contra majoritário (impossibilidade de exclusão sem a ocorrência de falta grave).
Por conta dos motivos supracitados, percebe-se que a elaboração de instrumentos contratuais por profissionais especializados na área é imprescindível para a saúde da startup e o regular desenvolvimento da atividade criativa por ela desenvolvida, tanto na relação com terceiros, quanto nas interações entre os próprios sócios.
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Confira também:
https://www.caputoduarte.com.br/blog/o-que-e-direito-de-retirada-de-socio
https://www.caputoduarte.com.br/blog/a-importancia-do-acordo-de-cotistas-para-startups
¹COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 23. ed., São Paulo: Saraiva, 2011. p. 172
*Rafael Duarte, Sócio do escritório Caputo Advogados, com atuação especializada em Empresas de Base Tecnológica e Startups. Pós-graduando em Direito Digital e Proteção de Dados; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores, tais como Inovativa Brasil, entre outros; Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS; Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS.