*Luckas Gaioni Loures
Introdução
O franchising representa um dos mais bem-sucedidos modelos de negócios do século XX, configurando-se como uma relação comercial em que uma empresa bem-sucedida (franqueadora) concede a terceiros (franqueados) o direito de utilizar sua marca e modelo de negócios. Este sistema tem se mostrado particularmente eficaz na expansão de negócios, permitindo um crescimento acelerado com investimento relativamente baixo por parte da empresa franqueadora.
O presente artigo tem como objetivo analisar a evolução do sistema de franchising através de suas seis gerações distintas, demonstrando como cada etapa contribuiu para o aperfeiçoamento deste modelo de negócio. Esta análise é fundamental para compreender não apenas a história do franchising, mas também suas tendências futuras e possibilidades de aplicação em diferentes contextos empresariais.
A História do Franchising1
O grande momento do franchising ocorreu após a Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos. Este período foi marcado pelo retorno dos soldados americanos, que se encontravam em uma situação peculiar: sem experiência profissional, mas com forte desejo de empreender. O mercado já apresentava oportunidades promissoras, com empresas como a Hertz (locação de veículos) e Roto Rooter (limpeza de encanamentos) oferecendo suas primeiras franquias.
O marco histórico mais significativo deste período foi o surgimento do McDonald’s em 1955, que se tornaria uma das maiores referências do mercado de franquias globalmente, ao lado de outras redes como Burger King e KFC. O sucesso destas empresas estabeleceu padrões e práticas que viriam a influenciar profundamente todo o desenvolvimento posterior do setor.
No tocante a maiores detalhes acerca da história e o surgimento das franquias, você pode acessar o artigo já publicado no blog do escritório sob título: História do Franchising no Brasil e no Mundo, onde os detalhes históricos foram analisados com maiores detalhes.
As Seis Gerações de Franquias
O mercado brasileiro apresenta uma característica peculiar: a coexistência de franquias em seis diferentes estágios de desenvolvimento e profissionalismo. Esta diversidade permite uma análise comparativa rica e demonstra a capacidade do modelo de se adaptar a diferentes necessidades e contextos empresariais.
Franquia de Primeira Geração: Marca e Produto
As franquias de primeira geração representam o estágio inicial do sistema de franchising, caracterizando-se essencialmente como um modelo alternativo de distribuição comercial. Nesta modalidade, o franqueador estabelece uma relação comercial básica com o franqueado, concedendo-lhe o direito de utilizar sua marca e comercializar seus produtos ou serviços, porém sem qualquer garantia de exclusividade territorial ou comercial.
Um exemplo histórico e representativo deste modelo é a Kodak, que permitia que seus produtos fossem comercializados tanto em estabelecimentos franqueados quanto em pontos de venda independentes. Esta característica evidencia uma das principais limitações deste formato: a ausência de diferenciação significativa entre unidades franqueadas e estabelecimentos não pertencentes à rede.
O modelo de primeira geração apresenta particularidades que refletem sua natureza pioneira no universo do franchising. O baixo nível de profissionalização se manifesta na ausência de processos estruturados e na informalidade das relações comerciais, frequentemente sustentadas apenas por acordos verbais antes do advento da Lei 8.955/942. Este cenário resulta em um alto grau de risco tanto para o franqueador quanto para o franqueado, uma vez que a falta de padronização e controle pode comprometer a qualidade do serviço e a reputação da marca.
Por outro lado, o modelo oferece algumas vantagens iniciais, como o baixo investimento requerido para ingresso no sistema e uma significativa liberdade de ação para o franqueado na gestão de seu negócio. No entanto, esta mesma liberdade, combinada com a limitada assistência operacional fornecida pelo franqueador, pode resultar em inconsistências na qualidade do serviço e na experiência do cliente final.
Diante da evolução do mercado e das crescentes exigências dos consumidores por padrões de qualidade consistentes, a tendência natural é que este modelo primitivo de franquia gradualmente desapareça. A falta de mecanismos efetivos de controle e padronização, elementos hoje considerados essenciais no franchising moderno, torna este formato cada vez menos atraente tanto para franqueadores quanto para potenciais franqueados que buscam maior segurança e suporte em seus investimentos.
Franquia de Segunda Geração: Franquia Tradicional
A segunda geração do sistema de franchising representa uma evolução significativa no modelo de negócios, introduzindo um elemento fundamental para o desenvolvimento do setor: a exclusividade na distribuição. Este avanço estabeleceu uma diferenciação crucial em relação ao modelo anterior, criando uma identidade mais forte para as redes franqueadas e maior valor agregado para os franqueados.
Neste formato, exemplificado por casos de sucesso como O Boticário e Casa do Pão de Queijo, os produtos ou serviços da marca são comercializados exclusivamente através dos estabelecimentos que integram a rede franqueada. Esta exclusividade fortalece o valor da marca e cria uma vantagem competitiva significativa para os franqueados, que se tornam os únicos pontos de acesso autorizados aos produtos da rede.
O nível de profissionalização, embora ainda em desenvolvimento, apresenta avanços importantes em relação à primeira geração. Os contratos entre franqueador e franqueado tornam-se mais estruturados e abrangentes, estabelecendo direitos e obrigações de forma mais clara e juridicamente segura. Esta formalização contribui para uma relação comercial mais estável e previsível.
Os investimentos necessários para integrar uma franquia de segunda geração são consideravelmente mais elevados quando comparados ao modelo anterior. Este aumento reflete-se tanto nos custos iniciais quanto nos investimentos contínuos em manutenção e operação. Em contrapartida, o franqueador oferece um suporte mais robusto aos seus franqueados, incluindo orientações operacionais básicas e algumas ferramentas de gestão, ainda que de forma menos estruturada que nas gerações posteriores.
A distribuição exclusiva, principal característica desta geração, estabelece uma relação de maior dependência entre franqueador e franqueado, criando um ambiente propício para o desenvolvimento de parcerias mais duradouras e mutuamente benéficas. No entanto, esta mesma exclusividade demanda maior comprometimento do franqueado com os padrões estabelecidos pela rede, exigindo uma gestão mais profissional e alinhada às diretrizes da marca.
Franquia de Terceira Geração: Formato de Negócio
A terceira geração do franchising representa uma transformação paradigmática no setor, com a introdução do conceito de “Business Format Franchising“. Esta evolução transcende significativamente os modelos anteriores, estabelecendo um sistema integrado que vai muito além da simples licença de marca ou exclusividade de distribuição.
O elemento distintivo desta geração reside na transferência sistemática e abrangente do know-how operacional do negócio. O franqueador desenvolve e implementa um conjunto completo de processos, metodologias e sistemas, todos previamente testados e validados em unidades piloto, antes de serem transmitidos aos franqueados através de um programa estruturado de capacitação e suporte contínuo.
A padronização, neste modelo, alcança níveis sem precedentes, abrangendo não apenas aspectos visuais e de identidade da marca, mas também todos os processos operacionais do negócio. Esta uniformização rigorosa visa garantir que o cliente encontre a mesma qualidade e experiência em qualquer unidade da rede, independentemente de sua localização ou gestão.
O sistema de suporte ao franqueado torna-se significativamente mais robusto, incluindo treinamentos extensivos e periódicos, manuais operacionais meticulosamente detalhados e um programa regular de consultoria de campo. Esta estrutura de apoio permite que mesmo empreendedores sem experiência prévia no setor possam operar o negócio com eficiência, desde que sigam rigorosamente os procedimentos estabelecidos.
Lavanderias e pizzarias exemplificam com propriedade este modelo de franquia, pois nestes negócios o sucesso depende tanto da qualidade do produto final quanto da eficiência operacional e padronização dos processos. O formato do negócio – incluindo layout, processos, controles e padrões de atendimento – torna-se tão crucial quanto o produto ou serviço oferecido, estabelecendo uma verdadeira “receita de sucesso” que pode ser replicada de maneira consistente em diferentes localidades.
Esta geração também se caracteriza pelo desenvolvimento de um espírito de parceria mais profundo entre franqueador e franqueados, com a criação de canais de comunicação mais efetivos e a valorização do feedback da rede para o aperfeiçoamento contínuo do sistema. O resultado é uma operação mais profissionalizada, com riscos reduzidos e maior previsibilidade de resultados para ambas as partes.
Franquia de Quarta Geração: Rede de Aprendizado Contínuo
A quarta geração do sistema de franchising inaugura um novo paradigma na relação entre franqueador e franqueado, estabelecendo um modelo de gestão verdadeiramente colaborativo e participativo. Esta evolução representa um salto qualitativo significativo, fundamentado na compreensão de que o conhecimento e a experiência dos franqueados são ativos valiosos para o desenvolvimento e aperfeiçoamento contínuo da rede.
O marco institucional mais relevante desta geração é a implementação do Conselho de Franqueados3, um órgão deliberativo que permite a participação efetiva dos franqueados nas decisões estratégicas da rede. Este modelo é exemplificado com sucesso por redes como o Yázigi e grandes redes de drogarias, onde a complexidade operacional e a necessidade de adaptação constante às mudanças do mercado exigem uma estrutura de governança mais sofisticada.
O alto nível de profissionalização se manifesta em todos os aspectos da operação, desde a seleção criteriosa de novos franqueados até a implementação de sistemas avançados de gestão e controle. No entanto, diferentemente das gerações anteriores, a padronização deixa de ser um fim em si mesma e passa a ser baseada na conscientização e no comprometimento da rede com valores e objetivos comuns.
A comunicação bilateral efetiva torna-se um pilar fundamental do sistema, com a criação de canais formais e informais que permitem não apenas o compartilhamento de informações, mas também a troca de experiências e melhores práticas entre os membros da rede. Esta estrutura de comunicação facilita a identificação precoce de problemas e oportunidades, permitindo respostas mais ágeis às mudanças do mercado.
Uma característica distintiva deste modelo é a flexibilização consciente de certos aspectos operacionais não essenciais, permitindo adaptações locais que não comprometam a identidade e os valores fundamentais da marca. Esta abordagem reconhece que, em determinados contextos, a rigidez excessiva pode ser contraproducente, e que a capacidade de adaptação controlada pode representar uma vantagem competitiva significativa.
O foco em valores e missão compartilhados substitui o tradicional modelo de “comando e controle”, criando uma cultura organizacional mais madura e resiliente. Esta mudança de paradigma resulta em um maior comprometimento dos franqueados com o sucesso da rede como um todo, transcendendo a visão limitada do sucesso individual de cada unidade.
Franquia de Quinta Geração: Franquia Social4
A quinta geração do franchising apresenta uma interessante dicotomia conceitual, manifestada através de duas interpretações distintas propostas por especialistas reconhecidos no setor. Esta dualidade de perspectivas enriquece o debate sobre o papel e as possibilidades do sistema de franquias no contexto empresarial contemporâneo.
Por um lado, Marcelo Cherto – um dos pioneiros do Franchising no Brasil, apresenta uma visão inovadora ao definir as franquias de quinta geração como um modelo voltado para a disseminação de atividades beneficentes. Esta perspectiva amplia significativamente o horizonte do franchising, reconhecendo seu potencial como ferramenta de transformação social e não apenas como modelo de negócios tradicional.
Em contrapartida, o falecido autor da obra “tudo sobre Franchising” Daniel Plá, oferece uma interpretação mais focada na evolução estrutural do sistema, caracterizando esta geração como um aperfeiçoamento do modelo de quarta geração, com a adição de um elemento crucial: a garantia de recompra pelo franqueador. Esta característica é exemplificada de forma emblemática pelo McDonald ‘s, onde o franqueador, sendo proprietário ou locatário do ponto comercial, oferece maior segurança ao franqueado através da possibilidade de recompra do negócio.
O nível de profissionalização nesta geração atinge patamares extraordinariamente elevados, com a implementação de sistemas de gestão altamente sofisticados e tecnologicamente avançados. Este alto grau de profissionalização, combinado com a garantia de recompra, resulta em um risco operacional mínimo para ambas as partes envolvidas no negócio.
Um aspecto fundamental deste modelo é o expressivo investimento em tecnologia e infraestrutura realizado pelo franqueador. Este compromisso com a excelência operacional se manifesta através da manutenção de múltiplas unidades piloto, que servem como laboratórios para o desenvolvimento e aperfeiçoamento contínuo dos processos e práticas da rede.
O suporte oferecido aos franqueados nesta geração é excepcionalmente abrangente, incluindo não apenas aspectos operacionais e administrativos, mas também estratégicos e tecnológicos. Esta estrutura de apoio, aliada à experiência acumulada nas unidades piloto, proporciona aos franqueados um ambiente de negócios altamente estruturado e com elevada previsibilidade de resultados.
Franquia de Sexta Geração: Sustentabilidade e Ferramentas Avançadas
A sexta geração do franchising representa a vanguarda do setor, marcando uma evolução significativa que transcende os limites tradicionais do sistema de franquias. Esta nova fronteira caracteriza-se pela convergência de dois aspectos fundamentais: a aplicação inovadora das técnicas de franchising em contextos empresariais diversos e a integração profunda da sustentabilidade como elemento central do planejamento estratégico.
Neste modelo, a preocupação ambiental deixa de ser uma consideração posterior ou um elemento de marketing para tornar-se parte integrante do DNA do negócio desde sua concepção. Conforme destaca Claudio Tieghi, presidente da AFRAS (Associação Franquia Sustentável), o diferencial desta geração está na antecipação e prevenção dos impactos ambientais, em vez da tradicional abordagem reativa focada apenas no pós-consumo.
Uma característica inovadora desta geração é a aplicação das ferramentas e metodologias desenvolvidas no universo do franchising em contextos empresariais mais amplos. Grandes corporações, mesmo aquelas que não operam no sistema de franquias tradicionais, passam a adotar essas técnicas para gerenciar e desenvolver seus canais de distribuição e redes de negócios, incluindo revendas, representantes e dealers.
A inovação em canais de distribuição surge como consequência natural desta expansão conceitual, com as empresas desenvolvendo formas criativas de interação com o mercado consumidor. Esta abordagem permite maior flexibilidade e adaptabilidade às mudanças constantes no comportamento do consumidor e nas demandas socioambientais.
O planejamento estratégico ambiental torna-se um elemento central nesta geração, influenciando desde a escolha de fornecedores e materiais até o desenvolvimento de produtos e processos. Esta integração da sustentabilidade vai além das práticas convencionais de responsabilidade ambiental, buscando criar um impacto positivo em toda a cadeia de valor do negócio.
A competitividade feroz do mercado contemporâneo exige que as empresas utilizem toda sua criatividade para encontrar soluções inovadoras que permitam sua sobrevivência e prosperidade. Neste contexto, a sexta geração do franchising emerge como uma resposta às demandas por modelos de negócios mais sustentáveis e adaptáveis, capazes de criar valor não apenas econômico, mas também social e ambiental.
Análise Comparativa das Gerações
Característica | 1ª Geração | 2ª Geração | 3ª Geração | 4ª Geração | 5ª Geração | 6ª Geração |
Profissionalização | Baixo | Baixo/Médio | Médio | Alto | Altíssimo | Altíssimo |
Risco | Alto | Médio | Médio | Baixo | Mínimo | Baixo |
Liberdade do Franqueado | Alta | Média | Baixa | Média | Mínima | Variável |
Suporte | Mínimo | Básico | Completo | Extensivo | Altíssimo | Personalizado |
Investimento | Baixo | Médio | Médio | Alto | Muito Alto | Variável |
É importante ressaltar que não existe hierarquia qualitativa entre as gerações. Cada formato pode ser mais adequado para determinados tipos de negócio e perfis de empreendedores.
Conclusão
A evolução do franchising através de suas seis gerações demonstra a capacidade deste modelo de negócio de se adaptar às mudanças do mercado e às diferentes necessidades empresariais. Cada geração trouxe contribuições significativas para o desenvolvimento do setor, desde o modelo básico de licenciamento de marca até os sistemas complexos e sustentáveis da atual sexta geração.
A coexistência das diferentes gerações no mercado brasileiro evidencia que não existe um modelo ideal único, mas sim formatos mais adequados para cada tipo de negócio e perfil de empreendedor. O sucesso de uma franquia depende menos da geração à qual pertence e mais da adequação entre o formato escolhido e as necessidades e capacidades dos envolvidos.
O futuro do franchising aponta para uma crescente preocupação com sustentabilidade e responsabilidade social, sem abandonar os fundamentos que fizeram deste modelo um dos mais bem-sucedidos formatos de expansão empresarial.
*Luckas Gaioni Loures – Estagiário no Escritório Caputo Duarte Advogados. Graduando em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); Atuação em projetos de pesquisa científica envolvendo a regulamentação de plataformas, inovação e inteligência artificial; Estágio no Caputo Duarte Advogados, assessoria empresarial especializada em startups e empresas de base tecnológica.
Notas e Referências
1História do Franchising. Mundo Franchising, 2017. Disponível em: http://mundod ofranchising.blogspot.com/p/evolucao-do-sistema-de-franchising.html.
2Lei Magalhães Teixeira – Revogada pela Lei nº 13.966, de 2019.
3Lei 13.966/19 – art. 2º, XX – indicação de existência de conselho ou associação de franqueados, com as atribuições, os poderes e os mecanismos de representação perante o franqueador, e detalhamento das competências para gestão e fiscalização da aplicação dos recursos de fundos existentes;
4Disponível em: <https://bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/310e38252eb750af193bf6da9ed1150a/$File/2445.pdf>
Mundo do Franchising. (2017). História do Franchising. Disponível em: http://mundodofranchising.blogspot.com/p/evolucao-do-sistema-de-franchising.html
Associação Franquia Sustentável (AFRAS). Declarações do presidente Claudio Tieghi sobre franchising da 6ª geração.