A Fragilidade do Contrato PJ como Excludente do Vínculo Trabalhista

Sumário

Por Ana Laura Finati Alves*

 

 

Introdução

A pejotização tem se popularizado nos últimos anos, transformando significativamente as relações de trabalho. Essa modalidade, que surgiu como um mecanismo paralelo de reestruturação das relações empregatícias e otimização de custos operacionais, apresenta tanto benefícios quanto desafios.

Historicamente, a pejotização esteve ligada à busca por maior autonomia e flexibilidade, especialmente em setores como tecnologia e serviços. No entanto, o crescimento indiscriminado dessa prática tem gerado debates acalorados sobre seus impactos não apenas no Direito do Trabalho e Tributário, como na economia do país.

O princípio da primazia da realidade, fundamental para a caracterização do vínculo empregatício, é constantemente posto em pauta no que tange ao tema. A identificação de características como subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade, contudo, torna-se complexa quando a relação de trabalho é disfarçada por meio de contratos de prestação de serviços.

A pejotização, quando utilizada de forma inadequada, pode levar à precarização do trabalho e à evasão fiscal, o que aumenta significativamente o passivo de uma empresa.

Diante desse cenário, é fundamental buscar um equilíbrio entre a flexibilidade necessária para o mercado de trabalho e a observância dos direitos trabalhistas. A regulamentação interna adequada dessa prática é essencial para evitar abusos e garantir a saúde financeira da empresa.

 

O que é a pejotização?

A pejotização é um fenômeno complexo que envolve a contratação de profissionais por meio de pessoas jurídicas (PJ) – principalmente através da modalidade de Microempreendedor Individual (MEI). Neste arranjo, embora formalmente constituídos como prestadores de serviços autônomos, eles desempenham atividades que espelham as características de um vínculo empregatício, contemplando os requisitos do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Isso geralmente ocorre para que a empresa evite os encargos típicos de um empregado formal, como recolhimento de impostos, férias, 13º salário, etc.

Apesar da pejotização ter surgido como uma estratégia empresarial para redução de encargos, além de oferecer maior flexibilidade, autonomia e, até mesmo, remuneração para o trabalhador, se mal aplicada e gerenciada, ela pode gerar um imenso passivo trabalhista para a empresa. Isso, pois, o que parece uma escolha contratual utilizada com frequência no cenário comercial, pode ser visto como uma manobra fraudulenta para camuflar uma relação trabalhista.

Para o ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, na Rcl 67348, essa prática representa uma ameaça real aos direitos fundamentais do trabalhador. Na maioria das vezes, o trabalhador que atua como PJ não tem, na prática, os privilégios de escolha ou autonomia de um verdadeiro empresário, sendo submetido a um controle de sua rotina e dependendo diretamente da remuneração obtida nesse vínculo, perfil típico de um empregado celetista.

O ministro ainda destacou na decisão supracitada que a pejotização não apenas viola direitos individuais do trabalhador – constituindo uma fraude trabalhista -, mas também configura fraude ao sistema tributário. Uma contratação formal implica contribuições significativas ao INSS, além de encargos que mantêm a Previdência Social e outros direitos garantidos pela Constituição. Portanto, a pejotização, ao rebaixar esse vínculo, diminui esses aportes, prejudicando o financiamento das políticas públicas e sociais do Brasil.

 

O papel do contrato de prestação de serviços

A importância de um contrato de prestação de serviços para uma relação comercial é inegável, sendo fundamental, especialmente, para delimitar de modo transparente os direitos e obrigações de cada parte, podendo, assim, ser passível de uma cobrança mais assertiva. Um bom instrumento contratual também é essencial como meio de prova – ou até mesmo como título executivo extrajudicial – em casos de disputa ou problemas jurídicos entre as partes. 

Ressalta-se que os títulos executivos extrajudiciais são documentos que não se originam de uma decisão judicial; eles comprovam a existência de uma obrigação líquida, certa e exigível, podendo ser utilizados como base para a execução da obrigação de forma direta, ou seja, sem que haja a necessidade de um processo de conhecimento da existência – ou não – da obrigação (acelerando a tramitação do processo). Os títulos extrajudiciais estão dispostos no rol do art. 784 do Código de Processo Civil.

Inclusive, em artigo publicado neste blog, destrinchamos com precisão cláusulas contratuais diferenciadas que podem ser utilizadas na elaboração de um contrato de prestação de serviços.

Outrora, ao que pese o documento contratual como meio de prova na Justiça do Trabalho, deve-se ter extrema cautela, uma vez que o Direito do Trabalho se utiliza amplamente do princípio  da primazia da realidade. Este princípio ressalta que o que acontece na prática supera o que consta em documentos, instrumentos, etc., pactuados entre as partes.

Portanto, o diferente tratamento dessas relações são essenciais para o bom andamento organizacional da empresa, especialmente ao ter ambas as dinâmicas internas. Nesse sentido, o nosso blog já abordou detalhadamente as diferenças entre a contratação de um empregado CLT e de um prestador PJ.

Analisando a jurisprudência atual, em recente decisão da 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do Recurso de Revista n.º 1447-04.2017.5.06.0012, foi reafirmada de maneira contundente a insuficiência do contrato de prestação de serviços como elemento probatório único para afastar o reconhecimento do vínculo empregatício. No caso em questão, uma trabalhadora que prestou serviços de faxina durante 12 (doze) anos como pessoa jurídica teve reconhecido o vínculo empregatício com a reclamada.

O relator do caso, Ministro Maurício Godinho Delgado, destacou em seu voto que “o conjunto fático consignado no acórdão regional denota que o trabalho foi prestado pela Reclamante à Reclamada, com pessoalidade, mediante remuneração, com subordinação e de forma não eventual”, reforçando que a análise deve priorizar a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente do disposto contratualmente.

Portanto, a existência de um contrato formal de prestação de serviços não impede, sozinho, o reconhecimento do vínculo, pois a realidade fática, especialmente no que concerne ao requisito da subordinação, esteve comprovadamente presente nos autos.

 

Conclusão

A análise desenvolvida demonstra que o fenômeno da pejotização demanda uma atenção especial das empresas, que devem estar atentas no cotidiano de suas relações. A existência de um contrato de prestação de serviços via pessoa jurídica não pode servir como escudo intransponível à caracterização do vínculo empregatício, sendo necessária uma análise holística da relação estabelecida entre as partes para o entendimento de seu enquadramento, seja empregado, seja prestador.

Vimos, ainda, que os tribunais trabalhistas privilegiam a realidade fática sobre aspectos formais, impedindo que instrumentos formais sejam utilizados como formas para fraudar a legislação laboral e desconstituir uma relação claramente laboral, que possui todos os requisitos para tal.

Diante da complexidade das relações trabalhistas contemporâneas e da insuficiência probatória dos contratos PJ, torna-se fundamental para empresas contar com assessoria jurídica especializada. Para tanto, nós possuímos vasta experiência na análise e condução de casos envolvendo reconhecimento de vínculo empregatício, oferecendo atendimento personalizado e expertise na área trabalhista, bem como na redação de contratos – de trabalho ou de prestação de serviços – compatíveis com a usabilidade no dia-a-dia.

Por fim, caso tenha interesse em receber maiores informações relacionadas a esse tipo de conteúdo, fique conectado no site e nas redes sociais da Caputo Duarte Advogados.

 

 

 


*Ana Laura Finati Alves – Estagiária no Escritório Caputo Duarte Advogados. Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel); Atuação em projetos de escrita científica com foco em direito trabalhista e empresarial; Estágio nos setores de Recurso Humanos e Trabalhista em escritório de Contabilidade; Estágio em escritório de advocacia nos setores Trabalhista e Empresarial; Estágio no Caputo Duarte Advogados, assessoria empresarial especializada em startups e empresas de base tecnológica.

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Referências

DELGADO, M. G. Curso de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2020.

PLÁ RODRIGUEZ, A. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2015.

PEREIRA, J. L. Flávio Dino: terceirização, pejotização e fraudes trabalhista e tributária. ConJur, 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-out-28/flavio-dino-terceirizacao-pejotizacao-e-fraudes-trabalhista-e-tributaria/. Acesso em: 30 out. 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 67348. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6899136. Acesso em: 30 out. 2024.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 3ª Turma. Recurso de Revista n.º 1447-04.2017.5.06.0012. Acórdão publicado em 28/06/2024 Disponível em: https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=1447&digitoTst=04&anoTst=2017&orgaoTst=5&tribunalTst=06&varaTst=0012&submit=Consultar. Acesso em: 30 out. 2024

 

 

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