Por Gabriel Felipe Silva das Neves
Introdução
Com a expansão da internet e o surgimento de diversos movimentos publicitários e institucionais societários, a utilização da imagem e voz de empregados tornou-se comum. Isso é feito pela empresa que deseja tornar sua comunicação e promoção comercial mais orgânicas e engajadas, através de publicações nas redes sociais, realização de palestras institucionais internas da empresa, divulgação de panfletos e construção de sites e blogs, por exemplo.
Contudo, como todas as práticas que envolvem o Direito Trabalhista, a Sociedade deverá ter precaução no uso da imagem/voz de seus empregados para afastar a possibilidade de eventual dano ou prejuízo ao trabalhador, com consequente obrigação da empresa indenizá-lo.
Nesse sentido, apesar de a utilização dessa imagem/voz ser possível, a Sociedade deverá primeiramente obter uma autorização expressa do empregado para tanto – popularmente atribuída como a Autorização de Uso de Imagem e Voz – com importância singular à proteção da empresa e para que não ocorra a violação de direitos inerentes ao funcionário.
Assim, o presente artigo pretende analisar detalhadamente a importância desse documento, em seguida, explicar como se dá a construção da Autorização, seja essa incluída diretamente no Contrato de Trabalho do empregado ou em ato separado.
Fundamentação e Consequências para a (não) proteção da imagem e da voz do empregado
Inicialmente, é necessário compreender que todas as pessoas – sejam elas naturais ou jurídicas – têm sua imagem protegida constitucionalmente no que se conhece como “Direito de Imagem”. O Código Civil determina que a divulgação da imagem – e aqui se inclui a voz – poderá ser proibida caso se destine a fins comerciais; nos artigos 5º, X, da Constituição Federal e 20 do CC, respectivamente.
Dessa forma, se torna prático entender qual a fundamentação para que o empregado exija, judicialmente, que sua imagem/voz seja protegida no caso de a Sociedade estar a usando sem a devida autorização. Isso pois, nos termos dos referidos artigos, a utilização da imagem/voz do trabalhador sem autorização terá o risco de ser posteriormente proibida com a consequente obrigação de indenização, já que a divulgação da imagem pelo empregador será objetivamente na intenção de promover a empresa ou seu produto (ou seja, com fim comercial).
Além disso, a recente Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) – que entrou em vigor em setembro de 2020 – trouxe ainda maior proteção à imagem/voz do empregado, especialmente por meio de seu art. 2º, que determina como fundamento da proteção de dados a inviolabilidade da imagem. Dessa forma, a Sociedade passou a ter também o risco de sofrer penalidades administrativas no âmbito da Proteção de Dados caso não respeite o Direito de Imagem do seu empregado.
A LGPD protege o tratamento dos dados dos trabalhadores (incluindo a imagem e a voz por meio de fotos e vídeos) que tenham sido coletados e armazenados pela empresa como um banco de dados. Nesse caso, o tratamento da imagem/voz do empregado deverá ter seu consentimento. Isso se aplica tanto à Sociedade, que é a controladora dos dados, quanto a operadores de marketing e afins, que são os operadores dos dados, ambos com o objetivo do tratamento na promoção ou propaganda da empresa.
Caso você esteja com dificuldade em entender os termos e a proteção dada pela LGPD, nós recomendamos a leitura do seguinte artigo publicado pela Caputo Advogados: Conceitos base da LGPD: a teia de proteção dos dados pessoais.
Assim, com base na fundamentação apresentada, resta clara a necessidade da autorização expressa do empregado e a conformidade com a legislação para minimizar os riscos de danos ou prejuízos pela utilização comercial ou institucional da sua imagem/voz.
Caso a Sociedade utilize a imagem do empregado sem o devido consentimento e autorização, esse poderá requerer a exclusão do conteúdo publicado e a reparação judicial por danos materiais ou morais sem a necessidade de provar que sofreu dano, prejuízo ou situação vexatória, conforme a Súmula 403 do STJ: “Independe de prova de prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.”.
A necessidade de tal indenização surge inicialmente pela explicada proteção da imagem e dos dados pessoais do empregado; porém, o juízo poderá também considerar o fato do trabalhador não ter qualquer obrigação funcional expressamente disposta no Contrato de Trabalho de fornecer sua imagem e/ou voz à empresa, fato que ensejaria a necessidade de pagamento adicional pela função adicional.
Porém, fato importante é que essa autorização não é absoluta. Caso a empresa de alguma forma utilize a imagem/voz do empregado de forma a lhe lesar a honra e a boa fama, ainda será possível que esse busque indenização por danos morais, independente de que tenha autorizado o uso.
Dessa forma, considerando a importância do consentimento e autorização do empregado, é necessário que a Sociedade entenda como se dá a construção do Termo de Autorização de Uso de Imagem e Voz, para que se dê a cessão de uso da imagem/voz do trabalhador.
Construção e Utilização do Termo de Autorização de Uso de Imagem e Voz
Na construção do Termo de Autorização e Uso de Imagem e Voz, diversos elementos deverão ser analisados pela Sociedade, a depender do caso concreto.
Inicialmente, a Autorização deverá ser um documento escrito e assinado pelo empregado, contendo expressamente a forma que a empresa poderá explorar a imagem/voz cedida.
Esse documento poderá ser – e se recomenda que seja – o próprio Contrato de Trabalho, por meio de cláusula que especifique a cessão da imagem/voz do empregado. Nesse caso, não deixa de ser necessário que o trabalhador analise a cláusula e entenda o que está cedendo, para ter a opção de escolha de assinar o Contrato ou não. Contudo, a autorização poderá também se dar por ato separado do Contrato, em momento posterior à contratação.
Dessa forma, o Termo de Autorização deverá conter alguns pontos expressos:
- Principais dados do empregado. O termo deverá ser específico e individualizado para cada empregado, incluindo seus principais dados de forma que seja possível identificá-lo.
- Determinação do prazo para a cessão. A necessidade do prazo ser determinado decorre da já aprofundada fundamentação, que entende ser abusiva a cessão do Direito de Imagem sem limitação temporal; contudo, é possível, ao menos, incluir um prazo razoável para que o uso continue mesmo após o término da relação empregatícia entre as partes.
- Declaração expressa da finalidade do uso de sua imagem/voz. O recomendado é criar uma definição específica das campanhas usuais da Sociedade, especificando, por exemplo, os meios e o objetivo da divulgação e a abrangência do público, e evitando previsões genéricas, que poderiam ensejar a nulidade da autorização; inclusive, o empregado poderá limitar ainda mais a finalidade, se não se sentir confortável com algum dos usos de sua imagem/voz.
- Onerosidade da cessão. Tendo em vista que a utilização da imagem/voz do empregado não se insere nas atividades normais de sua função, ele tem o direito de ser remunerado pela cessão. Dessa forma, é possível que a Sociedade inclua previsão no Contrato de Trabalho de que a remuneração total do trabalhador já inclui a utilização de sua imagem/voz ou, caso o empregado requeira a remuneração adicional, a definição do valor deverá levar em consideração os meios de publicação, a quantidade de postagens mensais e o tempo gasto para que o funcionário produza essas mídias.
- Possibilidade de revogação. O termo deverá constar, também, a possibilidade do empregado revogar sua autorização e consentimento – a qualquer tempo e mediante manifestação expressa – para que a Sociedade suspenda a exploração de sua imagem/voz.
Por fim, quando a relação empregatícia entre as partes se encerrar ou o empregado revogar sua autorização, e considerando eventual prazo adicional incluso no Termo de Autorização, a Sociedade deverá excluir todas as publicações que contenham a imagem ou voz desse trabalhador, tendo precaução para que as novas postagens ou reportagens não o incluam.
Conclusão
Por meio dos tópicos apresentados, foi possível entender que a legislação brasileira traz forte proteção à imagem e à voz do empregado, sendo necessário que o empregador obtenha consentimento expresso e livre do funcionário para que utilize sua imagem ou voz, seja de forma institucional ou comercial.
Nesse sentido, é recomendado que a empresa seja assessorada por um jurídico especializado, que redigirá o Termo de Autorização de Uso de Imagem e Voz de forma protetiva e específica à Sociedade e aos empregados individualizados, não apenas para a proteção do trabalhador, mas também da empresa.
Para maiores informações e publicações relacionadas à proteção das empresas, como as características e benefícios do Contrato de Experiência, fique conectado no site e nas redes sociais da Caputo Advogados.
*Gabriel Felipe Silva das Neves – Estagiário no Escritório Caputo Advogados. Graduando em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel); Membro do grupo de pesquisa “O Direito Privado na Contemporaneidade” da UFPel; Atuação em projetos de escrita científica com foco em direito digital, empresarial e contratual; Estágio nos setores Trabalhista e de Procedimentos Especiais na Procuradoria Geral de Pelotas; Estágio em escritório de advocacia nos setores de: Startups, Trabalhista e Tributário; Estágio no Caputo Advogados, asessoria empresarial especializada em startups.
Referências
ACI. Utilização da imagem do empregado na vigência e após o encerramento do contrato de trabalho. In: ACINH, 2022. Disponível em: https://www.acinh.com.br/noticia/utilizacao-da-imagem-do-empregado-na-vigencia-e-apos-o-encerramento-do-contrato-de-trabalho. Acesso em: 25 de novembro de 2023.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 9 ago. 1943. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 25 de novembro de 2023.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Supervisor será indenizado por uso não autorizado de imagem em site da empresa. In: TST, 2022. Disponível em: https://www.tst.jus.br/-/supervisor-ser%C3%A1-indenizado-por-uso-n%C3%A3o-autorizado-de-imagem-em-site-da-empresa. Acesso em: 25 de novembro de 2023.
CALABRÓ, Melissa Noronha M. de Souza. Quando a empresa pode usar a imagem dos empregados? In: Noronha e Nogueira Advogados, 2022. Disponível em: https://noronhaadv.com.br/quando-a-empresa-pode-usar-a-imagem-dos-empregados/. Acesso em: 25 de novembro de 2023.
CHRISPIM, Roberta; FORTES, Thaís Gonçalves. Direito de imagem e contrato de trabalho: garoto(a) propaganda e empregado, pode? In: Migalhas, 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/377205/direito-de-imagem-e-contrato-de-trabalho. Acesso em: 25 de novembro de 2023.
LOPES, Feijó. Aspectos do Termo de Autorização para o Uso da Imagem dos Empregados Frente à LGPD. In: FeijóLopes Advogados, 2021. Disponível em: https://www.feijolopes.com.br/2021/10/18/trabalhista-aspectos-do-termo-de-autorizacao-para-o-uso-da-imagem-dos-empregados-frente-a-lgpd/#:~:text=A%20autoriza%C3%A7%C3%A3o%20para%20uso%20da,imagens%20devem%20ser%20imediatamente%20exclu%C3%ADdas. Acesso em: 25 de novembro de 2023.
RAMOS, Rafael Teixeira. Empregado tem direito pela exposição digital de imagem, voz ou nome? In: JOTA, 2022. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/empregado-tem-direito-pela-exposicao-digital-imagem-voz-nome-18032022#:~:text=A%20reprodu%C3%A7%C3%A3o%20e%20exposi%C3%A7%C3%A3o%20da,mediante%20indeniza%C3%A7%C3%A3o%20por%20danos%20morais. Acesso em: 25 de novembro de 2023.
VIEIRA, Max. A empresa pode utilizar a imagem de seus empregados como publicidade nas redes sociais? In: Max Vieira Advocacia e Consultoria. Disponível em: https://www.maxvieira.adv.br/2020/06/10/a-empresa-pode-utilizar-a-imagem-de-seus-empregados-como-publicidade-nas-redes-sociais/. Acesso em: 25 de novembro de 2023.