* Maria Thereza Henriques
Introdução
No Direito Brasileiro, a obrigação é concebida como um vínculo jurídico que conecta dois sujeitos, estabelecendo uma relação entre credor e devedor. Essa relação obrigacional é essencial para o funcionamento do sistema legal e econômico, pois define claramente os direitos e deveres de cada parte envolvida. Nessa toada, a legislação brasileira prevê consequências específicas quando uma obrigação não é cumprida conforme o acordado entre as partes.
O caput do artigo 389 do Código Civil estabelece que o devedor deve responder por perdas e danos, além de juros, atualização monetária e, com a recente alteração introduzida pela Lei nº 14.905/2024, por honorários advocatícios, mesmo quando não explicitados no contrato. Essa disposição legal cria uma regra geral para o descumprimento das obrigações, garantindo ao credor o direito de ser ressarcido pelos prejuízos, agora com a inclusão expressa dos honorários advocatícios. A legislação atualizada também determina que, caso o contrato não preveja um índice específico para atualização monetária, será aplicado o IPCA, assegurando uniformidade e precisão na correção dos valores devidos.
Entretanto, a aplicação prática dessa norma enfrenta desafios significativos. Embora o credor tenha o direito ao ressarcimento por perdas e danos, a comprovação desses prejuízos pode ser uma tarefa complexa. A necessidade de apresentar provas concretas dos danos sofridos pode se tornar um obstáculo considerável, potencialmente resultando em processos judiciais prolongados e complexos, deixando o credor em uma posição vulnerável. Este cenário demonstra a importância de mecanismos contratuais que possam simplificar a resolução de disputas e proteger efetivamente os direitos das partes.
Nesse contexto, a cláusula penal, prevista nos artigos 408 a 416 do Código Civil, desempenha um papel crucial. Ela é uma forma de estipular uma multa ou indenização por descumprimento ou atraso no cumprimento da obrigação pactuada, oferecendo uma solução prática para mitigar os riscos associados ao inadimplemento contratual. A cláusula penal permite a prefixação pecuniária dos danos decorrentes da mora ou do inadimplemento do devedor, simplificando o processo de ressarcimento em caso de descumprimento contratual. Esse mecanismo encontra seu fundamento legal na liberdade contratual, permitindo que as partes estabeleçam previamente as consequências do não cumprimento das obrigações assumidas.
A inserção da cláusula penal pode ser feita no próprio contrato por meio de cláusula contratual específica, ou em um adendo (mediante aditivo), desde que esteja diretamente relacionada ao objeto contratado. Conforme explica Silvio de Salvo Venosa, em seu livro “Direito Civil” (Atlas, 2000, p. 147), a cláusula penal é geralmente restrita às partes contratantes, embora seja possível estipulá-la em favor de terceiros ou atribuir sua responsabilidade a um terceiro, desde que devidamente convencionada e assinada. É importante distinguir a cláusula penal das arras, que são um gênero subdividido em duas espécies: (a) Arras Confirmatórias e (b) Arras Penitenciais.
As Arras Penitenciais permitem o arrependimento das partes, prevendo uma compensação financeira para a parte que não deu causa à desistência. As Arras Confirmatórias, por outro lado, não permitem a desistência e servem como uma garantia do cumprimento do contrato, assegurando uma indenização em caso de inadimplemento, mas sem o caráter de arrependimento que caracteriza as Penitenciais. A cláusula penal, diferentemente, é uma punição pelo descumprimento de um contrato já concluído, configurando-se somente em caso de inadimplemento.
A eficácia da cláusula penal reside na simplificação do processo de comprovação de prejuízos. Em caso de descumprimento contratual por culpa do devedor, o credor precisa apenas demonstrar que houve, de fato, o não cumprimento do contrato, eliminando a necessidade de comprovação detalhada das perdas e danos sofridos. Isso torna o processo de ressarcimento mais ágil e eficiente, beneficiando especialmente o credor.
Porém, a aplicação da cláusula penal deve ser cuidadosamente considerada, com redação clara e precisa, para evitar disputas futuras. Além disso, com base no artigo 413 do Código Civil, os tribunais têm o poder de realizar uma ‘redução equitativa’ do valor da cláusula penal quando este for considerado excessivo. Esse mecanismo busca garantir o equilíbrio entre a proteção do credor e a não onerosidade excessiva do devedor, ajustando o valor para que seja proporcional ao descumprimento contratual e aos prejuízos efetivamente causados.
Existem dois tipos de cláusulas penais: a compensatória, que se aplica em casos de descumprimento total ou parcial do contrato, e a moratória, que é acionada em situações de atraso no cumprimento da obrigação. A utilidade prática da cláusula penal está no fato de que, conforme previsto no artigo 408 do Código Civil, a sua aplicação ocorre de pleno direito, sem a necessidade de comprovar o prejuízo efetivo.
Em vez disso, o credor precisa apenas demonstrar a existência da obrigação e o descumprimento por parte do devedor, já que o prejuízo é presumido. Assim, a cláusula penal oferece uma proteção significativa ao credor, reduzindo a vulnerabilidade associada à prova de ‘perdas e danos’ e proporcionando maior segurança jurídica.
As multas penais e as cláusulas penais, embora ambas tenham o objetivo de sancionar condutas específicas, possuem origens distintas que refletem na sua natureza jurídica e aplicabilidade. As multas penais podem ter natureza civil, fiscal ou administrativa e surgem a partir de infrações definidas por lei. Ou seja, são sanções impostas independentemente de um acordo entre as partes, decorrendo diretamente de disposições legais e sendo aplicadas a situações que violam normas específicas.
Já a cláusula penal, também conhecida como multa convencional ou sanção civil, é exclusiva dos contratos e resulta da manifestação de vontade das partes em um acordo. Ela surge da assunção obrigacional e está vinculada ao exercício de autonomia contratual. A cláusula penal é estabelecida para assegurar o cumprimento das obrigações pactuadas e pode ser acionada quando uma das partes não cumpre integralmente a obrigação contratual, descumpre parcialmente alguma cláusula específica ou simplesmente atrasa o cumprimento de suas obrigações.
Diferentemente da multa penal decorrente de lei, a cláusula penal só se aplica quando contratualmente acordada, refletindo a vontade expressa das partes e a necessidade de disciplinar o contrato conforme o interesse dos contratantes.
O principal objetivo das cláusulas penais é assegurar que, ao menos parte dos prejuízos, sejam recompostos, caso uma das partes não cumpra o contrato. A multa estabelecida pelo Código Civil, conforme o artigo 409, pode se referir à inexecução completa da obrigação, a alguma cláusula especial ou à mora. Além disso, de acordo com o artigo 412 do mesmo código, o valor da multa imposta na cláusula penal não pode exceder o valor da obrigação principal, o que garante a proporcionalidade e a equidade na aplicação das sanções contratuais.
A Cláusula Penal Moratória
É essencial destacar, desde o início, que a cláusula penal moratória se aplica em situações em que o descumprimento da obrigação está relacionado ao atraso no pagamento ou ao pagamento realizado em local ou forma que não foram previamente acordados entre as partes contratantes. Esse tipo de cláusula penal tem como objetivo penalizar o devedor por não cumprir com a obrigação dentro do prazo ou das condições estabelecidas, mantendo, porém, a essência da obrigação principal.
A cláusula penal moratória incide nos casos de “descumprimento de alguma cláusula especial ou simplesmente mora”. Em contraste, a cláusula penal compensatória aplica-se quando há “inexecução completa da obrigação”. Ambas as modalidades de cláusula penal estão previstas no artigo 409 do Código Civil, que regula a aplicação dessas penalidades de acordo com a natureza do descumprimento contratual.
A multa moratória, por sua vez, é uma penalidade específica para os casos de inadimplemento, ou seja, quando ocorre atraso no cumprimento de determinada obrigação. Um exemplo comum de aplicação dessa multa é quando o inquilino não paga o aluguel dentro do prazo estipulado no contrato de locação. No âmbito dos contratos de consumo, o artigo 52 § 1° do Código de Defesa do Consumidor limita o percentual da multa moratória a no máximo 2% do valor da prestação, protegendo assim o consumidor contra penalidades excessivas.
A previsão legal da cláusula penal moratória está estabelecida no artigo 394 do Código Civil, que dispõe:
Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.
Nesse contexto, é importante entender que a cláusula penal moratória não se aplica ao inadimplemento absoluto, mas sim ao atraso ou ao descumprimento parcial das condições pactuadas. A cláusula penal moratória está relacionada ao inadimplemento relativo, que ocorre quando ainda existe utilidade na prestação para o credor, mesmo que ela não tenha sido cumprida conforme o prazo ou as condições estabelecidas. Como sua natureza jurídica é acessória, a cláusula penal moratória pode ser exigida em conjunto com a obrigação principal, adicionando uma penalidade pelo atraso sem invalidar a obrigação em si. Esse mecanismo reforça o dever do devedor de cumprir o contrato conforme pactuado, incentivando o adimplemento mesmo em situações de atraso.
Dessa forma, a cláusula penal moratória funciona como uma ferramenta adicional de coerção para garantir o cumprimento das obrigações contratuais, oferecendo uma forma de compensação ao credor sem comprometer a continuidade da relação contratual. A sua aplicação deve ser cuidadosamente considerada, pois envolve a ponderação entre a necessidade de penalizar o inadimplemento e a manutenção de um equilíbrio justo entre as partes.
A Cláusula Penal Compensatória
A cláusula penal compensatória se aplica ao credor quando ocorre o descumprimento absoluto da obrigação por parte do devedor, seja por sua incapacidade de adimplir a obrigação ou pela inutilidade da prestação ao credor. Esta cláusula visa compensar a parte lesada pela quebra do contrato, sendo usualmente estipulada para prever a indenização de prejuízos decorrentes do inadimplemento contratual.
Um exemplo típico da aplicação da cláusula penal compensatória ocorre quando um inquilino desocupa o imóvel antes do término do prazo locatício. Nesse caso, a cláusula penal compensatória pode ser estipulada, por exemplo, no pagamento de um valor correspondente a três aluguéis. Como o próprio nome sugere, a cláusula compensatória tem o propósito de compensar o credor pelos danos sofridos com a quebra do contrato, funcionando como uma prévia avaliação das perdas e danos, sem a necessidade de comprovação detalhada.
A cláusula compensatória costuma ter um impacto financeiro significativo, justamente por buscar satisfazer o credor de maneira completa pelo inadimplemento. Na cláusula penal compensatória, o valor estipulado para a penalidade não pode exceder o valor total da obrigação principal, conforme estabelece o artigo 412 do Código Civil. No entanto, isso não significa que o valor da penalidade será sempre de 100% do montante da obrigação. As partes podem pactuar uma penalidade inferior, desde que observem o limite máximo, preservando o caráter compensatório sem ultrapassar a integralidade da obrigação inicial. A previsão legal para a multa compensatória está no artigo 389 do Código Civil, que regula a indenização predefinida dos prejuízos quando o inadimplemento culposo é verificado.
Diante dessas características, é possível traçar de forma didática as diferenças entre as duas espécies de cláusula penal instituídas no Direito Brasileiro: a moratória e a compensatória. Essas diferenças são essenciais para que o jurista possa, ao analisar um caso concreto, determinar se há a possibilidade de aplicação cumulativa dessas categorias. Contudo, é importante destacar que, em regra, o mesmo fato gerador não pode resultar na aplicação simultânea das cláusulas penal moratória e compensatória, exceto quando existe uma pluralidade de objetos da obrigação.
Em um mesmo contrato, nada impede que ambas as cláusulas sejam estipuladas, desde que seja especificado que uma serve como sanção para o descumprimento total e a outra como multa por atraso (Bittar, Carlos Alberto. Direito das Obrigações. Forense Universitária, 1990, p. 179 apud Zuiliani, 2001, p. 38).
Quanto ao valor estipulado, o artigo 412 do Código Civil estabelece que o valor da pena não pode exceder o da obrigação principal. Essa limitação visa neutralizar excessos, mesmo respeitando o princípio da liberdade das convenções. Uma multa, sendo uma obrigação acessória, não poderia ter uma quantia monetária superior à da obrigação principal. Mucio Continentino, em sua obra “Da Cláusula Penal no Direito Brasileiro” (Saraiva, 1926, p. 165 apud Zuiliani, 2001, p. 38), observou que é “excessiva a pena cujo valor ultrapassa o da obrigação principal” e ressaltou que a possibilidade dada ao juiz de reduzir o montante dessa pena “nasceu de um altruísta sentimento de solidariedade social, de proteção aos fracos.”
O tempo demonstrou o acerto dessa abordagem, refletindo uma evolução no entendimento jurídico sobre a necessidade de equilibrar os direitos do credor com a proteção ao devedor contra penalidades excessivas. Dessa forma, a cláusula penal compensatória deve ser redigida com cautela, respeitando os limites impostos pela lei, para assegurar que a sua aplicação seja justa e proporcional ao dano causado pelo inadimplemento.
Considerações Finais
Em síntese, a cláusula penal é uma ferramenta essencial no direito contratual brasileiro, proporcionando segurança jurídica e simplificando a resolução de disputas contratuais. No entanto, sua efetividade está diretamente relacionada à precisão na sua redação e à forma cuidadosa com que é aplicada. Para que a cláusula penal seja implementada de maneira eficaz, é altamente recomendável buscar a orientação de um advogado especializado em contratos, redigir a cláusula de maneira clara e detalhada, especificando as condições para sua aplicação e revisar periodicamente os contratos para garantir que as cláusulas penais se mantenham justas e proporcionais.
Um conhecimento profundo deste recurso jurídico é indispensável para profissionais do direito, empresários e todos os que participam de relações contratuais no Brasil. Nesse contexto, o escritório Caputo Duarte se destaca por sua expertise em direito contratual, oferecendo consultoria especializada, essencial para lidar com as complexidades do direito das obrigações. Contar com uma assessoria especializada tem o condão de servir como grande diferencial para proteção eficaz dos interesses das partes e para elaboração e aplicação precisa das cláusulas penais. Adotando-se tais cautelas, a cláusula penal não apenas resguardará as expectativas contratuais, mas também fortalecerá a estabilidade e a previsibilidade das relações comerciais.
*Maria Thereza Henriques, estagiária no Caputo Advogados Associados, assessoria empresarial com ênfase em Startups e Estúdios de Games. Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Referências
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Entenda a diferença entre multa compensatória e multa moratória. Portal do CNJ, 29 maio 2015. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/entenda-a-diferenca-entre-multa-compensatoria-e-multa-moratoria/. Acesso em: 25 jul. 2024.
SILVA, Andressa Cristine da. Cláusula Penal Moratória x Cláusula Penal Compensatória. Projuris, 09 jan. 2020. Disponível em: https://www.projuris.com.br/blog/clausula-penal/. Acesso em: 25 jul. 2024.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. Direito fácil: cláusula penal. Brasília, DF. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/clausula-penal. Acesso em: 25 jul. 2024.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2000. p. 147.
ZUILIANI, Énio Santarelli. Cláusula penal. In: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Boletim da Documentação, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 35 – 43, jan./fev. 2001. Disponível em: https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDC_09_35.pdf. Acesso em: 25 jul. 2024.