Por Gabriel Felipe Silva das Neves
Introdução
Considerando a ampla aplicação da Lei Federal nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971 (conhecida como “Lei dos Sorteios”), que requer a obtenção de autorização governamental para poder desenvolver promoções comerciais por meio de sorteios, concursos e distribuição de brindes, é usual que uma dúvida surja repetidamente na gestão de sociedades de base tecnológica: como sua empresa ou seu modelo de negócio podem ser afetados?
Com base nisso, esta publicação visa exemplificar quais as consequências da Lei dos Sorteios no dia-a-dia de uma empresa, seja no núcleo do seu negócio – caso o interesse mercantil seja de ofertar sorteios, brindes ou concursos -, ou na administração das redes sociais e do contato com os clientes – distribuindo prêmios, independente do objetivo final.
Pretexto da Lei dos Sorteios e exceções à sua aplicação
De início, é essencial compreender que o pretexto para a existência da Lei dos Sorteios é tanto a proteção dos próprios clientes das empresas que são afetados pela Lei, quanto por sociedades menores, que não possuem o capital necessário para competir com eventuais práticas predatórias para atrair clientes.
Isso pois, a Lei dos Sorteios determina ampla regulação e burocratização para a realização de sorteios, concursos e brindes, de modo a afastar quaisquer chances dos clientes serem enganados com “sorteios simulados” ou “concursos falsos”, em que um ganhador já fosse previamente escolhido, de modo à empresa não sofrer prejuízos.
Além disso, conforme será aprofundado nesta publicação, a Lei determina que a empresa realize o pagamento de taxas proporcionais ao valor dos prêmios; ou seja, quanto maior o prêmio, maior a taxa. Dessa forma, empresas maiores precisam analisar bem o mercado e o momento de realização de suas promoções. O objetivo é possibilitar que empresas menores não sejam apagadas ou esquecidas pelos clientes, promovendo um ambiente de competição mais equilibrado.
Contudo, considerando esse último contexto, algumas empresas acabariam sendo injustamente afetadas, já que, independentemente do contexto, não estariam interessadas em atrair clientes: as pessoas jurídicas de direito público, que usualmente precisam angariar fundos para seu funcionamento; e as realizadoras de concursos exclusivamente culturais (e não comerciais), seja artístico, desportivo ou recreativo, que apenas utilizam os valores para premiar os vencedores.
Desse modo, tais empresas e situações são exceções, não sendo afetadas pelos artigos e determinações da Lei dos Sorteios.
Aplicação da Lei dos Sorteios
Tendo compreendido se a sua empresa é – ou não – exceção à Lei dos Sorteios, é possível o aprofundamento a como, de fato, se dá esta aplicação. Para isso, o art. 1º da Lei prevê sua incidência para os casos de “distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelhada”, caso em que será necessário obter, previamente, autorização do Ministério da Fazenda. A fiscalização é realizada pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), sucessora das antigas SRE, SECAP e SEAE.
Dessa forma, torna-se claro que a aplicação da Lei dos Sorteios ocorre apenas em casos de “distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda”; ou seja, caso o interesse de sua empresa seja a de afastar a necessidade de adequação às burocracias da Lei dos Sorteios, é possível incluir o recebimento de prêmios a título oneroso, por exemplo, por meio da entrega de cupons de desconto – de modo que o cliente ainda deverá pagar pelo produto final; já caso o objetivo da empresa seja de adequar legalmente uma promoção comercial, fato importante é que não poderá, por exemplo, vender o número da rifa ou cobrar a participação no concurso: o eventual recebimento do prêmio pelo cliente deverá ser gratuito em sua totalidade.
Além disso, é preciso assimilar a definição dada pela SPA1 para sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelhada:
- Sorteio: “é uma modalidade de promoção comercial, na qual são emitidos, em séries de no máximo 100 mil números, elementos sorteáveis numerados, distribuídos de forma concomitante, aleatória e equitativa, cujos contemplados são definidos com base em resultados dos sorteios da Loteria Federal. Os elementos sorteáveis devem ser distribuídos exclusivamente nos estabelecimentos das empresas autorizadas, sendo vedada a sua distribuição em logradouros e vias públicas.”;
- Vale-brinde: “é uma modalidade de promoção comercial na qual a forma de premiação é imediata, em que o brinde é colocado no interior do produto ou dentro do respectivo envoltório, atendidas normas prescritas por órgãos de saúde pública e de controle de pesos e medidas, e mediante adoção de mecânica com previsão de quantidade fixa de prêmios, limitadas a determinado nível de estoque do produto. Se for impraticável esse modo de atuação, admite-se a utilização de elementos contendo dizeres ou símbolos identificadores do vale-brinde correspondente, que pode ser trocado pelo prêmio nos postos de troca.”;
- Concursos: “é uma modalidade de promoção comercial mediante concurso de previsões, cálculos, testes de inteligência, seleção de predicados, mecânicas com previsão de premiação aos primeiros consumidores a cumprir o critério de participação, limitadas a estoque do produto ou competição de natureza variada.”; e
- Operação assemelhada: “é a modalidade de promoção comercial concebida a partir da combinação de fatores específicos das modalidades sorteio, vale-brinde ou concurso, preservando-se as respectivas características básicas, como meio de habilitar concorrentes e apurar ganhadores”.
A partir dessas definições, é necessário que sua empresa – em conjunto com o time comercial e jurídico – determine especificamente qual a categoria da promoção comercial a ser realizada, a fim de possibilitar a análise dos impactos à atividade, bem como as eventuais alterações necessárias para que a Lei dos Sorteios não seja aplicada ao modelo de negócios.
Isso pois, como citado anteriormente, o modelo de negócios de sua empresa poderá ser afetado a depender do objetivo final dos sorteios ou concursos a serem realizados ou dos vale-brindes a serem distribuídos. Para isso, é necessário responder às seguintes indagações: o objetivo é de promoção comercial ou cultural? é gratuito ou oneroso? é realizado por pessoa jurídica de direito privado ou público?
Ao responder tais questionamentos, será possível alterar suficientemente a estratégia da empresa para que a atividade a ser realizada seja: (i) regulada pela Lei dos Sorteios; (ii) uma exceção à Lei; ou (iii) não possua indicativos suficientes para que seja necessária qualquer das burocracias exigidas pela Lei.
Obtenção das autorizações exigidas pela Lei dos Sorteios
Por fim, caso o interesse de sua empresa seja a de realização de promoção comercial com distribuição gratuita de prêmios nos moldes da Lei dos Sorteios, a SPA2 esclarece diversas questões relevantes sobre o funcionamento dessas campanhas publicitárias.
Para isso, o processo de autorização, aditamento e prestação de contas das promoções comerciais são integralmente realizadas de forma digital pelo Sistema de Controle de Promoção Comercial (SCPC) por meio do preenchimento de formulários e pagamento de taxas.
Vale salientar que os pedidos de autorização não são gerais; ou seja, eles são necessariamente vinculados a cada campanha promocional realizada pela sua empresa. Desse modo, caso o interesse seja de realizar diversas campanhas promocionais, seria também necessário solicitar reiteradas vezes a autorização do órgão fiscalizador competente.
Além disso, há a exigência de submissão do pedido mediante protocolo de processo de autorização com 40 a 120 dias de antecedência ao início da promoção, consoante a Portaria SEAE/ME 7.638/2022, possibilitando o engessamento do modelo de negócios de sua empresa.
Outrossim, informa-se que, para submissão das campanhas, é necessário o pagamento de uma taxa de fiscalização fixada com base no valor das premiações entregues, com o valor variando entre R$ 27,00 e R$ 66.667,00. Tal fator, naturalmente, tende a encarecer as operações de promoção comercial, uma vez que exige o pagamento repetido das taxas para que as campanhas sejam realizadas licitamente.
Conclusão
Por meio do estudo realizado, conclui-se que a Lei dos Sorteios poderá afetar de diversas formas diferentes a sua empresa ou seu modelo de negócio, a depender dos interesses e objetivos visados. Porém, considerando o texto da Lei, é possível entender os caminhos a serem trilhados para a devida legalização das campanhas comerciais a serem realizadas.
Nesse sentido, consultar um profissional de sua confiança e seguir os preceitos legais são passos essenciais para a apropriada legalização das atividades promocionais. Caso tenha interesse em receber maiores informações e publicações relacionadas aos direitos empresariais, fique conectado no site e nas redes sociais da Caputo Duarte Advogados.
*Gabriel Neves – Estagiário no Escritório Caputo Duarte Advogados. Graduando em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel); Membro do grupo de pesquisa “O Direito Privado na Contemporaneidade” da UFPel; Atuação em projetos de escrita científica com foco em direito digital, empresarial e contratual; Estágio nos setores Trabalhista, Startups, e Empresarial; Estágio na Caputo Duarte Advogados, assessoria empresarial especializada em startups e empresas de base tecnológica.
Referências
1Secretaria de Prêmios e Apostas – SPA, Ministério da Fazenda. Promoções comerciais – Perguntas frequentes. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/composicao/orgaos/secretaria-de-premios-e-apostas/faq/promocao-comercial. Acesso em: 25 ago. 2024.
2Secretaria de Prêmios e Apostas – SPA, Ministério da Fazenda. Promoções comerciais – Perguntas frequentes. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/composicao/orgaos/secretaria-de-premios-e-apostas/faq/promocao-comercial. Acesso em: 25 ago. 2024.