As tendências e cuidados em relação ao crescimento das Govtechs no Brasil

Sumário

Nathally Taylor Reis*

 

É situado num cenário de acelerado crescimento de startups no Brasil – influenciando tanto o setor privado quanto as soluções públicas -, que surgem as GovTechs, caracterizadas por serem empresas que “unem soluções tecnológicas a serviço de interesse público para impactar políticas públicas.”1

Nesse contexto, as govtechs, startups que oferecem soluções tecnológicas para melhorar e contribuir com a gestão pública, apresentam fortes chances de crescimento, tendo em vista que oferecem serviços inovadores para o constante aprimoramento da administração pública no Brasil. Todavia, ainda enfrentam obstáculos como a burocracia governamental e a falta de maturidade em termos de governança corporativa. Isso é o que demonstra o relatório “A Importância das Startups nas Cadeias de Produção — Edição Govtechs”, elaborado pela Deloitte, maior organização de serviços profissionais do mundo, em conjunto com a  Abstartups (Associação Brasileira de Startups).2

A título exemplificativo, a fim de demonstrar o crescimento dos investimentos em govtechs no Brasil, foi divulgado, recentemente, que a empresa Aprova Digital captou US$ 4 milhões na maior rodada em govtechs da América Latina.3

Em entrevista concedida ao jornal Economia SC, Marco Antonio Zanatta, fundador e CEO da Aprova Digital, afirma que: “Viramos uma chave que nos coloca na vanguarda de um mercado tão promissor quanto carente de tecnologia”4. Sendo assim, resta demonstrada a existência de uma brecha para o crescimento de govtechs no Brasil. 

O relatório da Deloitte e a Abstartups (Associação Brasileira de Startups) demonstra ainda que o Brasil aparece, atualmente, na 7ª posição global no índice de transformação digital no setor público — sendo os primeiros colocados: Coréia do Sul, Estônia, França, Dinamarca, Áustria e Reino Unido. O dado é do Índice de Maturidade das Govtechs de 2020, divulgado pelo Banco Mundial.5

Segundo um estudo do BrazilLab em parceria com o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF – Corporación Andina de Fomento), denominado “As startups Govtech e o futuro do governo no Brasil”, revelou-se que “o Brasil é o país da América Latina com o maior número de startups govtech vendendo para o governo”.6 Paradoxalmente, o mesmo relatório evidencia que esse é um mercado ainda subutilizado.

Atualmente, apenas 80 govtechs brasileiras vendem de maneira consistente para governos ou atuam em parcerias com o setor público de forma recorrente. Essa realidade surpreende, quando se verifica que, das 13 mil startups existentes no país, até 1.500 teriam potencial para atuação no mercado Business to Government (B2G)7, caso desejassem ofertar suas soluções tecnológicas para os governos.8

Considerando o crescimento observado, acompanhado da subutilização deste mercado, é necessário analisar quais são as saídas para o aumento do aproveitamento deste modelo de negócios e a relevância dele no cenário brasileiro.

É importante que o governo esteja atento para a utilização de plataformas tecnológicas como ferramentas para otimização da gestão pública, tendo em vista que o principal meio para se atingir a eficiência é inovar e simplificar as funções administrativas. Embora a burocracia e os processos façam parte da realidade no setor público, não devem ser vistos como entraves pura e simplesmente negativos, mas sim como formalidades essenciais para a correta e responsável administração da coisa pública, em benefício de toda a coletividade. Nesse ponto, as govtechs podem exercer importante papel de não apenas minorar formalidades que se apresentem inócuas, como aumentar a racionalidade no uso dos recursos públicos e a transparência na relação entre o Poder Público e a população. 

Neste sentido, soluções devem ser buscadas para aproveitar a tecnologia da informação de forma a desenvolver processos de maneira mais ágil e eficiente. Como exemplo, podem ser citados: a digitalização de documentos, a visão ampla dos processos e a organização dos setores são maneiras úteis de coletar e analisar dados. Com isso, a tecnologia pode ser utilizada como aliada para melhoria dos serviços públicos e aumento da satisfação da população. 

Além disso, ao ter uma visão ampla do que está acontecendo, podemos identificar maneiras de economizar recursos públicos, bem como tempo. Isso porque pode ser possível, dessa maneira, determinar exatamente quais ações são necessárias para aprimorar a eficiência da gestão pública.

A tecnologia da informação pode ser uma aliada muito valiosa para o governo, principalmente se for usada de forma estratégica, podendo ser citados os seguintes benefícios para aprimoramento  das atividades administrativas: i) Simplificação de processos: A digitalização de documentos e o uso de plataformas eletrônicas para a realização de trâmites e processos administrativos podem simplificar muito o trabalho dos gestores públicos, diminuindo a dependência de papel e tornando os processos mais rápidos e eficazes; ii) Visão ampla dos processos: O uso de sistemas de informação e de análise de dados pode ajudar os gestores a terem uma visão mais aberta e completa dos processos e dos problemas enfrentados, o que pode facilitar a tomada de decisões e a identificação de oportunidades de melhoria; iii) Maior transparência: A tecnologia também pode aumentar a transparência com o público, pois permite que informações importantes sejam disponibilizadas de forma mais rápida e acessível a qualquer  cidadão interessado; e iv) Economia de recursos: Por fim, a tecnologia pode ajudar os governos a economizar recursos, tanto financeiros quanto humanos, ao automatizar tarefas repetitivas e simplificar os procedimentos.

É importante que os governos estejam abertos à inovação e prontos para aproveitar as oportunidades que a tecnologia oferece, mas é também necessário ter cuidado para não cair em armadilhas, como a dependência excessiva de tecnologias complexas ou a falta de consideração pelos impactos sociais e ambientais de sua utilização.

Uma das principais barreiras para o desenvolvimento deste modelo de negócios no Brasil é a legislação; Todavia existe um processo de aprimoramento para maior regulamentação das leis acerca das transformações digitais na administração pública.

Por enquanto, há três leis em vigor: a Lei do Governo Digital (Lei nº 14.129, de 29 de março de 2021), a Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021) e o Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182, de 1º de junho de 2021). Essas leis tornam o ambiente regulatório favorável à contratação de inovação pelo Poder Público, reforçando a crença de que neste ano o desdobramento destes pontos será ainda mais positivo. Essas leis também estão quebrando barreiras legislativas no campo das govtechs no Brasil. 

As leis mencionadas conferem maior segurança aos gestores públicos que possuem interesse em incluir procedimentos inovadores no dia a dia, mas que, sem legislação amparando, poderiam se abrir a eventual sanção disciplinar. 

A legislação existe para superar o que é conhecido como “Direito Administrativo do Medo” e “Teoria do apagão das canetas”, ou seja, quando a atuação da administração se dá em decorrência de um “controle externo disfuncional”. Sendo a segunda, ainda, consequência prática do direito administrativo do medo, dado que, em razão do cenário de insegurança presente, faz com que o agente público não decida.9

Como já foi mencionado, o relatório da Deloitte e Abstartups cita dois principais obstáculos para que startups possam ampliar a sua oferta de serviços para a iniciativa pública: o primeiro é o processo burocrático de contratação de serviços com os governos municipais, estaduais e federal; e o segundo é o nível de maturidade de governança corporativa nas startups.

Nesse sentido, o relatório menciona uma recomendação para resolução destas barreiras: “Uma proposta para a solução desses obstáculos, e que representa uma oportunidade para as govtechs, é o trabalho conjunto com empresas públicas de tecnologia da informação e processamento de dados (como Serpro e Dataprev), uma vez que é realizado em um modelo de contratação de serviços mais simplificado”.10

O relatório aponta ainda que a inteligência artificial e a segurança digital são as principais tendências tecnológicas no ecossistema das govtechs para este ano. É esperado um crescimento relevante de serviços e soluções para melhorar a capacidade e qualidade no atendimento do Poder Público como cliente, aprimorando a experiência tanto do usuário do serviço público quanto do servidor.11

As govtechs também podem oferecer soluções para questões ambientais, sociais e de governança (ESG)12 e apoiar ideias de descentralização e acesso a dados públicos e sociais (Open Government Partnership – OGP)13. As tendências tecnológicas importantes no ecossistema Govtech incluem a inteligência artificial e a segurança digital, e também é esperado um crescimento de serviços e soluções para melhorar a qualidade no atendimento ao cliente, ponto fundamental para garantir a satisfação dos cidadãos e aprimorar a experiência do usuário dos serviços públicos impactados pelas contribuições das govtechs.

Luiz Othero, diretor executivo da Abstartups, afirma que: “Algo que pode revolucionar a forma com que as startups se relacionam com o governo é o Open Government, que, com descentralização e maior facilidade de acesso aos dados públicos e sociais, viabilizará o surgimento de muita inovação neste segmento”.14

Isso demonstra que a inteligência artificial e a segurança digital são tendências importantes no ecossistema Govtech. A inteligência artificial pode ser usada para automatizar tarefas repetitivas e tomar decisões mais precisas, melhorando a eficiência dos serviços públicos. A segurança digital, por sua vez, é fundamental para garantir a proteção de dados sensíveis e garantir a confiança dos cidadãos nos serviços eletrônicos oferecidos pelo governo. 

Se você deseja saber mais sobre o assunto, sugerimos que leia outros artigos acerca do tema, disponíveis no site do nosso escritório, Caputo Advogados. Eles poderão auxiliar na compreensão e fornecer informações mais detalhadas. Ainda, caso queira tomar uma decisão informada e com embasamento jurídico, entre em contato conosco através dos meios de comunicação disponíveis. Até a próxima!

 


1 HUERTAS, Carolina. FARIAS, Taís. GovTech: como a tecnologia impulsiona a gestão pública?. Meio&Mensagem, 2022. Disponível em: https://www.meioemensagem.com.br/proxxima/govtech-como-a-tecnologia-impulsiona-a-gestao-publica. Acesso em: 04 de janeiro de 2023.

2 TIINSIDE, Redação. Com oportunidades para crescer, govtechs esbarram na burocracia pública e na maturidade de governança, mostra estudo. Tiinside, 2023. Disponível em: https://tiinside.com.br/03/01/2023/com-oportunidades-para-crescer-govtechs-esbarram-na-burocracia-publica-e-na-maturidade-de-governanca-mostra-estudo/?amp. Acesso em: 04 de janeiro de 2023.

3 ECONOMIA SC, Redação. Aprova Digital capta US$ 4 milhões na maior rodada em govtechs da América Latina. Economia SC, 2022. Disponível em: https://economiasc.com/2022/12/19/aprova-digital-capta-us-4-milhoes-na-maior-rodada-em-govtechs-da-america-latina/. Acesso em: 05 de janeiro de 2023.

4 ECONOMIA SC, Redação. Ibid.

5 REVISTA PEGN, Redação. Relatório aponta espaço para crescimento de govtechs no Brasil. Revista Pequenas e Empresas Grande Negócios, 2023. Disponível em: https://revistapegn.globo.com/startups/noticia/2023/01/relatorio-aponta-espaco-para-crescimento-de-govtechs-no-brasil.ghtml. Acesso em: 05 de janeiro de 2023.

6 BÚSSOLA. Prevendo valuation trilionário, 2023 deve ser o ano das govtechs. Exame, 2023. Disponível em: https://exame.com/bussola/prevendo-valuation-trilionario-2023-deve-ser-o-ano-das-govtechs/. Acesso em: 06 de janeiro de 2023.

7 B2G é a sigla para Business to Government, termo em Inglês que significa “Negócios Para o Governo”. Ou seja, este é o nome dado ao comércio feito por empresas privadas para instituições governamentais nas esferas municipal, estadual e federal. MORAES, Tiago. B2G: o que é Business to Government?. Agência E-plus, 2022. Disponível em: https://www.agenciaeplus.com.br/b2g-o-que-e-business-to-government/. Acesso em: 06 de janeiro de 2023.

8 BÚSSOLA. Ibid. Acesso em: 06 de janeiro de 2023.

9 PGE. O que é direito administrativo do medo e a teoria do apagão das canetas?. Revisão PGE, 2022. Disponível em: https://revisaopge.com.br/o-que-e-direito-administrativo-do-medo-e-a-teoria-do-apagao-das-canetas/. Acesso em: 07 de janeiro de 2022.

10 BÚSSOLA. Op. Cit. Acesso em: 06 de janeiro de 2023.

11 BÚSSOLA. Op. Cit. Acesso em: 06 de janeiro de 2023.

12 ESG é uma sigla em inglês para “environmental, social and governance” (ambiental, social e governança, em português). Geralmente, ela é usada para se referir às práticas ambientais, sociais e de governança de uma empresa. Na prática, o termo ESG pode ser usado para dizer o quanto um negócio busca formas de minimizar seus impactos no meio ambiente, construir um mundo mais justo e responsável para as pessoas em seu entorno, além de manter os melhores processos de administração. ACSP, Redação. ESG: o que significa e qual é a importância desse conceito?. ACSP, 2022. Disponível em: https://acsp.com.br/publicacao/s/esg-o-que-significa-e-qual-e-a-importancia-desse-conceito. Acesso em: 06 de janeiro de 2023.

13 A Parceria para Governo Aberto ou OGP (do inglês Open Government Partnership) é uma iniciativa internacional que pretende difundir e incentivar globalmente práticas governamentais relacionadas à transparência dos governos, ao acesso à informação pública e à participação social. CGU. O que é a iniciativa. Gov.br, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/governo-aberto/a-ogp/o-que-e-a-iniciativa. Acesso em: 06 de janeiro de 2023.

14 BÚSSOLA. Op. Cit. Acesso em: 06 de janeiro de 2023.


 

*Nathally Taylor Reis, Estudante da Escola de Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) e bolsista de Iniciação Científica no Tecnopuc Startups, com atuação em projetos como o Startup Garage, no desenvolvimento do programa e na mentoria de startups, e no TecnopucLaw, iniciativa da escola de Direito para auxílio às empreendedores do Tecnopuc nas suas questões jurídicas. Atualmente, estagiária no Caputo Advogados Associados, assessoria empresarial especializada em startups e estúdios de games.

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