Adrielle Mont Serrat Bertolino*
O QUE SÃO ESSES DIREITOS E A QUAL ESTRUTURA SOCIETÁRIA ELES SE APLICAM?
Os direitos de veto e de voto afirmativo nada mais são do que prerrogativas conferidas aos sócios de uma determinada sociedade que lhes permitem manifestar a sua vontade em deliberações relacionadas às atividades daquela companhia.
Estes direitos estão presentes tanto nas Sociedades Limitadas, quando regidas supletivamente pela Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76), quanto nas próprias Sociedades Anônimas. No caso da primeira, o veto e o voto afirmativo são exercidos no âmbito das Reuniões/Assembléias de Sócios e no da segunda, na ocorrência das Assembléias Gerais Ordinárias (AGO) ou Extraordinárias (AGE).
São ferramentas muito importantes justamente para conferir maior proteção à companhia e assegurar que a tomada de decisões seja realizada no sentido do melhor interesse das suas operações, e não com o fim de atender a objetivos específicos de determinados sócios.
As principais discussões doutrinárias paralelamente ao tema versam sobre a anulabilidade de votos considerados abusivos ou conflitantes, uma vez que, de acordo com o artigo 115 da LSA1, será considerado abusivo o voto que possua como fim causar dano à companhia em detrimento de benefícios ao sócio votante, afetando diretamente o interesse social da empresa e a sua longevidade.
DIREITO DE VETO
O direito de veto consiste no poder de obstar a aprovação de determinadas matérias preestabelecidas. Na maioria dos casos, é conferido ao(s) sócio(s) minoritários, com o objetivo de manter sob seu controle temas que para ele sejam relevantes, conferindo-lhes voz na hora da tomada de decisões mesmo diante de sócios com maior capital votante (sócios majoritários).
Cabe destacar que, considerando a necessidade de uma manifestação expressa do titular deste direito para fins de seu efetivo exercício, seu eventual silêncio ou ausência na reunião/assembleia poderá ser interpretado como uma concordância tácita. Tendo isto em mente, é extremamente importante a redação de um acordo de sócios/acionistas bem detalhado e que regule especificamente a matéria para que a funcionalidade deste recurso seja otimizada e atenda aos fins precípuos de seus integrantes.
Muito utilizado também nas sociedades anônimas, o direito de veto confere a sócios minoritários o poder de impedir que decisões específicas sejam tomadas pelos sócios majoritários na administração do negócio, de acordo com os termos estabelecidos no Estatuto ou Contrato Social2, servindo como importante instrumento de equilíbrio de forças políticas dentro da corporação.
VOTO AFIRMATIVO
Por sua vez, o voto afirmativo consiste na imprescindibilidade da concordância daquele que detém este poder para que a matéria em pauta seja aprovada, ou seja, deve-se obter a anuência expressa do sócio que possui tal poder para que uma deliberação favorável à aprovação de determinada matéria possa prosperar.
De maneira antagônica ao veto, o silêncio de um sócio que possui o direito de voto afirmativo não constitui a aprovação da deliberação; com isso, é necessária a expressa manifestação do sócio no sentido de sua concordância.
Comumente este direito é atribuído a investidores no âmbito de contratos de investimentos como um mecanismo para resguardar seus interesses, por exemplo, como o da venda futura de sua participação na companhia.
Mister salientar que não podem ser objeto de quaisquer deliberações o impedimento da venda de ações/quotas de determinado sócio, visto que estariam descumprindo o disposto no artigo 36 da Lei das SA e no artigo 1.029 do Código Civil.
“ Art. 36. O estatuto da companhia fechada pode impor limitações à circulação das ações nominativas, contanto que regule minuciosamente tais limitações e não impeça a negociação, nem sujeite o acionista ao arbítrio dos órgãos de administração da companhia ou da maioria dos acionistas.
Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.”
ACORDO DE SÓCIOS OU ACIONISTAS
Segundo Ascarelli3, caracterizados como pactos parassociais plurilaterais, os acordos de sócios, no caso das Sociedades Limitadas, ou acordos de acionistas, no caso das Sociedades Anônimas, são os instrumentos mais adequados para a presença das regulações que versam sobre os direitos de veto e voto afirmativo. Isto porque, o Contrato ou Estatuto Social das empresas possui a obrigatoriedade, segundo o artigo 1.150 e seguintes do Código de Civil de 2002, de serem levados a registro no Registro Público de Empresas Mercantis – para as sociedades empresárias – ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas – para as sociedades simples – com o fim de constituição da sua personalidade jurídica e, consequentemente, a permissão para o início das atividades empresariais.
A não obrigatoriedade de arquivamento nos órgãos públicos dos acordos de sócios e de acionistas confere maior proteção e privacidade às negociações, evitando que a companhia esteja demasiadamente exposta ou até mesmo que alguma de suas operações sejam prejudicadas pela publicização de alguma regulação do dispositivo.
Em que pese os quóruns previstos pela lei, é possível — e bastante comum — que o estatuto social e o acordo de acionistas estabeleçam quóruns superiores de aprovação para as mais diversas matérias, de modo a acomodar as diferentes preocupações e/ou necessidades dos sócios caso a caso.4
A principal diferença dos acordos de sócios para os acordos de acionistas é o requisito a ser atendido para sua eficácia e oponibilidade. De acordo com o disposto no artigo 118, da LSA:
“Art. 118. Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)
- 1º As obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros, depois de averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos.”
Sendo assim, no caso das sociedades anônimas, a não observância do arquivamento do acordo na sede da companhia e nos livros de registro gera a completa ineficácia da oponibilidade de suas disposições — definidos também como efeitos reflexos — em relação a outros acionistas que não assinaram o respectivo documento.
Dessa forma, resta evidente a importância da elaboração cuidadosa destes acordos, pois eles norteiam todos os mecanismos de tomadas de decisão, bem como quais aspectos devem ser observados na deliberação de assuntos específicos, de maior importância à empresa. Assim como cada sociedade empresária é singular, também são os seus instrumentos, sendo crucial que eles estejam espelhando fielmente os interesses e o caminho que a companhia deseja seguir.
COMO OS INVESTIDORES PODEM UTILIZAR O DIREITO DE VETO OU VOTO AFIRMATIVO EM CONTRATOS DE INVESTIMENTO?
Estes direitos já abordados acima conferem maior proteção aos investidores, visto que lhes outorga a prerrogativa de opinar em matérias estratégicas, como: i) limites para contratação de crédito; ii) cessão da propriedade intelectual produzida pela companhia; iii) alterações no objeto social da sociedade que possam prejudicar a segurança do seu investimento, entre outras.
Entretanto, deve-se atentar para que, na confecção dos acordos de sócios/acionistas não haja configurada a atuação do investidor de maneira gerencial, pois isto caracterizaria direta infração à regulação disposta no artigo 2º do Marco Legal das Startups:
“Art. 2º Para os efeitos desta Lei Complementar, considera-se:
I – investidor-anjo: investidor que não é considerado sócio nem tem qualquer direito a gerência ou a voto na administração da empresa, não responde por qualquer obrigação da empresa e é remunerado por seus aportes;”
Caso você, leitor, esteja interessado em constituir ou adentrar em uma sociedade limitada ou anônima, bem como realizar aportes em sociedades como investidor-anjo, é imprescindível estar plenamente ciente de seus direitos, obrigações e prerrogativas inerentes a esta relação societária, sendo igualmente essencial poder contar com suporte jurídico especializado.
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1 Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas. Lei n. 6404, 15 de dezembro de 1976.
2 PUGA, Bruna. 7 cláusulas indispensáveis para proteção do sócio minoritário. JUSBRASIL. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/7-clausulas-indispensaveis-para-protecao-do-socio-minoritario/795757386#:~:text=J%C3%A1%20o%20direito%20de%20veto,nos%20Estatuto%20ou%20Contrato%20Social. Acesso em 07 de junho de 2023.
3 LUCENA, José Waldecy. DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS, COMENTÁRIOS À LEI. Volume I, artigos 1º a 120. pág. 1.131. Editora Renovar.
4 Fleck, Érika Aguiar Carvalho. Entendendo o acordo de acionistas: direitos de voto. Legislação e Mercados. Disponível em: https://legislacaoemercados.capitalaberto.com.br/entendendo-o-acordo-de-acionistas-direitos-de-voto/. Acesso em 07 de junho de 2023.
*Adrielle Mont Serrat Bertolino, graduanda em Direito pela Universidade Anhanguera; Integrante do Grupo de Estudos em Direito Empresarial (GEDEMP) e estagiária do Caputo Advogados Associados, assessoria empresarial especializada em Startups, Studios de Games e Empresas de Base Tecnológica.