Dress code na Empresa: Entendendo os Limites Legais

Sumário

Por Ana Laura Finati Alves*

 

 

 

Introdução

A utilização do dress code nas empresas apresenta-se como uma temática de notória complexidade e crescente relevância nas relações de trabalho. As recentes transformações nas práticas empresariais, impulsionadas pela digitalização e ascensão das mídias sociais, têm levado as organizações a adotarem políticas de dress code como parte de suas estratégias de marca e comunicação institucional.

Nesse contexto, observa-se uma tendência de as empresas buscarem “humanizar” suas marcas por meio da exposição de seus colaboradores, seja em campanhas publicitárias, seja em conteúdos institucionais diversos da rotina de trabalho dos colaboradores. Essa conjuntura reflete uma mudança significativa na forma como as organizações percebem e gerenciam a imagem de seus funcionários, em um esforço para estreitar o vínculo entre a marca corporativa e a identidade visual de seus funcionários.

As políticas de dress code servem como uma ferramenta de alinhamento visual entre a empresa e seus profissionais, reforçando a identidade organizacional e transmitindo determinados valores e atributos da marca para o público externo.

Essa circunstância complexa suscita a premente necessidade de uma análise dos requisitos procedimentais que devem nortear a adoção dessas políticas no ambiente corporativo. Questões como a privacidade do empregado, a liberdade de expressão, a igualdade de oportunidades e a proporcionalidade das medidas adotadas se destacam nesse cenário, exigindo uma abordagem cuidadosa e fundamentada no ordenamento jurídico.

Nesse sentido, o presente artigo propõe-se a examinar os requisitos de validade e eficácia que permeiam a implementação de políticas de dress code pelas empresas, visando a compreensão dos limites legais e a adoção das melhores práticas na materialização desse artifício empresarial.

 

Direito de imagem no Direito do Trabalho

O direito à imagem, tema esse abordado com maiores detalhes em artigo específico em nosso blog, foi consagrado como garantia fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, isso significa que se fundamenta na Constituição Federal de 1988 (CF/88), especificamente em seu artigo 5º, inciso X. Este artigo da CF/88 estabelece a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação

Esta proteção constitucional reveste-se de particular importância no contexto das relações trabalhistas, em que os magistrados entendem que a subordinação jurídica – que é inerente ao vínculo empregatício – pode criar situações de vulnerabilidade para o trabalhador.

O jurista Maurício Godinho Delgado, preconiza que o direito à imagem transcende a mera representação física do indivíduo, abrangendo toda a projeção de sua persona social e profissional no contexto laboral. Esta concepção ampliada do direito à imagem compreende não apenas os aspectos fisionômicos do trabalhador, mas também sua reputação profissional, seu posicionamento no ambiente corporativo e sua identidade laboral construída ao longo de sua trajetória profissional.

Nesta perspectiva, a imagem do empregado constitui-se como bem jurídico autônomo, dotado de características próprias e merecedor de tutela específica pelo ordenamento jurídico. Esta proteção deve ser compreendida e aplicada considerando as peculiaridades da relação de trabalho, onde os limites entre o exercício legítimo do poder diretivo empresarial e a preservação dos direitos fundamentais do trabalhador nem sempre se apresentam de forma clara e inequívoca.

A jurisprudência trabalhista, portanto, estabeleceu parâmetros interpretativos que buscam harmonizar os interesses de ambas as partes dessa relação, esses que serão objeto da presente análise.

 

Do dress code e da aparência

Para efeito, no Direito do Trabalho, o dress code representa o aglomerado de regras norteadoras de como o empregado deve se portar e se vestir, considerando as circunstâncias dentro do local de emprego, ou até mesmo fora, a depender do contexto fático da relação. Essas normas poderão ser impostas por diversas razões, dada a própria natureza da prestação de serviços, pela imposição de normativas profissionais externas ou a simples vontade do empregador em exigir tal etiqueta do empregado.1

Ou seja, a depender da profissão exercida pelo empregado, tais regras podem advir do próprio órgão regulamentador da profissão – como, por exemplo, advogados, médicos, engenheiros, etc. – que cobram uma conduta esperada quanto à vestimenta, decoro e segurança.

Em suma, esse conjunto de normativas é considerado um artefato de  natureza simbólica e pode ser composto por roupas (vestidos, blusas, ternos, etc.), acessórios (crachá, colares, relógios, brincos, maquiagem, etc.), bem como o próprio comportamento adequado para o local de trabalho. O dress code, neste sentido, é um  instrumento de gestão que o empregador pode usar na rotina da sua empresa.2 Nesta perspectiva, será imperioso que se ressalte de que forma a legislação laboral contemporânea entende e enfrenta esse tipo de regulamento interno. 

 

Das diretrizes legais

Ao se falar de regras na organização interna da empresa, tem-se como pilar o poder diretivo do empregador, fundamentado no artigo 2º da CLT. Esse artigo trabalhista confere ao empregador a prerrogativa de organizar, controlar, regulamentar e fiscalizar as atividades de seus empregados

Contudo, é imperioso salientar que tal poder não pode se revestir de caráter absoluto, encontrando limitações no liame da Constituição Federal; na legislação vigente; nos acordos e nas convenções coletivas de trabalho, assim como nos princípios basilares da lealdade e da boa-fé nas relações.3

De acordo com a doutrina juslaboral, a expressão da autoridade diretiva manifesta-se por meio de uma tríade de competências4

 

  • Poder organizacional: que confere ao empregador a faculdade de configurar sua empreitada comercial, estabelecendo parâmetros como a natureza jurídica do empreendimento, arraigado no contingente laboral e suas respectivas atribuições; 
  • Poder disciplinar: que investe o empregador da capacidade de aplicar medidas punitivas aos seus subordinados; 
  • Poder de controle: que possibilita ao empregador supervisionar o desempenho profissional de seus funcionários.

 

Para equilibrar as relações trabalhistas, diante da hierarquia patronal, os princípios gerais do Direito atuam avidamente, principalmente o princípio da razoabilidade, que dispõe que as condutas humanas devem ser avaliadas segundo critérios associativos de verossimilhança, sensatez e ponderação, isto é, sensatez, prudência, ponderação. 5

Além do exposto, o princípio da boa-fé atua como norteador da celebração e execução dos contratos — inclusive os contratos de trabalho —, conforme o art. 113 do Código Civil. Isso fica ainda mais cristalino ao se identificar que a inobservância da boa-fé, por qualquer das partes, pode implicar na extinção do contrato, sendo pelo empregador — resultando na rescisão indireta do contrato de trabalho, por exemplo —, seja por parte do empregado — ensejando em rescisão por justa causa.6 Este princípio objetiva, principalmente, coibir a ocorrência de situações que, à luz do bom senso e da equidade, seriam consideradas inadmissíveis no contexto laboral e social, sendo utilizado de forma casuística pelos julgadores em suas decisões.

Compreendendo, dessa forma, as prerrogativas do empregador e as condutas esperadas do empregado —  especialmente no que tange à subordinação —, é importante refletirmos em como isso se aplica na implementação de regras internas, utilizando-se do poder organizacional inserido no poder diretivo de forma adequada, evitando, assim, discussões acerca de violações de direitos ou abuso de poderes.

Para tanto, o precedente normativo n.º 115 do TST é o que mais merece atenção quando o assunto é dress code, isso porque ele determina expressamente que o fornecimento de uniformes deve ser gratuito, caso o seu uso seja mandatório pela empresa. Portanto, o uso desta uniformização é possível e exigível, mas sempre tendo em vista a responsabilidade auferida ao patrão no que concerne ao seu fornecimento.

Ainda, como se denota da ementa de uma decisão tomada pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, é dever da empresa arcar com todos os custos decorrentes do exercício do empreendimento7

 

(…)1. É certo que o empregador, por força de seu poder diretivo, pode definir o padrão de vestimenta a ser adotado pelos empregados no ambiente laboral. 2. Contudo, se é exigida a utilização de peças específicas para a prestação de serviços – o que caracteriza o uso de uniforme -, as mesmas devem ser fornecidas gratuitamente ao empregado, que não pode ser responsabilizado pelos custos do trabalho prestado. (…) 4. Assim, sob pena de ofensa ao art. 2º da CLT – e também de inobservância ao princípio da irredutibilidade salarial -, é inviável exigir que o trabalhador disponha de parte dos seus ganhos para custear o uniforme exigido pelo empregador. (…) 8. Tal conclusão não é alterada pela possibilidade de utilização de tais peças fora do ambiente laboral, sendo suficiente para fins de responsabilização da empregadora a circunstância de as mesmas serem necessárias para a prestação dos serviços. Recurso de embargos conhecido e provido.  

Contudo, ainda que o empregador custeie integralmente a vestimenta almejada para os seus funcionários, observa-se uma delimitação clara acerca do que se considera o exercício razoável do poder diretivo. Isso, pois, a depender da forma e objetivo da implementação, esta conduta pode transformar-se em meios de degradação da imagem do colaborador por imposição de conduta vexatória, configurando-se como dano moral. Extrai-se tal raciocínio do próprio Tribunal Superior do Trabalho, o qual explicita que:

 

(…) O Empregador certamente, dentro do exercício razoável do seu Poder Diretivo, norteia a organização do trabalho e, nesse contexto está o uso de uniformes ou de um determinado tipo de roupas e/ou equipamentos de proteção. Contudo, a prática que se verificou foi o abuso do Poder Diretivo uma vez que o Réu, por meio de seus prepostos, comprovadamente assediou a Obreira para que servindo-se unicamente do seu corpo, sua beleza, seus trajes e adereços conquistasse mais clientes e, consequentemente, mais lucro. Ora, verifica-se uma enorme invasão de valores por parte do Demandado, afinal, propôs, ou melhor, impôs, de certa forma a mercantilização da honra da Obreira, visou transformar em cifras a maneira como ela era vista pelo sexo oposto, ou pelo mesmo sexo, se assim fosse o caso. Dessa forma, incorreu-se efetivamente em uma conduta extremamente machista, repugnante e inadequada, o que, certamente caracteriza o dano moral sofrido pela Parte-Autora (…).

 

Desta forma, em nova análise, é possível observar um preceito constitucional da proteção à honra (art. 5º, inciso X da CF), servindo como barreira protetora em relação aos abusos do poder diretivo e estipulando uma indenização a ser paga pela empresa. 

É necessário, portanto, que a empresa defina bem o que deseja incluir no seu dress code, fazendo uma análise e filtragem razoável do que seria aceitável e necessário, dentro do contexto da sua rotina, para atingir  o objetivo que almeja. Além disso, é necessário que esta observe as formas corretas de cobrança para tanto, não ultrapassando os limites traçados pelas normativas trabalhistas. Para isso, uma assessoria trabalhista é essencial ao auxiliar e guiar a jornada da empresa, de forma segura e centrada dentro das limitações legislativas impostas.

 

Conclusão

Com esta análise aprofundada da temática concernente ao uso e aplicação do dress code, resta evidenciada a complexidade e a multidimensionalidade deste instituto jurídico. A implementação de políticas e estratégias empresariais que envolvam a utilização da imagem dos colaboradores requer planejamento jurídico, contemplando não apenas os aspectos formais da confecção de regras internas, mas também suas implicações práticas no ambiente organizacional. A adoção de uma postura preventiva na gestão dos riscos jurídicos relacionados à utilização da imagem dos empregados mostra-se fundamental para a sustentabilidade das práticas empresariais. 

Este suporte técnico representa elemento crucial para o sucesso das iniciativas empresariais, devendo abranger desde a análise prévia dos instrumentos jurídicos até a adequação das políticas internas às peculiaridades do negócio, passando pela orientação quanto aos procedimentos e pelo acompanhamento da execução das políticas estabelecidas.

A imposição de normativas internas, quando realizada em observância aos parâmetros legais e com as devidas cautelas técnicas, pode constituir importante ferramenta de comunicação empresarial. Portanto, se a sua empresa necessita de orientação jurídica sobre a confecção, aplicação, cobrança de dress code ou quaisquer outras questões envolvendo o Direito do Trabalho, entre em contato conosco, estaremos prontos para lhe auxiliar.

Por fim, caso tenha interesse em receber maiores informações relacionadas a esse tipo de conteúdo, fique conectado no site e nas redes sociais da Caputo Duarte Advogados.

 

 

 


*Ana Laura Finati Alves – Estagiária no Escritório Caputo Duarte Advogados. Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel); Atuação em projetos de escrita científica com foco em direito trabalhista e empresarial; Estágio nos setores de Recurso Humanos e Trabalhista em escritório de Contabilidade; Estágio em escritório de advocacia nos setores Trabalhista e Empresarial; Estágio no Caputo Duarte Advogados, assessoria empresarial especializada em startups e empresas de base tecnológica.

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Referências

1PINHEIRO, Filipa Sofia Mateus. Uma perspectiva jurídica do dress code. Dissertação (Mestrado em Direito das Empresas). Lisboa: Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Escola de Ciências Sociais e Humanas, Departamento de Economia Política, 2012. Disponível em: https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/5443.pdf. Acesso em: 30 out. 2024.

2LIBRETTI, Alessandra dos Santos; AMORIM, Maria Cristina; MOREIRA, Rosana. Dress code: das considerações teóricas às práticas nas organizações. Revista Pensamento & Realidade, São Paulo, v. 33, n. 1, p. 2-18, jan./mar. 2018. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/pensamentorealidade/article/view/34004/26609. Acesso em: 31 out. 2024.

3MARTINS, Sergio P. Direito do trabalho. 40th ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2024. E-book. ISBN 9788553622627. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788553622627/. Acesso em: 11 out. 2024.

4SILVA, Leda Maria Messias da. Poder Diretivo do Empregador, Emprego Decente e Direitos da Personalidade. Revista Jurídica Cesumar, v.6, n. 1,  p. 267-281, 2006.

5DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001.

6Vide item 3.

7Embargos em Recurso de Revista n.º 813-50.2013.5.09.0663.

 

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