Guia da Legislação para Autorização de Dispositivos Médicos de Healthtechs junto à Anvisa

Sumário

Nathally Taylor Reis*

Rafael Duarte* 

 

A obtenção da autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para produzir hardwares ou softwares médicos (dispositivos médicos) no Brasil é um processo complexo e regulamentado.  

Em 2022, a Anvisa divulgou a documentação exigida para regulamentar esse processo através da Resolução – RDC 751/2022. Essa nova norma dispõe sobre a classificação de risco, os regimes de notificação e de registro, os requisitos de rotulagem e as instruções de uso de dispositivos médicos.1

Sendo assim, o presente artigo tem como objetivo trazer as principais alterações estabelecidas pela nova regulação, bem como facilitar ​​que as empresas de tecnologia na área da saúde (healthtechs) realizem, junto à Anvisa, todo o procedimento visando a receber a autorização para produzir hardware ou software médicos.

 

INTRODUÇÃO

A nova regulamentação (RDC 751/2022) apresenta o conjunto de regulamentações destinado a permitir que startups e empresas atuantes nos setores de saúde e tecnologia possam produzir, comercializar e utilizar dispositivos médicos no território brasileiro. Uma das principais alterações foi a atualização no que tange à nova Regulação, pois os regulamentos antigos tinham sido definidos antes da chegada de novas tecnologias, como softwares e aplicativos, sendo assim, era necessária essa atualização.

Foram incorporados, ainda, termos de acordos internacionais, como a Resolução Mercosul GMC nº 25/2021, às normas brasileiras. Além disso, é importante observar que a RDC 751/2022 revogou regulamentações anteriores, incluindo a RDC 185/2001, que, até então, era a principal normativa para aprovação de dispositivos médicos no Brasil.2

Até o advento da RDC 751/2022, tinha-se a certeza da necessidade de se reunir em uma única RDC as diretrizes relacionadas à notificação, registro e alterações de dispositivos médicos, com vistas a simplificar o processo para startups, empresas do setor de saúde, consultorias e outros envolvidos. Logo, com a regulamentação vigente, passa a ser possível a todos os players desse mercado consultarem os requisitos e procedimentos regulatórios em um único documento regulatório.

As atualizações entraram em vigor em 1º de março de 2023 e eram amplamente aguardadas pelo mercado, trazendo consigo significativas modificações em relação às normas anteriores, que abordaremos brevemente neste artigo 

 

CLASSIFICAÇÃO DO DISPOSITIVO MÉDICO

Primeiramente, faz-se importante classificar o dispositivo médico de acordo com a legislação, ou seja, com a nova RDC 751/2022 da Anvisa. O seu art. 4º traz algumas definições importantes para fins de entendimento da regulamentação, bem como do seu processo. Através desta classificação é possível determinar o risco e o tipo de autorização necessária para o processo respectivo.

Segundo a nova resolução, dispositivos médicos (produto médico) são “qualquer instrumento, aparelho, equipamento, implante, dispositivo médico para diagnóstico in vitro, software, material ou outro artigo, destinado pelo fabricante a ser usado, isolado ou conjuntamente, em seres humanos, para algum dos seguintes propósitos médicos específicos, e cuja principal ação pretendida não seja alcançada por meios farmacológicos, imunológicos ou metabólicos no corpo humano, mas que podem ser auxiliados na sua ação pretendida por tais meios:”3

  1. diagnóstico, prevenção, monitoramento, tratamento (ou alívio) de uma doença; 
  2. diagnóstico, monitoramento, tratamento ou reparação de uma lesão ou deficiência; 
  3. investigação, substituição, alteração da anatomia ou de um processo ou estado fisiológico ou patológico; 
  4. suporte ou manutenção da vida; 
  5. controle ou apoio à concepção; 
  6. fornecimento de informações por meio de exame in vitro de amostras provenientes do corpo humano, incluindo doações de órgãos e tecidos. 

 

Além desses, são considerados, dentro da definição, os equipamentos médicos usados para correção estética e embelezamento e os utilizados para limpeza, desinfecção e esterilização de outros dispositivos médicos. 

A legislação traz disposições necessárias e os procedimentos para a solicitação de notificação ou registro e a manutenção de Dispositivos Médicos. Conforme o seu art. 10, “o solicitante deve apresentar à Anvisa os documentos para notificação, registro, alteração, revalidação ou cancelamento de notificação ou registro do dispositivo médico, relacionados nesta Resolução.” 

Sendo assim, para que o dispositivo médico desenvolvido por sua healthtech esteja registrada na Anvisa, deve envolver a apresentação de documentos legais, de acordo com a RDC 751/2022.

 

CLASSES DOS  DISPOSITIVOS MÉDICOS

Outro ponto importante é a classificação de risco de Dispositivos Médicos, pois, dependendo da classificação do dispositivo médico, devem ser seguidos diferentes processos.

Conforme previsto no art. 5º da RDC, existem 4 (quatro) tipos de classes, que são: Classe I (baixo risco); Classe II (médio risco); Classe III (alto risco); e Classe IV (máximo risco).

Para cada enquadramento do dispositivo médico em uma destas classes, devem ser aplicadas as regras de classificação estabelecidas na Resolução. E, em caso de dúvida quanto à classificação resultante da aplicação das regras estabelecidas na Resolução, será atribuição da Anvisa o enquadramento do dispositivo médico.

  • Registro: Dispositivos de maior risco (Classes III e IV) requerem o registro na Anvisa. Isso envolve a apresentação de um dossiê técnico com informações detalhadas sobre o dispositivo. Mais informações sobre Dossiê Técnico a ser apresentado estão no Capítulo VII da RSC 751.
  • Notificação: Dispositivos de menor risco (Classe I e II) podem ser apenas notificados à Anvisa, que consiste num processo mais simples, envolvendo menos documentos.

 

O solicitante deve apresentar à Anvisa os documentos para notificação, registro, alteração, revalidação ou cancelamento de notificação ou registro do dispositivo médico, relacionados na Resolução.

Após, a Anvisa realizará uma avaliação técnica do dispositivo médico e da documentação apresentada. Isso pode levar algum tempo, conforme “prazos e condições legais previstos na legislação sanitária brasileira”4, podendo a agência, ainda, solicitar informações adicionais antes de dar o procedimento como devidamente concluído.

 

CERTIFICAÇÃO DE BOAS PRÁTICAS DE FABRICAÇÃO E MANUTENÇÃO DE CONFORMIDADE

Em complementação a todo o procedimento de notificação/registro, é exigido da empresa que siga as Boas Práticas de Fabricação para dispositivos médicos como condicionante para a preservação da autorização outorgada pela agência reguladora. Nesse sentido, cita-se o § 7º do art. 10, que dispõe que a manutenção da notificação e do registro fica vinculada ao cumprimento dos requisitos das Boas Práticas de Fabricação, bem como dos requisitos essenciais de segurança e desempenho e dos regulamentos específicos, quando existirem. Soma-se a isso o § 8º do art. 10, ao prever que o deferimento do registro fica condicionado à publicação do Certificado de Boas Práticas de Fabricação emitido pela Anvisa.

Após a aprovação, o dispositivo médico será incluído no banco de dados da Anvisa com a finalidade de ser comercializado legalmente no Brasil. A empresa deve manter a conformidade com as regulamentações da Anvisa, atualizando o registro, notificação e cumprindo todas as obrigações regulatórias.

Em caso de qualquer modificação efetuada pelo fabricante nas informações sobre o dispositivo médico que foram apresentadas na notificação ou no registro, tal fato deverá ser informado à Anvisa pelo responsável. Além disso, no caso de alterações de dispositivo médico que pressuponham de prévia aprovação da Anvisa, a sua comercialização no mercado só poderá se dar após a publicação da referida alteração no Diário Oficial da União e no site eletrônico da Anvisa.5

Sendo assim, a Anvisa exige que os fabricantes de dispositivos médicos monitorem e relatem eventos adversos e eventos de pós-mercado relacionados ao uso de seus produtos, de modo que o controle fiscalizatório exercido pela agência reguladora não fica restrita ao momento inicial de notificação e registro, e sim protrai-se por todo o tempo em que o dispositivo médico estiver sendo comercializado e disponível à população, como ferramenta indispensável para a salvaguarda da saúde da coletividade.

Ainda, no documento de Perguntas & Respostas – RDC 751 de 2022 Versão 2 (02-03-2023)6, é esclarecido que, para regularizar dispositivos médicos, é necessário demonstrar o cumprimento das disposições legais estipuladas nos regulamentos técnicos, de acordo com a legislação que rege dispositivos médicos específicos. Quando se trata de dispositivos médicos que incorporam módulos de telecomunicação ou radiofrequência, como Bluetooth, Wi-Fi e outros, que estão sujeitos à homologação da ANATEL, o desenvolvedor do dispositivo fica sujeito à dupla regulamentação, visto que precisará apresentar o Certificado de Homologação da ANATEL como requisito do processo de registro ou notificação perante a Anvisa, conforme as exigências estabelecidas na Resolução RDC no 546 de 2021.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este guia fornece uma visão geral do processo de autorização da Anvisa para dispositivos médicos a contar de 01/03/2023 (com o início da vigência da importante RDC 751/2023), mas é fundamental lembrar de que os detalhes podem variar dependendo do tipo de dispositivo e das regulamentações atualizadas da Anvisa. 

Todo e qualquer modelo de negócios que se situa num segmento econômico de atuação regulada pelo Estado pressupõe maiores cuidados e preocupações jurídicas. No caso do segmento de saúde, isso não apenas se faz presente, como, possivelmente, é um dos exemplos mais categóricos disso. A busca pelo equilíbrio entre o fomento à inovação e o necessário zelo com a saúde humana na utilização de dispositivos médicos dão causa a regulamentações sobre a aprovação de tais criações, que precisam percorrer todo um procedimento de ordem técnica e burocrática. 

Para isso, se você possui uma healthtech e pretende disponibilizar a sua solução no mercado, contar com assessoria jurídica especializada pode ser o grande diferencial na relação com seus competidores, seja na hora de oferecer a sua solução para clientes ou na hora de buscar investimento. Lançar uma solução sem a devida proteção e o amparo jurídico pode ser o fiel da balança, então todo o cuidado é pouco. 

Dada a multiplicidade de diferentes modelos e dispositivos médicos, recomenda-se a consulta para seu caso em específico, a fim de uma análise mais aprofundada das diferentes regulamentações potencialmente aplicáveis, para que seja oferecida a orientação específica e atualizada, personalizada ao seu caso.

Para maiores informações e publicações relacionadas com o ecossistema de startups e empresas de base tecnológica na área da saúde (healthtechs), fique conectado no site e nas redes sociais da Caputo Advogados. Novas publicações virão a respeito de todos os trâmites necessários para que sua healthtech possa lançar dispositivos médicos no mercado com a devida e necessária segurança jurídica, e você não vai querer perder esse conteúdo.

 


 

*Nathally ReisAdvogada, formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUCRS); atuação em projetos no Tecnopuc Startups, como o Startup Garage e TecnopucLaw, iniciativa da escola de Direito para auxílio às empreendedores do Tecnopuc nas suas questões jurídicas. Atualmente, advogada no Caputo Advogados Associados, assessoria empresarial com ênfase em Startups e Estúdios de Games.

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*Rafael Duarte – Advogado, sócio do escritório Caputo Advogados, com atuação especializada em Startups, Studios de Games e Empresas de Base Tecnológica. Pós-graduado em Direito Digital e Proteção de Dados; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores, tais como InovAtiva Brasil, START (SEBRAE), entre outros; Diretor da Associação Gaúcha de Direito Imobiliário Empresarial (AGADIE); Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/RS e Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS.

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1Ministério da Saúde. Confira a documentação para regularizar dispositivos médicos. Gov.br, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2023/confira-a-documentacao-para-regularizar-dispositivos-medicos. Acesso em 29 de outubro de 2023.

2Eretz.bio. RDC 751/2022: o que muda para startups e empresas de saúde com as novas regras para dispositivos médicos. Disponível em: https://www.eretz.bio/conteudos/anvisa-rdc751-2022-startup-dispositivos-medicos/. Acesso em 28 de outubro de 2023.

3AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – Anvisa. Resolução da diretoria colegiada – RDC Nº 751, de 15 de setembro de 2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rdc-n-751-de-15-de-setembro-de-2022-430797145. Acesso em 28 de outubro de 2023.

4RDC 751/22. Art. 10. § 2º: “A avaliação da documentação será realizada nos prazos e condições legais previstos na legislação sanitária brasileira.” (AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – Anvisa. Resolução da diretoria colegiada – RDC Nº 751, de 15 de setembro de 2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rdc-n-751-de-15-de-setembro-de-2022-430797145. Acesso em 28 de outubro de 2023.

5AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – Anvisa. Resolução da diretoria colegiada – RDC Nº 751, de 15 de setembro de 2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rdc-n-751-de-15-de-setembro-de-2022-430797145. Acesso em 28 de outubro de 2023.

6AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – Anvisa. Perguntas & Respostas – RDC 751 de 2022. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/produtos-para-a-saude/manuais/perguntas-respostas-rdc-751-de-2022/view. Acesso em 28 de outubro de 2023.

 

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