Guia sobre Contrato de Franquia: A cláusula de não concorrência a favor da Franqueadora

Sumário

*Por Alexandre Caputo

 

 

Neste artigo, abordamos, na prática, como a cláusula de não concorrência pode ser utilizada no contrato de franquia e os principais argumentos que a franqueadora pode utilizar para defender e assegurar o cumprimento da obrigação de não concorrência.

Além disso, iremos abordar como o Poder Judiciário vem se posicionando com relação à aplicação da cláusula de não concorrência a favor de redes de franquias através da análise de decisões recentes dos principais tribunais do país.

 

O sistema de franquias se consolidou no Brasil desde a sua introdução nas décadas de 1950 e 1960 (confira nossa publicação sobre a História do Franchising), e segue em franca expansão, crescendo mesmo em momentos de crise econômica.

Segundo dados divulgados pela ABF (Associação Brasileira de Franchising), no primeiro trimestre de 2024, houve um crescimento de 19,1% comparado ao primeiro trimestre de 2023, e o faturamento total do sistema de franquias no Brasil acumulado relativo aos últimos 12 meses, considerando o 1º trimestre de 2023 ao 1ª trimestre de 2024, aumentou 14,3%, atingindo mais de R$ 250 milhões. Esses números demonstram a força do sistema de franquias no Brasil, evidenciando o seu  crescimento contínuo ao longo dos últimos anos.

A Lei de Franquias foi atualizada no final de 2019 quando entrou em vigor a Lei nº 13.966/2019, trazendo mais clareza e proteção às partes, quando comparada com a lei anterior, de 1994.

O modelo de franquia tem atraído número crescente de empreendedores e gera grande expectativa de sucesso especialmente naqueles que, por sua inexperiência comercial, sentem-se atraídos a ingressar na rede para fazerem uso de um modelo de negócios já consolidado pelo franqueador e o uso da marca deste, igualmente posicionada no mercado, o que tende a facilitar a empreitada negocial do franqueado. 

Porém, nem tudo são flores! Dentre os problemas mais recorrentes nas disputas envolvendo franqueadoras e franqueados está a cláusula de não concorrência.

 

Neste artigo, vamos explorar referida cláusula à luz dos principais argumentos trazidos pela franqueadora na tentativa de fazer valer a cláusula (no caso da franqueadora):

 

O que é a Cláusula de não concorrência? Como ela costuma ser redigida em contratos de franquia?

Nos contratos de franquia, a cláusula de não concorrência estabelece a proibição da unidade franqueada (CNPJ), e de seus sócios, desenvolver atividades que sejam consideradas concorrentes com a franqueadora. 

Então, se, por exemplo, o franqueado adquire uma unidade de uma rede de franquias que comercializa pizzas, o franqueado estará impedido de seguir atuando no mesmo mercado (pizzarias) após a extinção do seu contrato e desligamento da rede. Caso viole referida obrigação de não fazer concorrendo com a rede de franquias, poderá sofrer sanções, tais como a aplicação de multa única pelo exercício da concorrência e/ou multa diária enquanto estiver concorrendo.

A seguir segue um exemplo de cláusula de não concorrência utilizada em contratos de franquia:

CLÁUSULA xxª – DA NÃO CONCORRÊNCIA 

xx.1 Durante o prazo de vigência do Contrato de Franquia e 02 (dois) anos após: (i) o término da vigência do contrato; (ii) o trânsito em julgado de decisão judicial ou arbitral que afirmar a obrigação de não concorrer; ou (iii) a efetiva cessação do uso da marca, e métodos da FRANQUEADORA, aplicando-se o evento que ocorrer por último, deverá a SOCIEDADE FRANQUEADA e o FRANQUEADO, por si, por seus sócios, e por seus respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes (em qualquer grau de parentesco, por afinidade, afetividade ou sanguinidade), ou por qualquer interposta pessoa, abster-se de utilizar ou implantar qualquer outra operação concorrente, ou semelhante ao Sistema de Franquia (nome da rede de franquias), bem como de dedicar-se, direta ou indiretamente à exploração de empreendimentos que se dediquem a atividades semelhantes e/ou concorrentes à da franquia (nome da rede de franquias) – sendo considerado negócio concorrente aquele que, de maneira geral, concorra com a rede de franquias (nome da rede de franquias), ou seja, (exemplo: (setor de atuação da rede de franquias), especialmente que atenda a mesma clientela, que se estabeleça em Redes de Franquia -, sob pena de se sujeitar ao pagamento de multa não compensatória no valor de (exemplo de valor de multa – R$ 1.000.000,00) (um milhão de reais), devidamente ajustada de acordo com a variação positiva do índice IGP-M, publicado pela Fundação Getúlio Vargas, ou de qualquer outro índice que venha a substituí-lo, na menor periodicidade permitida em lei. Referida sanção será devida sem prejuízo da FRANQUEADORA intentar quaisquer medidas, cíveis ou criminais, em decorrência do descumprimento em questão, inclusive para pleitear perdas e danos havidos, tudo em conformidade com a parte final do parágrafo único do art. 416 do Código Civil Brasileiro.

xx.1.1. Aplica-se a presente cláusula de não concorrência em todo o território nacional tendo em vista que a franqueadora possui atuação com abrangência em todos os Estados e Distrito Federal.

xx.1.2. O pagamento da multa prevista na Cláusula xx.1, acima não permite que a SOCIEDADE FRANQUEADA e/ou o FRANQUEADO exerçam a atividade concorrente, nos termos do artigo 411 do Código Civil Brasileiro.

xx.1.3. Considerando que o eventual pagamento da multa não compensatória descrita na Cláusula xx.1. não outorgará a qualquer das pessoas (físicas ou jurídicas) mencionadas em dita cláusula o direito de continuar desenvolvendo atividade concorrente, caso as atividades perdurem, será exigível, ainda, multa com caráter coercitivo no valor predeterminado de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por cada dia em que o novo negócio esteja ativo, com vistas a assegurar que o descumprimento injustificado da obrigação de não fazer cesse de pronto.

 

Em geral, como visto acima, a multa de não concorrência envolve duas sanções: (i) uma multa pré-determinada por violar a cláusula e concorrer e (ii) uma multa a incidir diariamente enquanto a atividade concorrente permanecer em atividade. O ponto aqui é proteger a franqueadora da possibilidade do franqueado preferir pagar a multa e seguir concorrendo, posto que dependendo do seu faturamento isso pode ser muito vantajoso. Assim, com a cobrança contínua, a cada dia de infração da obrigação de não fazer, a dívida segue crescendo, e o caráter coercitivo não se esvai.

 

A não concorrência sob a ótica da franqueadora – Principais argumentos utilizados

 

Sob o prisma da franqueadora, a concorrência significa colocar em risco todo o sistema de franquias, já que o franqueado recebeu um padrão de modelo de negócios replicável, principalmente através de treinamento e transferência de know-how

Muitas vezes é comum o franqueado estar inadimplente com suas obrigações, tais como o pagamento de royalties e simplesmente virar a bandeira (expressão que significa deixar de utilizar a marca da franqueadora e passar a utilizar marca própria ou a marca de outra rede). Há casos em que a unidade estava funcionando normalmente ao longo de vários anos sem qualquer tipo de reclamação formal e, simplesmente, sem qualquer aviso, o franqueado decidir criar uma nova marca, mudando a fachada e seguir atuando sob bandeira própria (situação conhecida como bandeira branca). 

Nesse sentido, os principais argumentos utilizados pelas franqueadoras para exigir o cumprimento da obrigação de não concorrência são:

          • Descumprimento contratual por parte do franqueado;
          • Violação da boa-fé objetiva, dos princípios contratuais e do princípio venire contra factum proprium (princípio decorrente do próprio princípio da boa-fé objetiva positivado em nossa legislação civil, e que determina justamente a vedação ao comportamento contraditório do agente. Ora age de uma maneira, ora de outra, ambas legítimas, mas causando prejuízos à parte contrária, tudo para poder, de má-fé, surpreendê-lo posteriormente. Além disso, exigindo ou não direitos conforme lhe for mais ou menos conveniente, removendo assim qualquer tipo de previsibilidade na relação estabelecida)
          • Grave dano à rede de franquias e aos demais franqueados em decorrência da concorrência desleal;
          • Absorção de know-how, inteligência do negócio, padrão de negócio, treinamento e assistência contínua;
          • Desvio de clientela e confusão aos clientes do mesmo mercado consumidor;
          • Ausência de reclamação prévia ao longo da relação contratual e histórico positivo de performance da unidade;
          • Ausência de promessa de sucesso da unidade e a ciência de que o êxito da unidade depende da participação e administração direta e pessoal do franqueado;
          • Ausência de garantia de lucro financeiro em decorrência da implantação e operação da unidade franqueada e/ou da utilização do Sistema de Franquia, uma vez que tal sucesso dependerá da conjuntura econômica do país como um todo e, acima de tudo, do tempo, do esforço e da atenção que o franqueado dedicar à operação e administração da sua unidade. 
          • Ausência de violação da lei de franquias e cumprimento dos requisitos legais para envio da COF e assinatura do contrato no prazo legal (10 dias);

 

A cláusula de não concorrência é largamente admitida no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista que se propõe a tutelar a rede de franquias como um todo – não apenas a franqueadora -, em face de potencial concorrência desleal a ser praticada por atuais ou ex-franqueados, após terem tido acesso a todo seu know-how e metodologias.

Dessa forma, a franqueadora irá defender que ninguém pode, pura e simplesmente, adotar métodos, serviços, preços ou produtos de terceiros como se seus fossem, aplicando-se, assim, ao menos em tese, os termos dos arts. 1911, 1952, incisos III, IV, V e VI, bem como 209 – todos da Lei de Propriedade Industrial -, além do art. 10º, bis (3), § 1º, da Convenção da União de Paris com a revisão de Estocolmo (ratificada pelo Brasil em 1992).

Nesta linha, em geral, a cláusula de não concorrência prevê a obrigação de não exercer atividade concorrente durante e após o término da vigência dos contratos de franquia, bem como os sócios da unidade não participarem como sócios, acionistas, ou qualquer outro cargo em qualquer empresa existente ou futura que atue no mesmo segmento de mercado explorado pela franqueadora.

Dessa forma, a cláusula de não-concorrência em contratos de franquia visa a proteger a franqueadora e a rede de franqueados, mas também é concebida para os fins de:

          1. Proteger o know-how e o modelo de negócios desenvolvido pela franqueadora e replicado através de um padrão de gestão e atuação no mercado;
          2. Impedir que um franqueado, durante o contrato ou após a extinção da relação contratual, utilize esse padrão de negócio para concorrer contra a rede de franquias através de marca própria;
          3. Impedir também que esse franqueado se torne um franqueador no futuro, dilapidando a rede de franquias através do aliciamento de franqueados ou da captação de novos interessados que poderiam ser franqueados no futuro; e
          4. Proteger a rede de franquias como um todo, principalmente os seus franqueados, da concorrência no mesmo segmento através do desvio e confusão do mercado consumidor ocasionados pela conduta praticada pelo ex-franqueado concorrente, que possa obstar o crescimento da rede da sua ex-franqueadora.

Sendo assim, por óbvio, a franqueadora irá defender a tese de que é obrigação do franqueado encerrar as atividades de estabelecimento comercial que, ilicitamente, opera, mediante marca distinta, todo o know-how e conhecimento técnico desenvolvido e titularizado pela franqueadora, uma vez que a sua atuação contínua constitui violação da cláusula de não concorrência

 

Da aplicação da cláusula de não concorrência a favor da franqueadora de acordo com o Poder Judiciário

 

A doutrina, em geral, compreende que a não concorrência é válida e, portanto, deve prevalecer: 

“Pela jurisprudência, verifica-se que uma vez rescindido o contrato de franquia empresarial, caso o mesmo contemple cláusula que proíba o franqueado de exercer a mesma atividade do contrato por determinado período, exercendo-a, este infringirá o contrato, nascendo para a franqueadora o direito de receber indenização (v.g, multa acrescida de juros e correção monetária até efetivo pagamento). […] Destarte, o (ex) franqueado que exercer a mesma atividade do negócio franqueado infringindo cláusula contratual contemplada no contrato de franquia configura ato passível de reprovação e responsabilização.3 (grifou-se).

 

Conforme explicado nos itens anteriores, a cláusula de não concorrência tem como objetivo resguardar e proteger o conhecimento desenvolvido pela franqueadora, seu know-how e padrão de negócios, bem como proteger franqueados da dilapidação dos seus negócios através do desvio de clientes da rede. Porém, a discussão envolvendo a cláusula de não concorrência é um tema bastante complexo com decisões para ambos os lados. 

Nesse sentido são as decisões que decidem a favor da franqueadora:

Apelação. Direito Empresarial. Franquia. Rescisão por iniciativa da franqueadora, devido ao inadimplemento das obrigações contratuais pelo franqueado. Efeitos pós-contratuais. Pretensão relativa à não-concorrência por certo período. Cláusulas contratuais claras. Inexistência de ambiguidade interpretativa ou contraditoriedade que implique a incidência do disposto no art. 423 do Código Civil. Ausência de abusividade. Contrato mantido por quinze anos, com uso, pelos franqueados, do método de ensino, do material didático e, especialmente, do know how desenvolvido pela franqueadora. Manutenção de escolas de idiomas, sem interrupção, nos mesmos endereços em que antes funcionavam as unidades franqueadas, implica a manutenção de clientela que, inicialmente, foi atraída pelo bom nome e reconhecimento obtido pela franqueadora, detentora da marca ‘WIZARD’. Descumprimento do dever de não-concorrência caracterizado. Obrigação de não fazer bem reconhecida e multa devida. Sentença integralmente mantida. Honorários recursais. CPC, art. 85, § 11. Apelo não provido.” (TJ/SP, Apelação 1026795-14.2019.8.26.0114, rel. des. Pereira Calças, j. 25/11/20).

 

Em situações em que o franqueado já estava inadimplente de suas obrigações, tais como do pagamento de royalties, e a franqueadora consegue demonstrar que cumpriu os requisitos legais na entrega da COF (circular de oferta) e cumpriu suas obrigações referentes à transferência de know-how e treinamento, há uma tendência forte de o Poder Judiciário manter a obrigação de não concorrência e determinar o encerramento das atividades concorrentes do ex-franqueado.

 

Ressalta-se que o entendimento dos Tribunais é que a cláusula de não concorrência deve preencher alguns requisitos, tais como: 

          1. Limitação territorial: a cláusula de não concorrência deve limitar a atuação do ex-franqueado ao território de atuação da franqueadora, podendo haver restrição à expressão “território nacional” caso a franqueadora possua apenas atuação regional.
          2. Limitação temporal: Há diversos julgados determinando que o prazo de ‘quarentena’ deve ser limitado a um prazo razoável, não podendo exceder o prazo do contrato de franquia. Ocorre que, muitas vezes, o contrato possui prazos longos (ex.:10 (dez) ou 15 (quinze) anos), não se deduzindo razoável que esse seja o prazo utilizado para vedar a concorrência. Por isso, à luz do entendimento jurisprudencial mais atualizado, sugere-se prazo máximo de 5 (cinco) anos para impedir a atuação no mesmo mercado da franqueadora.
          3. Limitação da área de atuação (segmento de mercado): Muitas cláusulas de não concorrência são redigidas de forma genérica, não especificando a área de atuação em que o ex-franqueado não pode atuar. Por exemplo: a franqueadora é uma rede de restaurantes que vende pizza e a cláusula de não concorrência está redigida afirmando genericamente que não pode atuar com restaurantes em geral ou que não pode atuar no ramo de alimentação. Cláusulas genéricas tendem a ser afastadas pelo Judiciário, de modo que tais cláusulas que pretendem proteger de tudo podem ocasionar frustração, visto que podem acabar protegendo contra nada

 

Da mesma forma, ensina o doutrinador Fabio Ulhoa Coelho4 a respeito da importância de ser preservada a competição através da definição de limites materiais, temporais e espaciais:

As cláusulas contratuais de disciplina da concorrência podem ou não ser válidas, de acordo com uma série de fatores, a serem especificamente analisados. Para análise, o critério mais relevante é o da preservação do livre mercado. Ou seja, as partes podem disciplinar o exercício da concorrência entre elas, desde que não a eliminem por completo. Em outros termos, a validade da disciplina contratual da concorrência depende da preservação de margem para a competição (ainda que futura) entre os contratantes; ou seja, da definição de limites materiais, temporais e espaciais.

 

É fundamental referir que não basta a cláusula de não concorrência estar estabelecida na COF e no contrato de franquia, mas é primordial que possua delimitação clara quanto ao território, prazo e área de atuação da franquia.

Outro exemplo de problemas envolvendo a área de atuação abrange profissionais liberais que dependem da sua profissão para seguir empreendendo: médicos, dentistas, corretores de seguros, entre outros. Admitir uma cláusula genérica significa impedi-los de exercer sua profissão após saírem da rede, impossibilitando a sua manutenção econômica. Porém, isso não significa aceitar uma concorrência irrestrita, já que, por exemplo, o profissional da saúde, tais como um médico, pode seguir atuando como autônomo, mas não concorrer com uma franquia de clínica médica especializada na mesma área da rede de franquias concorrendo com a franqueadora.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo afastou a cláusula de não concorrência em decorrência de impedir o livre exercício profissional:

Apelação. Ação declaratória de resolução contratual por culpa da ré c.c. indenização por danos materiais e morais. Insurgência dos (ex) franqueados. Circular de oferta de Franquia (COF). Irregularidade formal convalidada tacitamente pelos franqueados. Franquia instalada e exercida por toda duração do contrato. Enunciado n. Iv do grupo de câmaras de Direito empresarial. Alegação de nulidade do contrato ante a ausência do registro de marca perante o INPI. Marcas devidamente registradas. Irrelevância do argumento. Fraude não caracterizada. Precedentes das câmaras reservadas de direito empresariais. Documentos que comprovam que a apelada prestou os cursos necessários, dando suporte para viabilização e implementação do negócio. Insucesso do negócio que não pode ser imputado à apelada. Contratos dessa natureza que não há como prever ou garantir qualquer tipo de lucro. (…) Cláusula de barreira. Vedação ao exercício profissional. Ausência de delimitação geográfica que implica em sua nulidade. Precedentes das C. Câmaras reservadas de direito empresarial deste e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Cláusula de barreira afastada, com consequente afastamento da respectiva multa. Violação à obrigação autônoma de cessação de utilização da marca após o término da relação contratual. (…) Apelação parcialmente provida.” (tjsp; apelação cível 1042060-28.2019.8.26.0576; relator (a): alexandre lazzarini; órgão julgador: 1ª câmara reservada depoder judiciário tribunal de justiça do estado de são paulo apelação cível nº 1029819-85.2020.8.26.0576 -voto nº 28870 17 direito empresarial; foro de são josé do rio preto – 5ª vara cível; data do julgamento: 12/03/2024)

 

E, ainda:

Franquia. Ação anulatória c.c. obrigação de fazer. Pretensão do autor, franqueado, à declaração de nulidade da cláusula de não concorrência. Disposição do contrato contrária ao que consta da circular de oferta de franquia. Hipótese na qual a circular de oferta de franquia apresentava cláusula de não concorrência menos restritiva. É essa a obrigação que teve conhecimento o franqueado e a ela aderiu. Admitia-se o exercício profissional de atividades relacionadas à corretagem de seguros, desde que não vinculada a outra franquia e com uso do know-how transferido. Previsão que está em consonância com a garantia constitucional do livre exercício profissional. Exploração exclusiva pelo franqueado da carteira de clientes por ele angariada. Obrigação expressamente consignada no contrato. Sentença de procedência dos pedidos mantida. Recurso desprovido.” (TJSP; Apelação Cível 1050658-73.2016.8.26.0576; Relator (a): Alexandre Marcondes; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São José do Rio Preto – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/09/2018)

 

Por fim, cumpre relembrar que a área de atuação da franqueadora pode mudar ao longo do tempo, seja através do acréscimo de novas áreas, seja através da especialidade e redução do leque de produtos e serviços. Por isso, a relevância de contar com um assessor jurídico com experiência na área de franquias para não correr o risco de ter uma cláusula facilmente afastável pelo Poder Judiciário. 

A seguir, seguem exemplos de decisões judiciais envolvendo limitações à cláusula de não concorrência: 

APELAÇÃO. FRANQUIA. Ação de rescisão contratual. Improcedência. Decisão mantida. Cerceamento de defesa não configurado. Autores que não requereram a produção de prova pericial no momento oportuno. Preclusão. Cláusula de não concorrência. Licitude. Previsão de limites materiais e temporais. Precedentes. Multa contratual devida, em razão da rescisão imotivada do contrato por culpa dos autores. RECURSO DESPROVIDO. (TJ/SP; Apelação Cível 1003861-82.2016.8.26.0400; relator (a): AZUMA NISHI; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Olímpia – 3ª vara Cível; Data do Julgamento: 4/11/20; Data de Registro: 4/11/20)

Da mesma forma, segue entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a validade da referida cláusula:

Recurso especial. Direito civil. Contrato empresarial associativo. Incidência do código de defesa do consumidor. Afastada. (…) Cláusula de não concorrência. Limite temporal e espacial. Abusividade. Não ocorrência. 6. São válidas as cláusulas contratuais de não-concorrência, desde que limitadas espacial e temporalmente, porquanto adequadas à proteção da concorrência e dos efeitos danosos decorrentes de potencial desvio de clientela – valores jurídicos reconhecidos constitucionalmente. 7. REsp provido’ (STJ; rel. min. Marco Aurélio Bellizze; j.5/5/15; REsp 1.203.109/MG 2010/0127767-0)

 

Da possibilidade de aplicação da cláusula de não concorrência mesmo em caso de inadimplemento da franqueadora

 

Em algumas decisões, o tribunal de São Paulo entendeu que a obrigação de não concorrência deve ser cumprida em qualquer cenário, mesmo na hipótese de descumprimento contratual por parte da franqueadora:

“Com efeito, conforme se vem decidindo nesta câmara reservada, a eventual responsabilidade da franqueadora pelo malogro do negócio de franquia, pelo inadimplemento dos contratos ou das obrigações atinentes à COF, não exime o franqueado do cumprimento da cláusula de não-concorrência, ao menos se assim não se tiver pactuado”. (agravo de instrumento nº 2214150-75.2017.8.26.0000, 2ª Câmara reservada de direito empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo).

Da mesma forma, o Tribunal de Justiça do Paraná, também deu amparo à mesma tese apontando de forma muito contundente que “os eventuais e possíveis prejuízos decorrentes da continuidade das atividades se mostram irreversíveis para a Franqueadora, enquanto que o mesmo não se pode dizer em relação à ex-Franqueada, cujos eventuais prejuízos podem vir a ser mensurados e ressarcidos no caso de esta restar vencedora na demanda originária” (TJPR. Agravo 0035298-37.2020.8.16.0000, 9ª CÂMARA CÍVEL. Relatora Vilma Régia Ramos de Rezende).

O STJ, em recentes julgados, ampara a Franqueadora e aponta de maneira contundente que eventual improcedência da demanda implica em situação reversível ao Franqueado em caso de concessão da liminar, enquanto, caso negada a liminar e ao final seja procedente a demanda, a Franqueadora não poderá ver a obrigação cumprida:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REEXAME. SÚMULAS N. 7/STJ E 735/STF. CONTRATOS DE FRANQUIA. CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA. IRREVERSIBILIDADE INVERSA. 1. Não ofende o art. 300 §3º do CPC, decisão que, diante da incontroversa existência de cláusula de não concorrência, defere tutela de urgência voltada ao estrito cumprimento dos contratos, inibindo a pretensão do contratante a ela vinculado de exercer a concorrência no mesmo mercado durante o respectivo período de vigência. IRREVERSIBILIDADE CAUSARIA A REVOGAÇÃO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, UMA VEZ QUE ESCOARIA O PERÍODO DA RESTRIÇÃO, EXAURINDO-SE OS EFEITOS DA CLÁUSULA, SEM QUE ELA TIVESSE SURTIDO SEUS EFEITOS PRÓPRIOS, NOS TERMOS DOS CONTRATOS DE FRANQUIA. 2. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 3. Agravo interno a que se nega provimento”. (AgInt no REsp 1802278/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 29/10/2019, DJe 02/12/2019)

 

Assim, algumas decisões entendem que a cláusula de não concorrência deve prevalecer independentemente de quem deu causa à rescisão do contrato.

 

Conclusão:

Conforme demonstrado acima, o Poder Judiciário ainda se divide quando o tema envolve contrato de franquia, especialmente com relação à cláusula de não concorrência.

Em geral, nas situações em que a franqueadora cumpriu o contrato, há a tendência de o Poder Judiciário manter a higidez da cláusula, obrigando o ex-franqueado a encerrar as atividades concorrentes.

Porém, no que tange aos casos em que houve descumprimento do contrato por parte da franqueadora, as decisões não são pacíficas. Nessas situações, as decisões têm se dividido entre: (i) manter a obrigação de não concorrência independentemente de quem deu causa ao encerramento precoce do contrato; ou (ii) analisar o caso concreto e afastar a cláusula de não concorrência caso a a franqueadora tenha descumprido o contrato.

Ainda, é fundamental reiterar que não é suficiente que exista a cláusula de não concorrência no contrato. É imprescindível que a sua redação seja correta, incluindo limitação territorial, temporal e a área de atuação muito bem definida. 

Diante disso, reitera-se a relevância de contar com assessoria especializada em contratos de franquia para que a análise do caso concreto seja feita corretamente através da redação de contratos com cláusulas bem elaboradas (consultivo) ou para defender os interesses da franqueadora em eventual litígio (contencioso), destacando-se ser ainda mais importante que o suporte jurídico especializado se faça presente em ambas as esferas (consultiva e contenciosa), uma vez que uma cláusula contratual bem concebida e estruturada refletirá diretamente em maiores chances de êxito em disputas judiciais.

Considerando que o tema possui dois lados, franqueador e franqueado, você também poderá se interessar nos argumentos principais trazidos por franqueados nesses litígios. Se for este o seu caso, confira o nosso artigo no link.  

 

 


 

*Alexandre Caputo, Advogado OAB/RS 93.651, sócio do escritório Caputo Duarte Advogados; MBA em Venture Capital, Private Equity e Investimento em Startups pela FGV/SP, Pós-graduado em Direito Societário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Contratos, Direito Imobiliário e Responsabilidade Civil pela PUCRS; Vice Presidente na Associação Gaúcha de Startups (AGS) – 2023/2025; Palestrante em direito, tecnologia e inovação; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores tais como Inovativa, ABStartups, Inovenow, UFRGS, Tecnopuc, Atrion Moinhos, entre outros. Atua na área empresarial com ênfase em Startups e Estúdios de Games. 

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Referências

1CAPÍTULO IV – DOS CRIMES COMETIDOS POR MEIO DE MARCA, TÍTULO DE ESTABELECIMENTO E SINAL DE PROPAGANDA. Art. 191. Reproduzir ou imitar, de modo que possa induzir em erro ou confusão, armas, brasões ou distintivos oficiais nacionais, estrangeiros ou internacionais, sem a necessária autorização, no todo ou em parte, em marca, título de estabelecimento, nome comercial, insígnia ou sinal de propaganda, ou usar essas reproduções ou imitações com fins econômicos. Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende ou expõe ou oferece à venda produtos assinalados com essas marcas.

2 CAPÍTULO VI – DOS CRIMES DE CONCORRÊNCIA DESLEAL. Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; IV – usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos; V – usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências; VI – substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento;

3REDECKER, Ana Claudia. Franchising (p. 46-47). Editora Appris. Edição do Kindle

4 Curso de Direito Comercial, pag 237, Vol 1, 2ª ed., 1999, São Paulo, Saraiva.

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