*Rafael Duarte
Números atuais do Franchising no Brasil
O setor de franquias no Brasil tem apresentado números muito expressivos e indicativos da sua enorme relevância para o desempenho da economia nacional como um todo, seja como vetor de inovação empresarial, seja como meio de geração de novos empregos, seja, inclusive, como fonte de receita arrecadatória para os cofres públicos.
Como forma de ilustrar esse desempenho surpreendente e motivo de grandes alegrias para quem atua no segmento, quando realizado o comparativo entre os anos de 2022 e 2021, constata-se um crescimento nominal de 14,3%, atingindo-se faturamento anual superior a R$ 211 bilhões.1 Ocorre que, para além do número total de faturamento, vários outros indicadores foram muito satisfatórios, como, por exemplo, a majoração de 7,8% no número total de unidades (atingindo o número de 184.354 franquias), número este ensejador de maior surpresa quando se percebe que representa um aumento de 14,5% quando comparado com os de 2019, demonstrando que o setor de franquias não apenas suportou o período pandêmico, como nele prosperou.2
Esses dados estão completamente alinhados com o grande diferencial do franchising como opção de empreendedorismo: a existência de um modelo de negócios validado e com compartilhamento de know-how. Levantamento realizado pelo Sebrae, no ano de 2020, serviu para colocar números nos motivos pelos quais muitos empreendedores optam por se vincular a uma rede de franquias já existente, em detrimento de criar o seu próprio negócio do zero. Esse estudo concluiu que “cinco em cada cem franquias abertas fecham até o segundo ano de operação – uma mortalidade de 5% em 24 meses de vida.”3 Os negócios próprios – fora do segmento de franchising – submetem-se a uma taxa de mortalidade, nesse mesmo período, de 17% para empresas de pequeno porte. Não é à toa que o franchising viceja no Brasil.
Feito esse mapeamento introdutório – apto a demonstrar por que o segmento de franquias é tão atrativo e capta cada vez mais interessados em empreender por meio dele -, o presente artigo pretende trazer informações sobre a História do Franchising, não apenas no Brasil, mas principalmente em todo o mundo, desde uma origem remota na Idade Média, até os dias atuais, como forma de compartilhar curiosidades interessantes a respeito desse modelo empresarial tão rico.
Origem remota do Franchising
Pode-se afirmar que o franchising teria uma origem bastante remota, em uma espécie de “protofranquia”, durante a Idade Média, por parte da Igreja Católica. Segundo aqueles que defendem que seria essa origem mais antiga do modelo de franquias, como a rede mundial de igrejas era controlada pelo Vaticano, com unidades em diferentes regiões do planeta, haveria, nessa estrutura, os princípios estruturais do franchising. Em tal modelo, “os franqueados seriam os padres, a paróquia seria a franquia, o manual seria a Bíblia, os royalties seriam o dízimo e o logotipo, a cruz.”4
Existiam, à época, as “Cidades Francas”, que ofereciam regalias em troca de serventias. Decorreu dessa dinâmica de trocas a palavra franchising, que provinha do francês “franchise”, cuja carga semântica era de uma espécie de autorização ou privilégio. O acordo dava-se da seguinte forma: “os donos das terras davam aos comerciantes o privilégio de circular nos locais, o que era chamada a carta de franquia. Para isso, tinham que pagar os royalties a estes reis e proprietários dos terrenos.”5
Nascimento efetivo do Franchising no Século XIX
A despeito de haver os defensores dessa existência remota do franchising na Idade Média, o consenso efetivo acerca daquele que seria o real nascedouro do modelo de franquias no mundo converge para o ano de 1850, no estado de Connecticut, nos Estados Unidos, em que a empresa fabricante de máquinas de costura Singer Sewing Machine Company inovou com uma relação com outros empresários de modo até então inexistente.
O fundador da empresa, Isaac Singer, fora a primeira pessoa a patentear uma máquina de costura, cujo diferencial era uma produtividade muito acima do usual à época. Suas máquinas tinham a capacidade de costurar 900 pontos por minuto, o que, a um só tempo, deixava para trás todos os demais competidores e fazia do seu produto ser almejado pela grande maioria das famílias.6
Ciente disso, Singer teve uma ideia para expandir os seus negócios pelo país, sem que, para tanto, precisasse realizar vultosos investimentos. A solução encontrada foi “outorgar licenças de uso da marca e métodos para comerciantes interessados em revender seus produtos em outras regiões do país.”7 Esses comerciantes, então, passavam a deter o direito de comercializar a linha de equipamentos da marca Singer, desfrutando da reputação e prestígio que esta ostentava e, em troca disso, pagavam uma taxa de licenciamento e ensinavam os consumidores a usarem as máquinas.8
Melhoramentos do modelo posteriores à Singer Sewing Machine Company
Mais de quatro décadas depois, também nos EUA, nasceu a mais antiga rede de franquias de serviços, criada por Martha Matilda Harper. Na cidade de Rochester, em Nova Iorque, Harper abriu um salão de beleza e, dado o sucesso que suas técnicas haviam assumido, passou a ensinar seus métodos por meio de um contrato de franquia. O negócio foi tão bem sucedido que, em menos de 30 anos, a empresa possuía mais de 500 unidades ao redor dos EUA e Europa.9
O diferencial trazido por Harper era disponibilizar treinamentos contínuos para as franqueadas, o que garantia maior qualidade aos serviços prestados às clientes finais e, por via de consequência, maior prestígio à rede Martha Harper. Em contraprestação, as franqueadas tinham o dever de adquirir os produtos a serem utilizados no atendimento de clientes, produtos estes cuja aquisição era obrigatória, para o fim de garantir padrão de qualidade da marca.10
Em 1898, a General Motors foi outra empresa a adotar uma rede de revenda própria, dando ensejo ao modelo que hoje se convenciona chamar de concessionárias de veículos.11 A inspiração foi o vendedor norte-americano William Metzger, que inaugurou a primeira concessionária de automóveis independente em Detroit, Michigan; a General Motors, ao ver o sucesso do modelo, percebeu o seu potencial ilimitado ao oportunizar que outros empresários usassem do seu prestígio para aumentar as vendas de veículos produzidos pela General Motors.
No ano seguinte, em 1899, foi a vez da Coca-Cola iniciar sua empreitada no universo do franchising, conferindo licenças para que empresários pudessem produzir e comercializar seus refrigerantes em outras localidades.12 O que motivou a adoção do modelo de franquias – e o consequente sucesso da Coca-Cola por ter feito essa opção empresarial – era o alto custo do transporte de produtos engarrafados. Como forma de contornar isso, a Coca-Cola enviava para os franqueados os xaropes concentrados e determinava que fossem observados requisitos rigorosos em termos de fórmulas e processos de produção. Com esses dois elementos, garantia-se não apenas o escoamento nacional de seus refrigerantes, como o controle de qualidade em mercados distantes.13
Evolução durante o Século XX (antes e depois da Segunda Guerra Mundial)
A contar da primeira metade do Século XX, diversos outros segmentos passam a também absorver o franchising como estratégia de expansão de negócios. Como exemplos, “em 1917, surgem as primeiras franquias de mercearias, como os supermercados Piggly Wiggly, nos Estados Unidos. Em 1921, a Hertz Rent-a-Car, locadora de veículos, adota o modelo de franquias.”14 Da mesma forma, em 1925, surgiu a primeira cadeia para comercialização de lanches e refeições (A & W Root Beer) e, na década de 1930, o franchising chega nos postos de combustíveis, cuja operação até então cabia exclusivamente às companhias de petróleo, e que passam a franquear os pontos.
Entretanto, foi no período posterior à Segunda Guerra Mundial que o franchising mais cresceu nos EUA – notadamente durante as décadas de 1950 e 1960. O motivo para tanto é que, com o fim dos confrontos, milhões15 de soldados estadunidenses retornaram a seu país de origem sem ter onde trabalhar e sem experiência laboral, visto que a imensa maioria deles havia começado sua participação na guerra ainda muito jovem.16
Nesse contexto, o modelo de franquias prosperou: um grande número de cidadãos dispostos a trabalhar, mas sem capacitação para criar um negócio do zero. A possibilidade de utilizar um modelo já validado ofertava para essas pessoas um meio de superar esses entraves, criando o contexto adequado para o crescimento de redes de franquias mundialmente conhecidas, como McDonald’s, Burger King e KFC.17
Histórico e evolução do Franchising no Brasil
No Brasil, o surgimento do franchising se deu entre as décadas de 1950 e 1960, observando-se, aqui, o que já vinha sendo percebido nos EUA. As responsáveis por iniciar esse processo tão importante para a economia brasileira foram as escolas de idiomas Yázigi e CCAA.
A Yázigi foi a primeira franquia criada no Brasil, ainda no distante ano de 1954, quando foi fechada a primeira licença para que uma escola de idiomas utilizasse o método de ensino Yázigi. Em 1966, o modelo passou por um amadurecimento complementar, quando se passou a adotar o sistema de professores associados, embrionário ao modelo franchising.18 O CCAA, por sua vez, iniciou em 1961, no Rio de Janeiro, com a criação de uma metodologia exclusiva de ensino de língua inglesa, que também passou a ser licenciada para outras escolas de idiomas.19
Entretanto, foi apenas durante a década de 1970 que as Franquias passaram a assumir protagonismo no Brasil, sendo efetivamente percebidas com uma estratégia frutífera de expansão empresarial. Foi nessa época que marcas importantes de varejo passaram a investir no Franchising, como Boticário, Ellus e Água de Cheiro, as quais seguem sendo exemplos de franquias bem-sucedidas no Brasil até os dias de hoje.20
Outro fator que contribuiu fortemente para a proliferação de franquias foi o surgimento dos shopping centers, visto que estes serviam de centros comerciais de grande concentração de pessoas dispostas a consumir um sem número de produtos e serviços variados, tornando-se propício para a inserção de unidades franqueadas como opções para esses consumidores. Nos shoppings, franquias estrangeiras passaram a ganhar notoriedade no Brasil – como o próprio caso do McDonald’s – e de outras redes de varejo dos segmentos de confecção, cosméticos, acessórios e outros.21
Todos esses passos foram essenciais para se chegar nos incríveis números informados na introdução deste artigo, demonstrando o quão rentável e economicamente próspero é o franchising como instrumento de expansão empresarial e de geração de empregos, ocasionando benefícios coletivos de altíssimo relevo.
Conclusão
Na publicação de hoje, analisamos o histórico evolutivo do Franchising no Brasil e no Mundo, demonstrando o longo trajeto que se percorreu ao longo de séculos até se chegar nos dias de hoje, mais especificamente no Brasil, com números que comprovam de modo categórico as qualidades do sistema.
Compreender a origem histórica do modelo de franquias, para além de se tratar de um compêndio de curiosidades interessantes para se entender como o franchising foi forjado aos poucos, serve à finalidade de se efetivamente assimilar melhor o instituto nos seus moldes atuais. Entender o passado é um passo indissociável para se compreender o presente e trilhar os caminhos corretos para o futuro.
Por mais que o modelo de franquias seja repleto de qualidades e possa, seguramente, servir de fonte de muitas alegrias para franqueadores e franqueados, as armadilhas também podem ser muito significativas. É justamente por isso que ambos os agentes dessa relação econômica precisam contar com suporte jurídico especializado, para que possam tomar as melhores decisões negociais possíveis, com a devida ciência das repercussões jurídicas de todas as possibilidades ventiladas. Os riscos são inerentes de qualquer atividade empresarial, razão pela qual o erro, portanto, não está na assunção de tais riscos; o erro está em assumir riscos dos quais não se tem conhecimento, por falta de preparo e apoio suficientes.
Todos esses fatores fazem com que o investimento na construção de uma rede de apoio técnico especializado na área jurídica seja instrumental ao seu sucesso e tranquilidade no crescimento de suas atividades. Isso poderá representar não apenas fonte de maior segurança jurídica, como também um grande diferencial competitivo, na medida em que os instrumentos contratuais serão redigidos com a adoção das melhores práticas, para o fim de efetivamente reduzir litígios, e não incrementá-los.
Para maiores informações e publicações relacionadas com segmento de franquias, fique conectado no site e nas redes sociais da Caputo Advogados.
*Rafael Duarte – Advogado, sócio do escritório Caputo Advogados, com atuação especializada em Startups, Studios de Games e Empresas de Base Tecnológica. Pós-graduando em Direito Digital e Proteção de Dados; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores, tais como InovAtiva Brasil, START (SEBRAE), entre outros; Diretor da Associação Gaúcha de Direito Imobiliário Empresarial (AGADIE); Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/RS e Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS.
Referências
1Desempenho do franchising em 2022 e o que esperar em 2023. SEBRAE, 2023. Disponível em: https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/desempenho-do-franchising-em-2022-e-o-que-esperar-em-2023,a882fe74ac5b8810VgnVCM1000001b00320aRCRD#:~:text=O%20setor%20de%20franquias%20no,superior%20a%20R%24%20211%20bilh%C3%B5es.. Acesso em: 27 set. 2023.
2Mercado de franquias brasileiro supera os R$211 bi e cresce 14,3% em 2022. Associação Brasileira de Franchising (ABF), 2023. Disponível em: https://www.abf.com.br/mercado-de-franquias-brasileiro-supera-os-211-bi-e-cresce-143-em-2022/#:~:text=A%20pesquisa%20da%20ABF%20registra,ficou%20em%206%2C0%25. Acesso em: 27 set. 2023.
3Franquia ou negócio próprio: como escolher. Exame Invest, 2023. Disponível em: https://exame.com/invest/minhas-financas/franquia-negocio-proprio-escolher/. Acesso em: 27 set. 2023
4Griebler, Carlos. A história do franchising no Brasil e no mundo. Central do Franqueado, 2023. Disponível em: https://centraldofranqueado.com.br/franchising/historia-franchising/. Acesso em: 27 set. 2023.
5Albergaria, Felipe. Qual a história do franchising? Um resumo completo sobre como esse modelo aconteceu. Encontre sua Franquia, 2022. Disponível em: https://encontresuafranquia.com.br/historia-do-franchising/. Acesso em: 27 set. 2023.
6Griebler, Carlos. A história do franchising no Brasil e no mundo. Central do Franqueado, 2023. Disponível em: https://centraldofranqueado.com.br/franchising/historia-franchising/. Acesso em: 27 set. 2023.
7Griebler, Carlos. A história do franchising no Brasil e no mundo. Central do Franqueado, 2023. Disponível em: https://centraldofranqueado.com.br/franchising/historia-franchising/. Acesso em: 27 set. 2023.
8Griebler, Carlos. A história do franchising no Brasil e no mundo. Central do Franqueado, 2023. Disponível em: https://centraldofranqueado.com.br/franchising/historia-franchising/. Acesso em: 27 set. 2023.
9Albergaria, Felipe. Qual a história do franchising? Um resumo completo sobre como esse modelo aconteceu. Encontre sua Franquia, 2022. Disponível em: https://encontresuafranquia.com.br/historia-do-franchising/. Acesso em: 27 set. 2023.
10Griebler, Carlos. A história do franchising no Brasil e no mundo. Central do Franqueado, 2023. Disponível em: https://centraldofranqueado.com.br/franchising/historia-franchising/. Acesso em: 27 set. 2023.
11A História das Franquias: Conheça a História das Franquias no Brasil e no Mundo. Inova Consultoria & Franquias, 2019. Disponível em: https://www.inovafranquias.com.br/historia-das-franquias/. Acesso em: 27 set. 2023.
12Griebler, Carlos. A história do franchising no Brasil e no mundo. Central do Franqueado, 2023. Disponível em: https://centraldofranqueado.com.br/franchising/historia-franchising/. Acesso em: 27 set. 2023.
13Griebler, Carlos. A história do franchising no Brasil e no mundo. Central do Franqueado, 2023. Disponível em: https://centraldofranqueado.com.br/franchising/historia-franchising/. Acesso em: 27 set. 2023.
14Griebler, Carlos. A história do franchising no Brasil e no mundo. Central do Franqueado, 2023. Disponível em: https://centraldofranqueado.com.br/franchising/historia-franchising/. Acesso em: 27 set. 2023.
15O número de soldados estadunidenses que participaram de confrontos bélicos na Segunda Guerra Mundial – na Europa e no Pacífico – remonta o total de 16.112.566, com um total de 291.557 mortos e 670.846 feridos. (Fonte: World War 2 Info – Casualties. Disponível em: http://www.world-war-2.info/casualties/. Acesso em: 16 out. 2023).
16A História das Franquias: Conheça a História das Franquias no Brasil e no Mundo. Inova Consultoria & Franquias, 2019. Disponível em: https://www.inovafranquias.com.br/historia-das-franquias/. Acesso em: 27 set. 2023.
17História do Franchising. Mundo Franchising, 2017. Disponível em: http://mundodofranchising.blogspot.com/p/evolucao-do-sistema-de-franchising.html. Acesso em: 27 set. 2023.
18A história da primeira Rede de Franquia do Brasil. Cartório Postal, 2014. Disponível em: http://www.cartoriopostal.com.br/certidoes/noticia/193/a-historia-da-primeira-rede-de-franquia-do-brasil/. Acesso em: 02 out. 2023
19SOBRE o CCAA. Há 60 anos transformando vidas através do ensino de idiomas. CCAA, 2023. Disponível em: https://www.ccaa.com.br/sobre-o-ccaa/. Acesso em: 02 out. 2023
20A História das Franquias: Conheça a História das Franquias no Brasil e no Mundo. Inova Consultoria & Franquias, 2019. Disponível em: https://www.inovafranquias.com.br/historia-das-franquias/. Acesso em: 27 set. 2023.
21A História das Franquias: Conheça a História das Franquias no Brasil e no Mundo. Inova Consultoria & Franquias, 2019. Disponível em: https://www.inovafranquias.com.br/historia-das-franquias/. Acesso em: 27 set. 2023.
