*Por Bianca Gomes de Freitas
Introdução
As chamadas cláusulas de confidencialidade estão frequentemente presentes em contratos comerciais para proteger informações sensíveis, prevendo penalidades para casos de divulgação não autorizada. Essas cláusulas são amplamente utilizadas em contextos empresariais onde informações estratégicas e sensíveis são compartilhadas entre as partes envolvidas em uma relação jurídica específica. O objetivo principal dessas cláusulas é proteger informações confidenciais e segredos comerciais, estabelecendo obrigações e responsabilidades para evitar a divulgação não autorizada.
Contudo, a aplicação dessas cláusulas em litígios levanta questões complexas sobre o ônus da prova, a limitação de responsabilidade e os valores de indenização. Este artigo pretende explorar a interpretação majoritária da jurisprudência brasileira sobre esses pontos, oferecendo uma visão detalhada dos critérios e parâmetros adotados pelos tribunais.
Ônus da Prova em Cláusulas de Confidencialidade
Em casos que envolvem a violação de cláusulas de confidencialidade, o ônus da prova, como regra geral, recai sobre a parte que alega o descumprimento. De acordo com o artigo 373 do Código de Processo Civil brasileiro1, o ônus da prova cabe ao autor no que se refere ao fato constitutivo do seu direito. No contexto de cláusulas de confidencialidade, isso significa que a parte que alega a violação precisa demonstrar que houve divulgação indevida das informações protegidas.
A jurisprudência brasileira frequentemente confirma essa distribuição do ônus da prova. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que é responsabilidade do autor da ação comprovar a existência de um contrato válido, a presença da cláusula de confidencialidade e o efetivo vazamento das informações protegidas.2 Por outro lado, cabe ao réu demonstrar qualquer excludente de responsabilidade, como a divulgação de informações que já eram de domínio público ou que foram obtidas de outra fonte independente e legítima.
Ademais disso, a dificuldade em comprovar a violação da cláusula de confidencialidade pode ser atenuada pela inversão do ônus da prova, aplicável em situações específicas, como nos casos em que uma das partes tem maior facilidade para produzir a prova ou quando há indícios de má-fé. Todavia, essa inversão não é automática e depende de uma decisão judicial fundamentada.
Limitação de Responsabilidade nas Cláusulas de Confidencialidade
A limitação de responsabilidade é um elemento fundamental na interpretação das cláusulas de confidencialidade em contratos. Frequentemente, essas cláusulas contêm disposições que limitam a responsabilidade das partes por violações, exceto em casos de dolo ou má-fé. A jurisprudência brasileira tende a respeitar essas limitações, desde que estejam expressamente acordadas e não violem normas de ordem pública.
O STJ, em sua vasta jurisprudência, tem reiterado que a autonomia privada permite às partes estipularem cláusulas de limitação de responsabilidade em seus contratos, sendo essas cláusulas, em alguns casos, motivo para a tramitação do processo sob segredo de justiça.3 No entanto, essa limitação não pode ser usada para eximir uma parte de suas obrigações essenciais ou para proteger práticas fraudulentas ou ilícitas. Portanto, em casos de violação de cláusula de confidencialidade com dolo ou má-fé, a limitação de responsabilidade é geralmente considerada inválida.
Além disso, a jurisprudência destaca que a limitação de responsabilidade deve ser clara, específica e expressa. Cláusulas genéricas ou ambíguas são frequentemente interpretadas contra o próprio redator da cláusula, conforme o princípio contra proferentem, que favorece a parte que não redigiu o contrato. Dessa forma, para que a limitação de responsabilidade seja válida e aplicável, deve estar claramente definida no contrato.
Valores de Indenização por Violação de Cláusulas de Confidencialidade
A determinação dos valores de indenização por violação de cláusulas de confidencialidade é um tema bastante controverso. A jurisprudência brasileira adota diversos critérios para calcular os danos indenizáveis, considerando tanto os danos materiais quanto os morais sofridos pela parte prejudicada.
Nos casos de danos materiais, a indenização visa restaurar a parte lesada ao estado anterior à violação, cobrindo tanto as perdas efetivas quanto os lucros cessantes. A comprovação dos danos materiais requer uma demonstração clara e objetiva das perdas, que podem incluir a perda de contratos, clientes ou oportunidades de negócios devido à divulgação não autorizada de informações confidenciais.
Já os danos morais, embora mais subjetivos, também são reconhecidos pela jurisprudência, especialmente quando a violação da confidencialidade afeta a reputação ou imagem da parte lesada. O STJ, em diversos julgados, tem considerado que a divulgação indevida de informações confidenciais pode causar danos morais, principalmente quando envolve segredos comerciais que podem comprometer a posição competitiva da empresa no mercado.
Os valores de indenização por danos morais são estabelecidos com base na razoabilidade e proporcionalidade, visando evitar o enriquecimento sem causa. Os tribunais geralmente consideram fatores como a gravidade da violação, a extensão do dano e a conduta das partes envolvidas para apuração dos valores a serem indenizados.
Análise Comparativa e Tendências Jurisprudenciais
A análise da jurisprudência revela uma tendência de proteção à parte lesada pela violação de cláusulas de confidencialidade, reforçando a importância dessas cláusulas em contratos comerciais. Os tribunais brasileiros têm adotado uma postura rigorosa ao analisar as violações, especialmente quando envolvem práticas dolosas ou fraudulentas.
Há também uma crescente valorização da autonomia privada, permitindo que as partes negociem cláusulas de confidencialidade que atendam às suas necessidades específicas, desde que respeitadas as normas imperativas e a boa-fé objetiva. No entanto, os tribunais permanecem vigilantes para evitar abusos e garantir que as cláusulas de limitação de responsabilidade não sejam utilizadas para justificar comportamentos ilícitos.
Uma tendência observada na jurisprudência recente é a maior valorização da prova digital, considerando o crescente uso de tecnologias de informação e comunicação. Provas digitais, como e-mails, registros de acesso e logs de sistemas, têm se mostrado essenciais para demonstrar tanto a violação quanto a ausência de responsabilidade em casos de disputa sobre cláusulas de confidencialidade.
Conclusão
Diante desse panorama, as cláusulas de confidencialidade desempenham um papel crucial na proteção de informações sensíveis em contratos comerciais, e a jurisprudência brasileira tem evoluído para fornecer diretrizes claras sobre o ônus da prova, limitação de responsabilidade e valores de indenização. O entendimento majoritário dos tribunais reflete um equilíbrio entre proteger os direitos da parte lesada e respeitar a autonomia contratual, garantindo que as cláusulas de confidencialidade sejam aplicadas de maneira justa e eficiente.
Por isso, é fundamental a consulta a um profissional experiente e de confiança, para que, durante o percurso de uma empresa, os riscos sejam minimizados por meio de um assessoramento competente. Para aqueles que desejam aprofundar seus conhecimentos sobre contratos e suas cláusulas, a Caputo Duarte Advogados convida à leitura dos demais artigos disponíveis em seu blog e redes sociais, além de estar sempre à disposição para uma conversa mais detalhada sobre quaisquer dúvidas.
*Bianca Gomes de Freitas – Estagiária da Caputo Duarte Advogados, Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Sorocaba, medalhista em olimpíadas de conhecimento, ex-estagiária em órgãos públicos e escritórios de advocacia com foco nas áreas: empresarial, cível, minerária, saúde, previdenciária entre outros.
Referências
1Brasil. Código de Processo Civil (CPC), Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.
2BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Titular de dados vazados deve comprovar dano efetivo ao buscar indenização, decide Segunda Turma. Superior Tribunal de Justiça, 17 mar. 2023. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/170320 23-Titular-de-dados-vazados-deve-comprovar-dano-efetivo-ao-buscar-indenizacao–decide-e gunda-Turma.aspx. Acesso em: 27 ago. 2024.
3BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão do Recurso Especial nº 2008/00654880. Superior Tribunal de Justiça, 17 ago. 2015. Disponível em: https://www.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=1426704&tipo=0&nreg=200800654880&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20150817&formato=PDF&salvar=false. Acesso em: 27 ago. 2024.