Por Alexandre Caputo*
Os incentivos fiscais representam uma ferramenta fundamental para impulsionar a inovação e o desenvolvimento tecnológico no Brasil, especialmente nos setores de tecnologia e games. A Lei do Bem (Lei 11.196/05) se destaca como um dos principais mecanismos de apoio às empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento (P&D).
Antes de tudo: o que é a Lei do Bem?
A Lei do Bem foi criada em 2005 com o objetivo de incentivar investimentos em inovação tecnológica por parte das empresas brasileiras. Ela oferece benefícios fiscais para empresas que realizam atividades de P&D, permitindo uma redução significativa na carga tributária.
Como utilizar a Lei do Bem?
A fruição dos benefícios, para realização de atividades PD&I pelas empresas, é autodeclaratória, não sendo, assim, necessária a obtenção de aprovação prévia. No entanto, a empresa deverá prestar, em meio eletrônico, até 31 de julho do ano subsequente ao ano de fruição, as informações sobre os programas de P&D tecnológico que foram desenvolvidos através do preenchimento de formulário específico com os detalhes do projeto de PD&I.
Essas informações deverão constar de um projeto de PD&I com controle analítico dos custos e despesas integrantes de cada projeto incentivado e, para tanto, a empresa deverá utilizar critérios uniformes e consistentes ao longo do tempo, registrando de forma detalhada e individualizada os dispêndios, esmiuçando, inclusive: horas dedicadas, trabalhos desenvolvidos e os respectivos custos de cada pesquisador ou funcionário de apoio técnico, por cada projeto incentivado.
O MCTI é o órgão responsável pelo recebimento dessas informações e pela análise dos projetos. Recebidas as informações relativas aos projetos submetidos, o Ministério poderá solicitar maiores esclarecimentos, para efeito de aferição do real enquadramento do projeto na Lei do Bem.
Caso, mesmo após o fornecimento de informações e esclarecimentos complementares,competirá ao órgão ministerial decidir pela não aprovação, pela aprovação parcial ou integral do projeto, cabendo eventual recurso pela empresa solicitante.
O que pode ser apoiado?
As atividades de P&D não precisam se relacionar necessariamente à atividade fim da empresa, bastando que sejam classificadas como:
Pesquisa básica dirigida: trabalhos executados com o objetivo de adquirir conhecimentos quanto à compreensão de novos fenômenos, com vistas ao desenvolvimento de produtos, processos ou sistemas inovadores;
Pesquisa aplicada: trabalhos executados com o objetivo de adquirir novos conhecimentos, com vistas ao desenvolvimento ou aprimoramento de produtos, processos e sistemas;
Desenvolvimento experimental: trabalhos sistemáticos delineados a partir de conhecimentos pré-existentes, visando à comprovação ou à demonstração da viabilidade técnica ou funcional de novos produtos, processos, sistemas e serviços ou, ainda, evidente aperfeiçoamento dos já produzidos ou estabelecidos;
Atividades de tecnologia industrial básica: como exemplos, a aferição e a calibração de máquinas e equipamentos, o projeto e a confecção de instrumentos de medida específicos, a certificação de conformidade – inclusive os ensaios correspondentes -, a normalização ou a documentação técnica gerada e o patenteamento do produto ou processo desenvolvido;
Serviços de apoio técnico: aqueles indispensáveis à implantação e à manutenção das instalações ou dos equipamentos destinados exclusivamente à execução dos projetos de pesquisa, desenvolvimento ou inovação tecnológica, bem como à capacitação dos recursos humanos a eles dedicados.
Para a “Lei do Bem”, a conceituação de inovação tecnológica toma como referência o Manual de Frascati1, já que o Manual de Oslo2 traz conceitos mais abrangentes de inovação.
Vale destacar que não é a inovação em si que é objeto dos benefícios fiscais previstos na citada Lei, e sim a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico (pesquisa básica dirigida, pesquisa aplicada e desenvolvimento experimental); ou seja, atividades por meio das quais busca-se a aquisição de novos conhecimentos, submetendo-se a riscos tecnológicos. Portanto, não se trata simplesmente de compra ou encomenda de tecnologia.
Requisitos básicos para utilizar a Lei do Bem:
A Lei do Bem pode ser utilizada por empresas inseridas em todos os segmentos econômicos, desde que elas atendam aos seguintes requisitos:
• Realizem gastos e investimentos em atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica (PD&I).
• Sejam tributadas pelo regime do Lucro Real.
• Tenham auferido lucro no período que pretendam se utilizar do benefício.
• Comprovem regularidade fiscal.
• No caso do incentivo de que trata o art. 19-A da Lei do Bem, tenham projeto aprovado pela CAPES, conforme disposições contidas no Decreto nº 6.260/2007.
Além disso, as empresas em Zonas de Processamento de Exportação (ZPE), por meio do inciso V do § 4º do art. 18 da Lei nº 11.508, de 20 de julho de 2007, também podem ser beneficiadas pelos incentivos previstos na Lei do Bem, conforme citado no Art. 17 da Instrução Normativa RFB nº 1.187/2011, desde que observados os requisitos acima.
Principais Benefícios para as empresas que investirem em Startups e Estúdios de Games através da Lei do Bem:
A empresa poderá optar entre os incentivos originais da “Lei do Bem” e os do art. 19-A3, introduzidos pela Lei nº 11.487, de 15 de junho de 2007, regulamentada pelo Decreto nº 6.260, de 20 de novembro de 2007.
O benefício desta legislação consiste na exclusão, para efeito de apuração do IRPJ e da CSLL, de, no mínimo, a metade e, no máximo, duas vezes e meia o valor dos dispêndios efetuados em projetos de pesquisa e científica e tecnológica e de inovação tecnológica a ser executado por Instituição Científica e Tecnológica–ICT. A Lei nº 10.973/2004 trata de financiamento pelas empresas de projetos de pesquisa de Instituições Científicas e Tecnológicas – ICTs, previamente aprovados por Comitê permanente (MEC, MCTIC e MDIC). Em tais casos, os projetos de pesquisa das ICTs devem ser apresentados ao MEC (CAPES) para aprovação.
Os benefícios e incentivos fiscais da utilização da Lei do Bem estão listados a partir do artigo 17º ao 21º, dentre os quais destacam-se:
dedução, na apuração do Imposto de Renda devido, dos dispêndios com P&D, inclusive aqueles com instituições de pesquisa, universidades ou inventores independentes;
exclusão, na determinação do lucro real para cálculo do IRPJ e da base de cálculo da CSLL, do valor correspondente a até 60% da soma dos dispêndios efetuados com P&D. Este percentual poderá atingir 70% em função do acréscimo de até 5% no número de empregados que forem contratados exclusivamente para atividades de P&D; e 80%, no caso deste aumento ser superior a 5%;
exclusão de 20% do total dos dispêndios efetuados em P&D objeto de patente concedida ou cultivar registrado;
redução de 50% de IPI na compra de equipamentos (nacionais ou importados) destinados a P&D;
depreciação imediata dos equipamentos comprados para P&D;
amortização acelerada dos dispêndios para aquisição de bens intangíveis para P&D;
redução a zero da alíquota do imposto de renda retido na fonte nas remessas efetuadas para o exterior destinadas ao registro e à manutenção de marcas, patentes e cultivares;
dedução, como despesas operacionais no cálculo do IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, dos valores transferidos a microempresas e empresas de pequeno porte, destinados à execução de P&D, de interesse e por conta da pessoa jurídica que promoveu a transferência.
Como as empresas podem se beneficiar da Lei do Bem para investir em Startups e Estúdios de Games:
Para aproveitar os benefícios da Lei do Bem, as empresas que investirem em Startups e Estúdios de Games precisam seguir um passo a passo específico:
Modelo de Investimento Corporativo
Para maximizar os benefícios fiscais, as empresas investidoras podem estruturar seus investimentos através de:
Corporate Venture Capital (CVC)
Criação de veículo de investimento em startups de games;
Estruturação de programas de aceleração corporativa; e
Estabelecimento de parcerias estratégicas com estúdios de desenvolvimento.
Joint Ventures
Desenvolvimento conjunto de projetos de P&D;
Compartilhamento de recursos e infraestrutura; e
Colaboração em projetos específicos de inovação.
Estruturação do Projeto de P&D
Para que os investimentos sejam elegíveis aos benefícios da Lei do Bem, os projetos devem:
b.1) Caracterizar Inovação Tecnológica
i) Representar avanço em relação ao estado da arte
ii) Envolver risco tecnológico
iii) Buscar soluções para problemas específicos
b.2) Demonstrar Metodologia Científica
i) Utilizar métodos sistemáticos de desenvolvimento
ii) Realizar testes e validações
iii) Documentar resultados e descobertas
b.3) Objetivo do desenvolvimento tecnológico;
i) Metodologia utilizada;
ii) Recursos necessários;
iii) Riscos tecnológicos envolvidos;
iv) Capacitação técnica da equipe
b.4) Documentação e Controles
i) Relatórios técnicos detalhados;
ii) Controle de horas da equipe;
iii) Documentação fiscal organizada; e
iv) Comprovantes de despesas relacionadas ao projeto.
b.5) Prestação de Contas Anual:
i) Preencher o FORMPD (formulário específico do MCTI). O FORMPD fica ativo para preenchimento até 31 de julho de cada ano no site: https://forms.mctic.gov.br/;
ii) Submeter relatório detalhado das atividades; e
iii) Comprovar os gastos realizados.
Dicas Práticas para empresas aproveitarem os Benefícios
a) Planejamento Tributário
a.1) Realize um estudo de viabilidade para migração ao Lucro Real (caso a empresa ainda não seja aderente a esse regime tributário);
a.2) Calcule o impacto financeiro dos benefícios fiscais;
a.3) Avalie o custo-benefício da estruturação necessária.
b) Estruturação de Projetos
b.1) Documente claramente os aspectos inovadores;
b.2) Mantenha registros detalhados do processo de desenvolvimento;
b.3) Estabeleça métricas de acompanhamento.
c) Compliance e Governança
c.1) Implemente sistemas de controle de horas;
c.2) Mantenha documentação organizada e atualizada;
c.3) Realize auditorias internas periódicas.
Considerações Finais
A Lei do Bem representa uma oportunidade significativa para empresas do setor de games e startups reduzirem sua carga tributária enquanto investem em inovação. No entanto, é fundamental contar com assessoria jurídica e contábil especializada para estruturar corretamente os projetos e garantir o cumprimento de todos os requisitos legais para extrair todos os benefícios decorrentes da lei.
O planejamento adequado e a documentação criteriosa são essenciais para o sucesso na utilização destes benefícios fiscais. Quanto maior o investimento em P&D, maiores serão os ganhos práticos obtidos por meio da Lei do Bem, criando um ciclo virtuoso de inovação e desenvolvimento tecnológico.
*Alexandre Caputo, advogado, OAB/RS 93.651, sócio do escritório Caputo Duarte Advogados; MBA em Venture Capital, Private Equity e Investimentos em Startups pela FGV; Pós-graduado em Direito Societário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Contratos, Direito Imobiliário e Responsabilidade Civil pela PUCRS; Pós-graduado em Direito Público pelo IDC; Vice Presidente da Associação Gaúcha de Startups (AGS); Palestrante em direito, tecnologia e inovação; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores. Linkedin:
Referências
1Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único – Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
3Art. 19-A. A pessoa jurídica poderá excluir do lucro líquido, para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), os dispêndios efetivados em projeto de pesquisa científica e tecnológica e de inovação tecnológica a ser executado por Instituição Científica e Tecnológica (ICT), a que se refere o inciso V do caput do art. 2º da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004 , ou por entidades científicas e tecnológicas privadas, sem fins lucrativos, conforme regulamento. (Redação dada pela Lei nº 12.546, de 2011)
§ 1º A exclusão de que trata o caput deste artigo: (Incluído pela Lei nº 11.487, de 2007)
I – corresponderá, à opção da pessoa jurídica, a no mínimo a metade e no máximo duas vezes e meia o valor dos dispêndios efetuados, observado o disposto nos §§ 6º , 7º e 8º deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.487, de 2007)
II – deverá ser realizada no período de apuração em que os recursos forem efetivamente despendidos; (Incluído pela Lei nº 11.487, de 2007)
III – fica limitada ao valor do lucro real e da base de cálculo da CSLL antes da própria exclusão, vedado o aproveitamento de eventual excesso em período de apuração posterior. (Incluído pela Lei nº 11.487, de 2007)
§ 2º O disposto no caput deste artigo somente se aplica às pessoas jurídicas sujeitas ao regime de tributação com base no lucro real. (Incluído pela Lei nº 11.487, de 2007)
§ 3º Deverão ser adicionados na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL os dispêndios de que trata o caput deste artigo, registrados como despesa ou custo operacional. (Incluído pela Lei nº 11.487, de 2007)
§ 4º As adições de que trata o § 3º deste artigo serão proporcionais ao valor das exclusões referidas no § 1º deste artigo, quando estas forem inferiores a 100% (cem por cento). (Incluído pela Lei nº 11.487, de 2007)
§ 5º Os valores dos dispêndios serão creditados em conta corrente bancária mantida em instituição financeira oficial federal, aberta diretamente em nome da ICT, vinculada à execução do projeto e movimentada para esse único fim. (Incluído pela Lei nº 11.487, de 2007)
§ 6º A participação da pessoa jurídica na titularidade dos direitos sobre a criação e a propriedade industrial e intelectual gerada por um projeto corresponderá à razão entre a diferença do valor despendido pela pessoa jurídica e do valor do efetivo benefício fiscal utilizado, de um lado, e o valor total do projeto, de outro, cabendo à ICT a parte remanescente. (Incluído pela Lei nº 11.487, de 2007)
§ 7º A transferência de tecnologia, o licenciamento para outorga de direitos de uso e a exploração ou a prestação de serviços podem ser objeto de contrato entre a pessoa jurídica e a ICT, na forma da legislação, observados os direitos de cada parte, nos termos dos §§ 6º e 8º , ambos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.487, de 2007)
§ 8º Somente poderão receber recursos na forma do caput deste artigo projetos apresentados pela ICT previamente aprovados por comitê permanente de acompanhamento de ações de pesquisa científica e tecnológica e de inovação tecnológica, constituído por representantes do Ministério da Ciência e Tecnologia, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e do Ministério da Educação, na forma do regulamento. (Incluído pela Lei nº 11.487, de 2007)
§ 9º O recurso recebido na forma do caput deste artigo constitui receita própria da ICT beneficiária, para todos os efeitos legais, conforme disposto no art. 18 da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004. (Incluído pela Lei nº 11.487, de 2007)
§ 10. Aplica-se ao disposto neste artigo, no que couber, a Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, especialmente os seus arts. 6º a 18. (Incluído pela Lei nº 11.487, de 2007)
§ 11. O incentivo fiscal de que trata este artigo não pode ser cumulado com o regime de incentivos fiscais à pesquisa tecnológica e à inovação tecnológica, previsto nos arts. 17 e 19 desta Lei, nem com a dedução a que se refere o inciso II do § 2º do art. 13 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, relativamente a projetos desenvolvidos pela ICT com recursos despendidos na forma do caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.487, de 2007)
§ 12. O Poder Executivo regulamentará este artigo. (Incluído pela Lei nº 11.487, de 2007)
O que é a Lei do Bem. Disponível em https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/lei-do-bem/paginas/o-que-e-a-lei-do-bem
Perguntas Frequentes sobre a Lei do Bem. Disponível em https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/lei-do-bem/paginas/perguntas-frequentes
Guia prático da lei do bem. https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/lei-do-bem/arquivo/pdf/GuiaPraticodaLeidoBem2020MCTI.pdf