Microtransações e Loot Boxes no Universo dos Games – Uma visão geral

Sumário

Nathally Taylor Reis*

 

As microtransações e as loot boxes, também conhecidas como caixas de recompensa, são mecanismos comumente usados no setor de jogos para gerar receita adicional ou também para aprimorar a experiência do jogador. Para entender a importância dessas ferramentas na ‘economia’ dos games, vamos descobrir o que são cada um desses termos e como funcionam na prática.

As microtransações se tornaram cada vez mais comuns na indústria de jogos online nos últimos anos e, resumidamente, podem ser definidas como sendo todas as compras feitas pelo usuário dentro de um jogo, geralmente por meio de compras digitais. 

Esse mecanismo se tornou popular entre os desenvolvedores e editoras de jogos, pois oferece uma forma de monetização além do preço inicial de compra. Ainda, muitos jogos online são gratuitos para jogar (free-to-play), então as microtransações são uma maneira de gerar receita para sustentar e desenvolver continuamente o jogo. Sendo assim, ele é um grande responsável pelos faturamentos elevados dos jogos atuais, por estar presente nos modelos de monetização da maioria dos jogos.1

Essas transações costumam envolver a compra de bens virtuais ou de moeda do jogo, utilizando-se de dinheiro real para isso. Além disso, elas permitem aos jogadores adquirir conteúdos adicionais, melhorias, itens estéticos (como skins de personagens, vestimentas e visuais de armas) ou outros benefícios que podem melhorar a experiência do usuário no jogo. 

Geralmente, essas compras são opcionais e têm o objetivo de oferecer aos jogadores fatores adicionais de personalização ou ainda com a função de acelerar o progresso do jogador no game.

 

Espécies de microtransações:

a) DLC: também conhecido como “Downloadable Content” ou “conteúdo extra por download”, em que há a expansão de novos conteúdos, como fases extras e/ou novos personagens para o jogo, com a finalidade de ampliar a experiência e engajar os usuários.2

b) Compras de itens estéticos: Os jogadores podem comprar skins, roupas, acessórios ou outros itens que não afetam diretamente a jogabilidade, mas permitem personalizar a aparência do personagem.

c) Itens in-game: Muitos jogos oferecem expansões, pacotes de missões, mapas extras ou outros conteúdos que podem ser comprados separadamente para estender a experiência de jogo.

d) Compras de vantagens competitivas: Em alguns jogos, os jogadores podem adquirir itens ou melhorias que fornecem uma vantagem competitiva sobre outros jogadores. Isso pode gerar controvérsias quando essas compras desequilibram a jogabilidade e criam uma “pay-to-win” (‘pague para vencer’) situação, conforme veremos a seguir.

e) Moedas in-game ou Tempo adicional: Alguns jogos oferecem a opção de comprar recursos, moeda do jogo ou outros itens que podem acelerar o progresso do jogador. Isso é especialmente comum em jogos mobile, no qual os jogadores podem gastar dinheiro real para evitar longos períodos de espera para que o jogo recarregue uma determinada função.

Todavia, embora as microtransações possuírem a finalidade de melhorar a experiência para alguns jogadores, elas têm sido objeto de controvérsia em razão da sua utilidade em algumas plataformas de jogos. Dentro do grande “guarda-chuva” conceitual de microtransações, muitas das polêmicas são destinadas às loot boxes e o motivo explicamos abaixo.

 

Loot boxes:

As loot boxes ou “caixas de recompensa”, em tradução livre, geralmente são usados para definir caixas ou baús eletrônicos que premiam itens aleatórios dentro de jogos, podendo ou não ajudar quem está no controle.3

Essas caixas contêm itens, recompensas ou bens virtuais aleatórios, que podem variar em raridade ou valor. Os jogadores geralmente gastam a moeda do jogo ou dinheiro real para adquirir caixas e, ao abri-las, recebem uma variedade aleatória de itens virtuais.

Ainda, como maneira de monetizar esses produtos, as produtoras dos jogos inseriram essa função para também fazer com que jogadores voltem todos os dias.4

A loot box trata-se de uma mecânica de microtransações inserida nos jogos eletrônicos e garantem que sejam fornecidas recompensas aleatórias em jogos. Elas podem ser compradas com moedas específicas de jogos, ganhas através de critérios variados como subir de nível ou, ainda, serem compradas com dinheiro real.5

Assim como as microtransações, as loot boxes também geram controvérsia dentro da comunidade gamer, tendo em vista que, ao comprar uma caixa, existe apenas reduzidas chances de ganhar um item raro desejado, sendo, em verdade, muito mais rotineiro receber tão somente um item comum cosmético que não é pretendido pelo usuário. Logo, há um caráter evidente de aleatoriedade em tais caixas, o que justificará muitas das críticas feitas, como veremos a seguir. 

Essa realidade abre espaço para que alguns usuários critiquem práticas que podem ser consideradas abusivas em parte dos games, como forçar o jogador a gastar dinheiro para ter uma melhor performance dentro de um jogo ou render poucas caixas gratuitas aos jogadores com o passar do tempo.

Além disso, alguns países já declararam posições formais proibindo as loot boxes, como é o caso da Bélgica, pioneira a banir do seu território essa prática, incluindo no jogo FIFA, da Electronic Arts (EA)6. Logo em seguida, a Holanda também baniu as loot boxes, e a Alemanha definiu uma regra de classificação etária para maiores de 18 anos para o game sempre que houver a presença de loot boxes nele.7

A natureza aleatória dessas caixas gerou debates sobre se elas constituem uma forma de jogo de azar.8 Alguns argumentam que a incerteza e o potencial de itens valiosos criam um elemento viciante e explorador, principalmente quando há dinheiro real envolvido, levando a uma análise regulatória em alguns países, sendo discutida inclusive aqui no Brasil.9

No Brasil, em 2021, a Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) ajuizou sete ações judiciais contra empresas do mercado de videogames, justamente por poderem caracterizar uma prática de jogos de azar. 10

A promotora de justiça Luisa de Marillac Xavier dos Passos, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), afirmou que as empresas são responsáveis pelos usuários quando permitem o acesso de menores de idade aos games que usam esse tipo de mecanismo.11

Inclusive, ainda este ano, foi lançada uma Nota Técnica CIJDF nº 9/2023, do TJDFT, sobre o tema das loot boxes e sua (in)adequação quanto à legislação brasileira.12 Além disso, também foram emitidas posições institucionais da AGU e do Conselho de Psicologia sobre o tema.13 Todavia, apesar das incertezas em relação ao futuro desse mecanismo, não há, por enquanto no Brasil, qualquer legislação ou decreto formalmente contrário a essas práticas até o momento.

Para lidar com as preocupações, alguns desenvolvedores de jogos introduziram medidas como a divulgação das chances de obter itens específicos das caixas de saque ou a implementação de sistemas que permitem que os jogadores comprem diretamente os itens desejados sem depender da aleatoriedade. Todavia, o seu futuro é incerto, tendo em vista que em diversos países foi determinado que empresas removessem loot boxes de seus jogos ou ainda acabassem com as transações envolvendo dinheiro real.14

É importante observar que as práticas do setor de jogos em relação a microtransações e loot boxes evoluíram ao longo do tempo, o que gera debates contínuos sobre seu impacto nos jogadores, na justiça e na ética. Os desenvolvedores de jogos estão sempre se esforçando para encontrar um equilíbrio entre monetização e satisfação do jogador, ao mesmo tempo em que consideram as possíveis implicações regulatórias e éticas.

 

Problemas decorrentes das microtransações dentro dos jogos:

Ainda, podem existir diversos problemas associados às microtransações em jogos, como no caso em que alguns players argumentam que as microtransações podem criar uma dinâmica de Pay to Win – ou seja, pagar para ganhar -, em que os jogadores que gastam mais dinheiro obtêm uma vantagem significativa sobre aqueles que não o fazem.  Assim, os jogadores que estão dispostos a gastar mais dinheiro têm uma vantagem injusta sobre aqueles que não podem ou não querem investir dinheiro adicional. 

Alguns jogos projetam suas mecânicas em torno das microtransações, buscando incentivar os jogadores a gastarem mais dinheiro. Isso pode incluir mecanismos de recompensa aleatória, como é o caso das loot boxes citadas anteriormente, ou ainda pelas ofertas limitadas no tempo ou manipulação psicológica para criar um senso de urgência e impulsionar as compras. 

A falta de transparência em torno das microtransações também pode ser um problema. Os jogadores podem não ter uma compreensão clara do que estão comprando, como as compras afetam o equilíbrio do jogo ou quais são suas chances de obter determinados itens em sistemas de recompensa aleatória, como as loot boxes.

 

Microtransações nem sempre são pequenas compras:

Recentemente, viralizou um trecho de uma live no qual um streamer famoso protagonizou um momento caótico ao adquirir um item no jogo Roblox.15

Isso porque esse streamer, o criador de conteúdo chamado Darren “IShowSpeed” Watkins, estava jogando na plataforma Roblox, quando deparou-se com os itens dentro do game e decidiu pedir aos seus espectadores que lhe enviassem os mais raros. Aparentemente, o jovem apenas pretendia enganar seu público, fazendo-os acreditar que ele realmente compraria um desses itens por uma quantia significativa de dinheiro.

Todavia, um espectador chamou sua atenção para um chapéu especial: o “Midnight Blue Sparkle Time Fedora”, que possui o valor de 14 milhões de Robux (moeda digital do universo Roblox), equivalente a cerca de 143 mil libras esterlinas (aproximadamente R$ 850 mil na cotação atual).

O streamer acreditava que, após a plataforma perguntar sobre a compra do item, seria solicitada uma confirmação adicional, o que não ocorreu. Assim, ele recebeu apenas uma mensagem informando que a transação de compra foi concluída. Como IShowSpeed não pretendia realizar a compra, ficou em estado de negação e queria realizar o reembolso, em razão do alto valor do item.

Porém, até o momento, não existe a opção de reembolso no Roblox. Sendo assim, ao streamer restou apenas a opção de revender o chapéu, cujo valor atual é de, aproximadamente, 4 milhões de Robux, em média, ou seja, quase 4 (quatro) vezes menos do que o valor despendido para adquiri-lo.

 

Considerações finais:

Apesar da controvérsia, é importante destacar que nem todas as microtransações são consideradas negativas, pois muitos jogadores estão dispostos a gastar dinheiro em jogos que eles gostam e veem valor nas compras que fazem. Além disso, as microtransações podem permitir que os desenvolvedores ofereçam suporte contínuo, atualizações regulares e novos conteúdos para os jogadores sem cobrar por pacotes de expansão tradicionais.

No entanto, como visto, a presença de microtransações também tem gerado preocupações e críticas. Algumas pessoas argumentam que as microtransações podem criar um ambiente de jogo desigual, onde aqueles com mais dinheiro têm uma vantagem injusta. Além disso, há casos em que jogos foram projetados para incentivar as microtransações, tornando a progressão no jogo muito lenta ou difícil para encorajar os jogadores a gastarem dinheiro real.

Os reguladores em alguns países, como é o caso da Bélgica, Holanda e Alemanha, têm investigado a questão das microtransações, especialmente quando envolvem jogadores mais jovens, devido a preocupações com o vício em jogos e o impacto financeiro em jogadores vulneráveis.

Em resposta às críticas, alguns desenvolvedores têm adotado abordagens mais equilibradas e éticas em relação às microtransações e, para atenderem a essa demanda, buscam oferecer itens puramente estéticos ou itens que não conferem uma vantagem significativa.

 


1 SILVA, Carlos. O que são as Microtransações dentro dos Jogos Digitais? GoGamers, 2021. Disponível em: https://gogamers.gg/gamepedia/o-que-sao-microtransacoes/. Acesso em 06 de junho de 2023.

2 SILVA, Carlos. Ibid.

3 VINHA, Felipe. O que são loot boxes? Entenda a polêmica dos games. TechTudo, 2017. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2017/11/o-que-sao-loot-boxes-entenda-a-polemica-dos-games.ghtml. Acesso em: 06 de junho de 2023.

4 INHA, Felipe. Ibid.

5 LEONARDO, André. O que é loot box? [vício, polêmicas e proibição]. TecnoBlog, 2021. Disponível em: https://tecnoblog.net/responde/o-que-e-loot-box-vicio-polemicas-e-proibicao/. Acesso em 08 de junho de 2023.

6 CAETANO, Ricardo. Após polêmica mundial, FIFA Points deixam de ser vendidos na Bélgica. ESPN, 2019. Disponível em: https://www.espn.com.br/esports/artigo/_/id/5222248/apos-polemica-mundial-fifa-points-deixam-de-ser-vendidos-na-belgica. Acesso em 09 de junho de 2023.

7 CAETANO, Ricardo. Como a Inglaterra, Bélgica e Alemanha lidam com os problemas trazidos pelos loot boxes em games. ESPN, 2021. Disponível em: https://www.espn.com.br/esports/artigo/_/id/8517963/como-a-inglaterra-belgica-e-alemanha-lidam-com-os-problemas-trazidos-pelos-loot-boxes-em-games. Acesso em 09 de junho de 2023.

8 HENRIQUE, Arthur. Ministério Público aceita abrir processo para banir vendas de loot boxes. Olhar Digital, 2021. Disponível em: https://olhardigital.com.br/2021/04/06/games-e-consoles/ministerio-publico-loot-boxes/. Acesso em 07 de junho de 2023.

9 LOPES, Fábio Juliate. ‘Loot Boxes’ podem ser proibidas no Brasil. JusBrasil, 2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/loot-boxes-podem-ser-proibidas-no-brasil/1181317375. Acesso em 07 de junho de 2023.

10 TUNHOLI, Murilo. Ação judicial para banir loot boxes no Brasil tem apoio do Ministério Público. TecnoBlob, 2021. Disponível em: https://tecnoblog.net/noticias/2021/04/06/acao-judicial-para-banir-loot-boxes-no-brasil-tem-apoio-do-ministerio-publico/. Acesso em 07 de junho de 2023.

11 LEONARDO, André. Op. Cit.

12 TJDFT. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/notas-tecnicas/nt_loot_boxes_-aprovada.pdf. Acesso em 09 de junho de 2023.

13 POSSA, Julia. AGU se junta a entidades para proibir prática de “loot boxes” nos games. Gizmodo, 2023. Disponível em: https://gizmodo.uol.com.br/agu-se-junta-a-entidades-para-proibir-pratica-de-loot-boxes-nos-games/. Acesso em 09 de junho de 2023.

14 LEONARDO, André. Op. Cit.

15 MACHADO, Bruna. Youtuber surta após gastar ‘sem querer’ mais de R$ 850 mil em chapéu digital. Multiverso Notícias, 2023. Disponível em: https://multiversonoticias.com.br/youtuber-r-850-mil-em-chapeu-digital/. Acesso em 07 de junho de 2023.


 

*Nathally Taylor Reis, estudante da Escola de Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUCRS). Atuação em projetos de desenvolvimento do programa e mentoria de startups no Tecnopuc, como Startup Garage e TecnopucLaw, iniciativa da escola de direito para auxílio aos empreendedores nas suas questões jurídicas. Atualmente, estagiária Caputo Advogados Associados, assessoria empresarial especializada em startups e estúdios de games.

Está gostando do conteúdo? Compartilhe !

error: Content is protected !!