O que é Contrato de Cessão de Quotas de Sociedade Limitada?

Cessão de Quotas - Caputo Advogados

Sumário

Por Rafael Duarte*

 

Como explicado na publicação relativa ao direito de retirada de sócio, é possível que determinada desavença entre os founders torne insustentável a continuidade da startup com a composição societária original. Isto é, por conta desses litígios internos, dois ou mais sócios passam a não mais poder conviver, cenário que, enquanto não encontrada uma solução, poderá impactar negativamente na condução da empresa, levando-a, potencialmente, ao encerramento de suas atividades. Aproveitamos para relembrar, também, as publicações sobre as deadlock provisions, igualmente fundamentais para resolver casos de impasse: Importância das Deadlock Provisions para a solução de Conflitos Societários e as Deadlock Provisions mais consolidadas no Universo Societário.

Ocorre que, em alguns casos, a saída do sócio pode se dar de modo amistoso, sem que sirva de palco para grandes conflitos ou danos causados à condução da startup. Imagine, por exemplo, que um dos founders, por conta da sua produção acadêmica ou notoriedade no mercado, foi contatado por uma multinacional, com uma proposta salarial irrecusável, mas com exigência categórica de dedicação exclusiva (full-time). Neste cenário, pode este sócio apresentar a situação aos seus parceiros para ajustarem, em conjunto, uma saída pacífica e favorável para a sociedade.

Na publicação sobre o direito de retirada de sócio, vimos que, caso o contrato social não preveja outra forma de ressarcimento do sócio retirante pelo valor das suas quotas, será contado o prazo de 60 dias de antecedência mínima de notificação aos demais sócios (art. 1.029, caput, do Código Civil1) e, então, será feita a liquidação da sociedade em relação ao sócio que está saindo com base em balanço contábil específico (art. 1.031, caput, do Código Civil2). Realizada a liquidação, as quotas do sócio retirante deverão ser pagas, em dinheiro, no prazo de 90 dias (art. 1.031, § 2º, do Código Civil), salvo ajuste em sentido contrário. Isso significa, na prática, que a sociedade vai sofrer uma redução do capital social, porque as quotas do sócio que está se retirando não mais existirão.

É evidente, portanto, que isso pode acarretar drenagem de recursos cruciais à startup, especialmente em fases ainda iniciais, embrionárias do desenvolvimento da empresa, em que cada centavo conta. Justamente por conta disso, se todos os sócios estiverem de acordo, é possível que, em vez do exercício do direito de retirada, seja ajustada a cessão onerosa das quotas do sócio que sairá da startup.

A cessão poderá ocorrer de duas formas: a) cessão em favor de outro sócio; e b) cessão em favor de terceiro.

  1. a) Cessão em favor de outro sócio – Se a cessão for para outro sócio, o Código Civil prevê que, se o contrato social nada dispuser sobre, o sócio poderá ceder total ou parcialmente sua participação societária, sem precisar de qualquer autorização dos demais sócios. Isto é, se o cessionário (o “comprador” das cotas) for outro sócio, basta a assinatura do acordo, com ajuste das condições e, então, levar o instrumento para ser arquivado na Junta Comercial. 
  2. b) Cessão em favor de terceiro – Por outro lado, se o cessionário for um terceiro estranho à sociedade, o Código Civil exige a anuência expressa de, pelo menos, 3/4 (75%) do capital social, salvo previsão diversa no contrato social. Trata-se de um desdobramento natural da natureza pessoal (intuitu personae) da sociedade limitada, em que prepondera o fator subjetivo. Logo, considerando que os “atributos individuais do adquirente dessa participação podem interferir na realização do objeto social, é justo e racional que o seu ingresso na sociedade fique condicionado à aceitação dos outros sócios, cujos interesses podem ser afetados.3

Para formalizar a transferência, entende-se desnecessária a alteração do contrato social, sendo suficiente, portanto, a averbação do instrumento de cessão de quotas4, conforme determinado no item 4.4.2 da Seção IV do Manual de Registro da Sociedade Limitada do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração5. Contudo, quando os sócios remanescentes pretenderem promover nova alteração contratual, será necessário consolidar o Contrato Social, prevendo-se, expressamente, o novo quadro societário (sem o sócio cedente), conforme nota II do item 4.4.2. da Seção IV do Manual. 

Caso seja exigida autorização expressa dos sócios (ex.: cessão para terceiros), a autorização poderá ou constar do próprio instrumento de cessão de quotas, ou de ata de reunião/assembleia, em que conste referida anuência consoante o quórum previsto no contrato social ou o quórum exigido em lei (75% do capital votante).

Como inovação, convém expressar que, no caso da startup que optar expressamente pela regência supletiva das normas aplicáveis às Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/1976), a própria empresa poderá adquirir as quotas, a serem lançadas como quotas em tesouraria, com base na nota I do item 4.4. da Seção IV do Manual.

Por fim, é preciso atentar-se para o período de responsabilização conjunta do sócio cedente, que, conforme os arts. 1.003, parágrafo único, e 1.057, parágrafo único – ambos do Código Civil6 –, será de 2 anos. Uma discussão jurídica bastante relevante refere-se ao marco inicial de contagem deste prazo, especialmente quando se está diante de instrumento de cessão de quotas lavrado em determinada data, mas apenas averbado na Junta Comercial meses depois.

No julgamento do Recurso Especial n. 1.415.543/RJ7, entendeu a 3ª Turma do STJ que o art. 1.003 do Código Civil previu, expressamente, que o termo inicial do prazo decadencial de 2 anos seria a data de averbação da alteração contratual. Neste ponto, contudo, o Tribunal faz uma distinção bastante importante: na relação entre cedente e cessionário, o contrato já produz efeitos desde a sua celebração, independentemente da averbação. Todavia, na relação dos sócios com terceiro ou até com a própria sociedade (que não participou da cessão), o prazo só começa a contar a partir da averbação

Em todos os casos, levando-se em consideração os riscos que tais operações podem implicar, mostra-se indispensável contar com o assessoramento técnico de um profissional especializado em contratos, societário e startups, como forma de deixar tudo às claras, bem como para o fim de respeitar todas as exigências legais, aumentando a tranquilidade e segurança dos sócios.

Para maiores informações sobre Direito Societário e Startups, acompanhe nossas postagens e aguardamos comentários e dúvidas! 

 


1Código Civil. Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.

2Código Civil. Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

3COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 2: direito de empresa. 16. ed., São Paulo: Saraiva, 2012. p. 42.

4MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 10. ed. rev. e atual., São Paulo: Atlas, 2018. p. 199.

5BRASIL. Ministério da Economia. Manual de Registro de Sociedade Limitada, 2022. Disponível em: IN812020AnexoIVManualdeLTDAalteradopelaIN55de2021eIN112de2022novondice24jan22.pdf (www.gov.br). Acesso em: 07 jul. 2022.

6Código Civil. Art. 1.003. […] Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio. […] Art. 1.057. […] Parágrafo único. A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes.

7BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.415.543/RJ. Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma. Brasília. DJ: 07/06/2016. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=61241787&num_registro=201303642977&data=20160613&tipo=51&formato=PDF. Acesso em: 17 de ago. de 2020.


*Rafael Duarte, Sócio do escritório Caputo Advogados, com atuação especializada em Empresas de Base Tecnológica e Startups. Pós-graduando em Direito Digital e Proteção de Dados; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores, tais como Inovativa Brasil, entre outros; Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS; Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS.

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