Um dos grandes problemas vivenciados na prática em sociedades empresariais é como lidar com eventuais conflitos instaurados entre os sócios. Nesse contexto, um contrato social bem redigido, bem como um acordo de cotistas com foco especial na resolução de tais litígios pode fazer uma grande diferença, introduzindo-se, por exemplo, cláusulas de mediação/conciliação, bem como pesos diferenciados em deliberações a depender da área de expertise de cada sócio.
Essa ausência de zelo inicial pode, muitas vezes, fazer com que conflitos entre sócios atinjam um grau de seriedade tamanho que torne inviável a manutenção daquela estrutura societária.
Assim, se houve um litígio interno e, por conta disso, um dos cotistas perdeu o interesse em continuar na sociedade e seguir desenvolvendo aquela atividade com os demais sócios, estaremos diante da possibilidade do direito de recesso ou direito de retirada de sócio.
Quando falamos em sociedades limitadas (modelo societário mais comum utilizado no Brasil), usualmente estaremos diante de sociedades de pessoas, o que significa, em síntese, que aquela sociedade empresária foi constituída não por conta dos valores patrimoniais que cada sócio aportou àquela sociedade; ela é composta, prioritariamente, pelos atributos particulares de cada um dos sócios[1] e desse vínculo que entre eles existe.
Em especial quanto a este vínculo entre sócios, a sociedade de pessoas carrega consigo a necessidade de observância da chamada affectio societatis, a qual pode ser entendida como um fim comum entre sócios, o que faz com que seja mais um sentimento de cooperação entre sócios, do que um conceito jurídico propriamente dito[2].
Essa relação de cooperação e confiança mútuas são essenciais para a manutenção da sociedade de pessoas. Dessa forma, quando o sócio não mais se sente integrante daquela coletividade, desejando retirar-se e seguir seu próprio rumo, o direito de retirada surge como alternativa.
O direito de retirada possui base legal no art. 1.029 do Código Civil, que prevê a possibilidade de saída voluntária de qualquer sócio da sociedade, sem prejuízo de outras hipóteses contidas em lei ou em contrato.
Todavia, referido dispositivo divide o tratamento da questão com base no prazo de vigência da sociedade; isto é, entre sociedade por prazo determinado e por prazo indeterminado.
Se a sociedade tiver sido constituída por prazo determinado, o sócio só poderá se retirar, antes do fim do prazo fixado em contrato, caso comprove, em juízo, justa causa para tanto. Como exemplo, pode-se mencionar uma Sociedade de Propósito Específico (constituída como sociedade limitada) para fins de realização de um empreendimento imobiliário, entre o proprietário do terreno e o empreendedor. Apesar de o contrato ter sido firmado por prazo determinado (prazo fixado para conclusão das obras e entrega das unidades aos adquirentes), poderá o proprietário promover a resolução do vínculo societário, provando o inadimplemento do empreendedor.
Por outro lado, se a sociedade tiver sido constituída por prazo indeterminado, não se exige qualquer comprovação de justa causa. Isto é, trata-se de um direito inalienável do sócio, amparado, primordialmente, no fato de que ninguém pode ser obrigado a permanecer vinculado juridicamente por prazo indefinido. Neste cenário, bastará o sócio dissidente notificar os demais sócios, com antecedência mínima de 60 dias.
Em ambos os casos, duas principais providências deverão ser realizadas:
- a) a exclusão do sócio retirante do quadro social; e
- b) o pagamento dos haveres em favor do sócio retirante (indenização pelo valor das suas quotas).
Se o contrato social não determinar o método de avaliação do valor patrimonial, a sociedade deverá apurar os haveres através da realização de balanço de determinação. Essa apuração é especialmente complicada quando envolve Startups, pois os métodos tradicionais, tais como fluxo de caixa descontado, não servem para empresas em fase Early-stage sem histórico contábil.
Além disso, também é difícil determinar o valor das cotas através de valuation quando a Startup ainda não passou pela primeira rodada de investimento.
Por isso, é muito importante que no início de vida da empresa, os sócios determinem um método claro para realização do cálculo. Posteriormente, à medida que a Startup conquista os primeiros clientes e possui histórico contábil ou já passou por rodada de investimento, é perfeitamente possível utilizar os métodos mais empregados, tais como Valuation, Fluxo de Caixa Descontado, Múltiplos de Mercado, entre outros.
Fundamental frisar que se o contrato social não dispuser nada em sentido contrário, terá este sócio o direito a ser reembolsado em 90 dias a contar da sua saída no valor integral das suas quotas, apuradas conforme balanço contábil especial.
Como forma de evitar que a empresa sofra uma perda patrimonial muito significativa em parcela única, devida ao sócio retirante, poderá o contrato social regular de forma diferenciada a forma de pagamento dos haveres, o que impactará sobremaneira no sucesso da atividade empresarial e na continuidade da sociedade.
Para maiores informações sobre Direito Societário e Startups, acompanhe nossas postagens e aguardamos comentários e dúvidas!
[1] PACI, Maria Fernanda. Considerações gerais sobre sociedades empresárias. In: Ambito Jurídico. 2017. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-162/consideracoes-gerais-sobre-sociedades-empresarias/. Acesso em: 05 de ago. de 2020.
[2] FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes; ADAMEK, Marcelo Vieira von. Affectio Societatis: um conceito jurídico superado no moderno Direito Societário pelo conceito de fim social. In: Direito Societário Contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 144.
*Rafael Duarte, Sócio do escritório Caputo Advogados, com atuação especializada em Empresas de Base Tecnológica e Startups. Pós-graduando em Direito Digital e Proteção de Dados; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores, tais como Inovativa Brasil, entre outros; Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS; Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS.