*Rafael Duarte
Os números de investimentos em startups desde 2019 são indicativos do crescimento vultoso observado pelo mercado, tendo partido de US$ 2,9 bilhões em 2019, para US$ 3,5 bilhões em 2020 e, então, quase US$ 10 bilhões em 2021, numa sequência incrível de quebras sucessivas de recordes.1 Esse cenário tem feito especialistas em Venture Capital afirmar que apenas o dinheiro não é mais o suficiente para atrair uma startup promissora a aceitar o aporte de um determinado investidor, como defende José Pedro Cacheado, sócio da Norte Ventures (fundo de Venture Capital), ao sustentar que os “investidores que vão se destacar precisam oferecer algo além do dinheiro”2.
Ocorre que nem tudo são flores. Os dados sobre extinções de startups brasileiras ainda evidenciam uma realidade bastante problemática, como foi constatado pelo estudo “Causas da Mortalidade de Startups Brasileiras”, da Fundação Dom Cabral, concluindo que, pelo menos, 25% das startups encerram suas atividades no primeiro ano de vida e 50% ainda até o quarto ano3. Os motivos são vários – conforme aferido pela CB Insights (consultoria norte-americana) -, mas é notório que diversos dos entraves ensejadores do encerramento precoce dessas empresas “poderiam ser evitados com o suporte e expertise de mentores que conhecem o mercado.”4
– O que é, então, Smart Money?
É justamente nesse contexto que ganha relevo a figura do smart money. Não se discute que o dinheiro é fundamental para o desenvolvimento da startup; mas é igualmente verdadeiro que ele, por si só, não resolve todos os problemas. A dedicação incansável dos founders e o capital aportado precisam se aliar ao apoio e expertise de alguém que conhece bem o mercado de atuação da empresa para que esta prospere. O investidor smart money é, por isso, aquele capaz de oferecer, somado aos recursos financeiros, o seu know-how.5
A noção básica de smart money está lastreada na contribuição em capital intelectual trazido pelo(a) investidor(a) à startup, entendendo-se “capital intelectual” como um conceito resultado da mistura de três componentes: a) capital humano (recursos humanos, habilidades e conhecimento); b) capital estrutural (programas de treinamento, planilhas, marcas registradas etc.); e c) capital relacional (relacionamento com clientes, fornecedores, outras empresas etc.)
– Preferência de startups por investimentos smart:
O smart money tem se mostrado um fator de enorme atratividade para startups no momento de escolher com quais investidores desejam se relacionar. Segundo o Report Investimento – elaborado pela Abstartups em conjunto com a BR Angels -, “Quase metade (49,88%) das startups brasileiras preferem captar recursos via investimento-anjo, enquanto apenas 19,71% optam por grandes fundos de venture capital.”6
Levantou-se, ainda, que “31,7% dos empreendedores esperam que a relação com os investidores-anjo ajude a abrir portas em potenciais clientes e aproveitar a rede de relacionamentos.”7 Esses dados trazem consigo lições sobremaneira valiosas. A principal delas é a de que, em mercados cada vez mais competitivos – por mais que se ainda sustente a máxima do “Fail Fast, Early, Often and Better”8 -, o erro precisa ser minimizado, sob pena de gerar o encerramento precoce das atividades.
Logo, contar com um investidor capaz de compartilhar não apenas lições amealhadas ao longo de anos de vivências práticas, como também contatos fundamentais para o sucesso da empresa pode ser o divisor de águas entre “mais uma startup que fracassou” e uma empresa que percorre uma jornada de sucesso.
– Quais são as vantagens do smart money?
A predileção de empreendedores pelo smart money é indicativo das suas inúmeras vantagens práticas. José Pedro Cacheado, sócio da Norte Ventures (fundo de Venture Capital), enfatiza a importância de poder contar com alguém do seu lado que tenha vivenciado uma jornada empreendedora semelhante. Na sua visão, é “muito valioso ter alguém que possa ajudar com a contratação, estabelecimento da cultura da empresa, estrutura da equipe e tudo relacionado à construção do negócio”9. Reitera-se a ideia principal do smart money: errar o mínimo possível e, se for errar, cometa novos erros.
Outra vantagem central é a possibilidade de recorrer ao networking detido por esse investidor, por se tratar de alguém que já atua no segmento e conhece pessoas relevantes e que podem abrir portas para a startup. Acrescentam, ainda, com “apresenta planos e recomendações concretas sobre como operar (e gerenciar) a empresa”10, com caráter efetivo e prático, não algo genérico, pois, por ter vivenciado aquela realidade, pode contribuir de verdade, e não com frases prontas e de pouca utilidade real para os empreendedores.
Monica Saggioro Leal – cofundadora da Maya Capital – traz atenção para um fator muitas vezes ignorado em se tratando de smart money: a produção de externalidades positivas gerais da adoção do smart money. Com sua disseminação, empresas são mais bem-sucedidas na superação dos desafios em suas jornadas, criando um ecossistema de inovação com mais exemplos de sucesso. O resultado prático é uma diminuição da taxa de mortalidade e a geração de um ciclo virtuoso. Ao final do ciclo, novos talentos são atraídos “a começarem seus negócios, porque eles veem que é possível se manter.”11
O SEBRAE sintetiza algumas das principais vantagens que o smart money consegue trazer para a startup, afirmando que esses investidores: “i) Contribuem com insights importantes sobre o modelo de negócio; ii) Complementam o time com conhecimento especializado; iii) Apresentam histórico de investimento na área; iv) Têm um bom networking junto aos clientes potenciais.”12
– Como reconhecer o verdadeiro smart money e fugir de promessas falsas?
Para que o investidor possa ser verdadeiramente identificado como smart money, ele precisa estar ciente de que a sua dedicação é também exigida. Ao contrário de outras formas de investimento, essa exige um comportamento hands-on do investidor, em suplementação ao esforço empreendido pelos gestores do negócio. Disso se extrai que “assumir o compromisso de investir o dinheiro inteligente requer tempo e diversos conhecimentos.”13
Essa necessidade de dedicação e esforço convergente por parte do investidor enseja uma distinção essencial para evitar que os empreendedores sejam enganados e atraídos pela cantilena de eventual “investidor rico e bem relacionado”, mas com nulo desejo de contribuir. Dita diferenciação está nas ideias de Real Smart Money e Fake Smart Money:
“O Real Smart Money são aquelas pessoas que têm conhecimento e capacidade técnica que efetivamente irão contribuir para o crescimento de um negócio. No entanto, existem também os Fake Smart Money que podem apenas querer se aproveitar de uma boa ideia.”14
Isto é, há diversas pessoas com o capital para investir; mas não são experts ou até podem ser, mas não detêm tempo ou interesse em contribuir de modo efetivo para o crescimento da empresa. São, assim, os do tipo Fake Smart Money.
Um critério interessante para se adotar com o intuito de distinguir uma espécie da outra é a verificação de cases anteriores de contribuições em outras empresas. Como exemplos de bons candidatos a Real Smart Money, destacam-se empresários e empreendedores que atuam ou já atuaram no mesmo segmento da startup. Isso se dá pelo fato de que a “experiência em construir e gerenciar empresas bem-sucedidas dentro da sua área de atuação trazem ensinamentos que vão muito além do dinheiro investido.”15 A mesma premissa se aplica para investidores atuantes em fundos de investimento, Family Offices ou Venture Capitalists bem sucedidos.
Uma noção basilar a ser utilizada como bússola nessa tomada decisão é a premissa de que é “pouco provável uma pessoa ser smart money para toda e qualquer empresa.”16 Acumular conhecimento e experiência em múltiplos segmentos de mercado é virtualmente impossível; logo, um investidor com aportes em 50 startups de ramos diferentes dificilmente conseguirá contribuir efetivamente com todas. Cuidado, portanto, para não ser uma das empresas deixadas em segundo plano.
Como forma de demonstrar em números os efeitos prejudiciais decorrentes de um smart money falso, estudo feito pela Forward Partners apurou que, a despeito de 92% dos investidores oferecerem iniciativas de criação de valor – portanto, “mais do que dinheiro” -, incríveis 59% dos empreendedores sentiam-se enganados em relação ao que havia sido prometido e 49% informaram que as iniciativas não geraram qualquer efeito.17
– Smart money não é tomada de controle pelo investidor:
Um cuidado adicional é essencial: por mais que o investidor smart money, para ser assim chamado, precise contribuir efetivamente com a empresa, isso não pode ser confundido como tomada de poder. Lembre-se: as decisões são dos empreendedores, pois eles detêm o controle da empresa. A participação do investidor está em compartilhar percepções e servir de um guia quando necessário ou convocado para tanto.18
Um investidor com consciência a respeito de até onde pode ir está ciente de que uma empresa só terá sucesso enquanto seus fundadores estiverem motivados e convictos de que o negócio é deles. O investidor está interessado no sucesso financeiro da empresa, esperando que esta tenha o crescimento esperado, com sucessivos aumentos de valor de mercado. Isso dependerá de sócios-fundadores dedicados a longo prazo e é notório ser “impossível para qualquer empreendedor se manter engajado após perder o controle total da sua própria empresa.”19
Portanto, além do cuidado que o empreendedor precisa ter na dinâmica relacional que existe com o investidor, este mesmo zelo há de ser destinado aos termos do contrato de investimento. Investidores que, em contrato, valem-se de termos agressivos ou que limitam a aptidão da startup de captar novas rodadas de investimento, estão, assim, mostrando que não são investidores bons para se ter ao lado nessa longa e árdua trajetória.
Amanda Andreone – diretora de vendas da GENESYS -, ao falar sobre o relacionamento de compartilhamento de experiências e de mentoria – reiterou o quanto o próprio mentor (investidor ou não) consegue ganhar ao participar da jornada empreendedora da startup. Segundo ela, os benefícios gerados são para ambas as partes, podendo servir para que o mentor seja reconhecido como autoridade na sua área de atuação e incrementando sua rede de contatos. Trata-se de “uma troca e uma prática super legal e rica. É uma cocriação de ideias. O mundo é colaborativo. Ninguém vai despontar sozinho”, assinala a executiva.20”
– Propósito acima de tudo:
Por fim, concluímos a análise do smart money e suas importantíssimas implicações na trajetória e desenvolvimento sustentável de startups com as lições trazidas pelos criadores da FCJ Venture Builder, Justino e Wilson. Segundo eles, além de todos os elementos já reforçados nesta publicação estruturantes do que se pode entender como smart money, uma adição é fundamental: propósito.
O sucesso de uma startup precisa ter o seu propósito em tudo o que faz, não se limitando à atuação dos fundadores e equipe, mas também a de seus investidores. Dessa forma, o alinhamento de propósitos entre os fundadores e os investidores servirá como força motriz para todos os passos que a startup for percorrer e, ainda, de norte sempre que novos desafios surgirem.
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1CARMEN, Gabriela Del. Mais smart do que money: dinheiro deixa de ser único diferencial para investidores. Startups por Gustavo Brigatto, 2022. Disponível em: https://startups.com.br/noticias/mais-smart-do-que-money-dinheiro-deixa-de-ser-unico-diferencial-para-investidores/. Acesso em: 07 dez. 2022.
2CARMEN, Gabriela Del. Ibid. Acesso em: 07 dez. 2022.
3CARMEN, Gabriela Del. Ibid. Acesso em: 07 dez. 2022.
4CARMEN, Gabriela Del. Ibid. Acesso em: 07 dez. 2022.
5SMART money: saiba o que é e os benefícios que pode trazer. Distrito, 2020. Disponível em: https://distrito.me/blog/smartmoney-saiba-o-que-e-e-os-beneficios-que-pode-trazer/. Acesso em: 07 dez. 2022.
6CARMEN, Gabriela Del. Metade das startups brasileiras prefere investimento-anjo, diz pesquisa. Startups por Gustavo Brigatto, 2022. Disponível em: https://startups.com.br/noticias/metade-das-startups-brasileiras-prefere-investimento-anjo-diz-pesquisa/. Acesso em: 07 dez. 2022.
7CARMEN, Gabriela Del. Ibid. Acesso em: 07 dez. 2022.
8Tradução livre: Erre rápido, cedo, com frequência e melhor. “Fail Fast – a experimentação contínua possibilita falhar rapidamente e logo dar início a um processo de aprendizado.Fail Early – com um feedback imediato, é possível descobrir antecipadamente o que não está funcionando na estratégia.Fail Often – quanto maior a quantidade de testes, maiores as oportunidades de aprendizado.Fail Better – com fracassos acontecendo com regularidade e rapidez, há a maximização das chances de aprendizado.” (FAIL Fast: acolhendo o fracasso para uma inovação permanente. Infobase, 2018. Disponível em: https://infobase.com.br/infografico-fail-fast-acolhendo-fracasso-para-uma-inovacao-permanente/. Acesso em: 04 jan. 2023).
9CARMEN, Gabriela Del. Mais smart do que money: dinheiro deixa de ser único diferencial para investidores. Startups por Gustavo Brigatto, 2022. Disponível em: https://startups.com.br/noticias/mais-smart-do-que-money-dinheiro-deixa-de-ser-unico-diferencial-para-investidores/. Acesso em: 07 dez. 2022.
10KELLY, Greg. Smart Money: como identificar o verdadeiro para sua startup. Eqseed, 2018. Disponível em: https://blog.eqseed.com/smart-money-para-startup/. Acesso em: 07 dez. 2022.
11CARMEN, Gabriela Del. Mais smart do que money: dinheiro deixa de ser único diferencial para investidores. Startups por Gustavo Brigatto, 2022. Disponível em: https://startups.com.br/noticias/mais-smart-do-que-money-dinheiro-deixa-de-ser-unico-diferencial-para-investidores/. Acesso em: 07 dez. 2022.
12DESCUBRA o que é smart money e como apostar neste investimento. SEBRAE, 2014. Disponível em: https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/sebraeaz/descubra-o-que-e-smart-money-e-como-apostar-neste-investimento,616913074c0a3410VgnVCM1000003b74010aRCRD#:~:text=Uma%20outra%20express%C3%A3o%20derivada%20deste,a%20startup%20do%20que%20outras. Acesso em: 07 dez. 2022.
13COUTINHO, Thiago. Smart Money: saiba como potencializar o sucesso de startups. Voitto, 2021. Disponível em: https://www.voitto.com.br/blog/artigo/smart-money. Acesso em: 07 dez. 2022.
14COUTINHO, Thiago. Smart Money: saiba como potencializar o sucesso de startups. Voitto, 2021. Disponível em: https://www.voitto.com.br/blog/artigo/smart-money. Acesso em: 07 dez. 2022.
15KELLY, Greg. Smart Money: como identificar o verdadeiro para sua startup. Eqseed, 2018. Disponível em: https://blog.eqseed.com/smart-money-para-startup/. Acesso em: 07 dez. 2022.
16KELLY, Greg. Ibid. Acesso em: 07 dez. 2022.
17ZOGBI, André. Criando valor através do Smart Money. Startupi, 2022. Disponível em: https://startupi.com.br/criando-valor-atraves-do-smart-money/. Acesso em: 07 dez. 2022.
18DESCUBRA o que é smart money e como apostar neste investimento. SEBRAE, 2014. Disponível em: https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/sebraeaz/descubra-o-que-e-smart-money-e-como-apostar-neste-investimento,616913074c0a3410VgnVCM1000003b74010aRCRD#:~:text=Uma%20outra%20express%C3%A3o%20derivada%20deste,a%20startup%20do%20que%20outras. Acesso em: 07 dez. 2022.
19KELLY, Greg. Smart Money: como identificar o verdadeiro para sua startup. Eqseed, 2018. Disponível em: https://blog.eqseed.com/smart-money-para-startup/. Acesso em: 07 dez. 2022.
20CINTRA, Orlando. Por que o Smart Money é tão importante para a sua startup? Startups por Gustavo Brigatto, 2022. Disponível em: https://startups.com.br/artigo/artigo-por-que-o-smart-money-e-tao-importante-para-a-sua-startup/. Acesso em: 07 dez. 2022.
*Rafael Duarte – Advogado, sócio do escritório Caputo Advogados, com atuação especializada em Startups, Estúdios de Games e Empresas de Base Tecnológica. Pós-graduando em Direito Digital e Proteção de Dados; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores, tais como InovAtiva Brasil, START (SEBRAE), entre outros; Diretor da Associação Gaúcha de Direito Imobiliário Empresarial (AGADIE); Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS e Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS.