Por Alexandre Caputo*
Introdução
Em artigos anteriores, abordamos o contrato com cláusula de Vesting e preparamos um guia prático sobre esse tema.
Neste artigo, vamos explorar o modelo de Partnership, que é outra forma de atrair e reter talentos para empresas de base tecnológica e é muito utilizado por Startups e Estúdios de Games.
Principalmente no ecossistema de inovação, é muito recorrente a necessidade de as startups buscarem pessoas para complementar o seu time; por isso, a estruturação societária adequada é fundamental para o sucesso do negócio e para proporcionar o crescimento saudável da equipe. Na indústria de games não é diferente, tendo em vista que o mercado de jogos cresce de forma expressiva a cada ano, tornando mais desafiador reter desenvolvedores e artistas talentosos.
Entre os diversos mecanismos disponíveis, o Partnership se destaca como uma ferramenta estratégica que vai além do tradicional contrato com cláusula de vesting.
Dessa forma, este artigo explorará o conceito de Partnership, suas diferenças em relação ao vesting e como implementar uma estrutura eficiente utilizando, por exemplo, blocos societários através de cotas ordinárias e preferenciais.
O Conceito de Partnership em Startups e Estúdios de Games
O Partnership representa uma evolução no modelo de participação societária, onde colaboradores-chave têm a oportunidade de se tornarem sócios do negócio. Esta estrutura vai além da simples distribuição de equity – como no Contrato com cláusula de vesting – criando, desde o início, um verdadeiro alinhamento de interesses entre fundadores e colaboradores estratégicos.
A principal característica do Partnership é a criação de diferentes classes de sócios, com direitos e obrigações distintos, permitindo uma gestão mais eficiente e proteção dos interesses dos fundadores, enquanto oferece oportunidades reais de crescimento para colaboradores importantes.
Partnership vs. Vesting: Diferenças Fundamentais
- Estrutura do contrato com cláusula de vesting
O vesting é um mecanismo contratual que estabelece condições temporais e/ou de performance para que um colaborador tenha a opção (mas não a obrigação) de adquirir participação societária no futuro. Suas principais características são:
- Cliff period (período inicial sem direito a ações);
- Vesting period (Período aquisitivo determinado após o fim do período de Cliff, geralmente de 3 a 5 anos);
- Condições de performance pré-estabelecidas (metas);
- Foco na retenção temporal do colaborador (prazo);
- Enquanto não exerce o vesting, o beneficiário não se torna sócio.
- Estrutura de Partnership
O Partnership, por sua vez, apresenta características mais amplas e flexíveis:
- Participação societária efetiva desde o início;
- Não existe período de cliff como no Contrato com cláusula de vesting;
- Diferentes classes de cotas com direitos distintos (exemplo: bloco de controle dos fundadores com cotas ordinárias e bloco de Partnership com cotas preferenciais ou com cotas ordinárias de classes diferentes do bloco de controle);
- Possibilidade de evolução gradual da participação com a criação conjunta de um plano de carreira para colaboradores e sócios;
- Maior envolvimento nas decisões estratégicas (mesmo com a possibilidade do bloco de Partnership não ter direito a voto);
- Participação nos resultados proporcionais à performance desde o início;
- Possibilidade de inclusão de período de lock up para o colaborador permanecer na sociedade por um período mínimo.
Implementação do Partnership com cotas preferenciais
Estruturação de dois Blocos societários
- Bloco de Controle (Fundadores):
- Mantém maioria do capital votante (geralmente acima de 51% do capital social);
- Controle das decisões estratégicas;
- Cotas ordinárias com direito a voto.
- Bloco de Partnership (Colaboradores):
- Participação inicial reduzida (0,1% a 10% do capital social);
- Cotas preferenciais com ou sem direito a voto;
- Direitos econômicos diferenciados;
- Possibilidade de conversão em cotas ordinárias mediante o cumprimento de regras específicas.
Aspectos Jurídicos Relevantes
A implementação do Partnership requer atenção especial aos seguintes pontos:
- Alteração do contrato social para criação de diferentes classes de cotas ou criação de cotas preferenciais;
- Estabelecimento de direitos econômicos específicos;
- Definição clara dos critérios de performance (metas objetivas);
- Regras de saída e transferência de cotas;
- Acordo de sócios regulando direitos e obrigações, tais como lock up, não concorrência, venda e recompra de cotas, funções e dedicação dos sócios, cessão da propriedade intelectual, entre outros temas;
- Cuidados com vínculo trabalhista decorrente da manutenção de uma relação de emprego disfarçada de sociedade.
Implementação Prática do Partnership
Passo a Passo para Estruturação
- Definição da Estrutura Societária:
- Alteração do contrato social;
- Criação de diferentes tipos de cotas e classes;
- Estabelecimento dos direitos de cada classe.
- Critérios de Elegibilidade:
- Plano de carreira;
- Tempo mínimo de atuação na empresa;
- Indicadores de performance;
- Cargos elegíveis;
- Contribuição estratégica.
- Regras de Progressão:
- Métricas de avaliação;
- Períodos de avaliação;
- Critérios de aumento de participação.
- Governança do Programa:
- Comitê de avaliação;
- Processos decisórios;
- Regras de compliance.
Riscos Trabalhistas e Estratégias de Proteção
A implementação de um programa de Partnership requer especial atenção aos aspectos trabalhistas, pois a linha entre a relação societária e o vínculo empregatício pode ser tênue em determinadas situações. A jurisprudência trabalhista brasileira tem se mostrado bastante atenta a casos onde a participação societária é utilizada como instrumento para mascarar uma relação de emprego através do preenchimento dos requisitos de vínculo empregatício definidos no artigo 3º, da CLT1. Isso ocorre quando, apesar da existência formal de uma participação societária, o colaborador continua exercendo suas atividades nas mesmas condições de um empregado comum, mantendo os elementos caracterizadores da relação de emprego: subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade.
Por exemplo, imagine um desenvolvedor sênior que recebe uma pequena participação societária, mas continua reportando-se ao seu antigo gestor, cumprindo horários fixos, recebendo ordens diretas e tendo sua remuneração principal travestida de distribuição de lucros. Neste caso, há um risco significativo de que, em uma eventual reclamação trabalhista proposta pelo desenvolvedor, o Judiciário reconheça a existência de vínculo empregatício, desconsiderando a participação societária como mero instrumento formal.
Para mitigar esses riscos, é fundamental estabelecer uma clara distinção entre o papel societário e as funções executivas do participante do programa de Partnership. Esta distinção deve se manifestar não apenas nos documentos formais, mas principalmente nas práticas diárias da empresa. O partner deve ter autonomia real na tomada de decisões, participar efetivamente das reuniões societárias e ter voz ativa nas decisões estratégicas do negócio, ainda que dentro de sua esfera de atuação e mesmo que não tenha direito a voto nas reuniões entre os sócios.
Principais Riscos
Descaracterização da Relação Societária
- Risco de reconhecimento de vínculo empregatício
- Possibilidade de equiparação salarial
- Questionamentos sobre verbas e benefícios trabalhistas
Elementos de Risco:
- Subordinação hierárquica mantida
- Ausência de autonomia decisória
- Remuneração fixa disfarçada de distribuição de lucros
- Falta de participação efetiva nas decisões societárias
Estratégias de Mitigação
Documentação Adequada e que Reflita a Realidade na Empresa:
- Contratos societários robustos
- Separação clara entre papel de sócio e funções executivas
- Atas de reuniões comprovando participação efetiva
- Política de Partnership bem documentada
Governança Corporativa:
- Comitês de sócios com participação efetiva
- Processos decisórios documentados
- Autonomia real nas decisões societárias
- Distinção clara entre remuneração do trabalho e retorno do investimento
Principais modelos de aquisição da participação societária
Um dos aspectos mais delicados na estruturação de um programa de Partnership é a definição de como os colaboradores irão adquirir suas participações societárias. Esta decisão impacta não apenas os aspectos financeiros e tributários do programa, mas também influencia diretamente o nível de comprometimento dos participantes (Partners) e a percepção de valor do benefício. Quando uma empresa de base tecnológica, tais como startups e estúdios de games, decide implementar um programa de Partnership, precisa equilibrar dois interesses aparentemente conflitantes: por um lado, deseja oferecer uma oportunidade real e valiosa para seus colaboradores-chave se tornarem sócios; por outro, precisa garantir que estes futuros sócios estejam verdadeiramente comprometidos com o sucesso do negócio a longo prazo. É neste contexto que a escolha do modelo de aquisição das cotas se torna estratégica. O valor atribuído às cotas também é um ponto crucial nesta decisão. Se as cotas forem oferecidas gratuitamente, pode-se criar uma percepção de baixo valor ou gerar questões tributárias complexas. Por outro lado, se o valor for muito alto, pode-se inviabilizar a participação de colaboradores importantes que não possuem recursos financeiros suficientes para a aquisição. A prática do mercado tem demonstrado que não existe um modelo único ideal - cada empresa precisa adaptar a forma de aquisição à sua realidade, considerando fatores como: maturidade do negócio, capacidade financeira dos colaboradores, cultura organizacional e objetivos estratégicos do programa. Dessa forma, a fim de auxiliar na construção ideal do programa de Partnership de sua empresa, seguem alguns exemplos de formas de aquisição utilizadas no mercado, com suas respectivas características e implicações:
Doação de cotas pela empresa (se cotas em tesouraria) ou pelos sócios:
- Cotas são transferidas gratuitamente;
- Necessidade de justificativa econômica se a doação for de cotas em tesouraria;
- Impacto tributário – Poderá incidir ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), em razão da natureza gratuita da transferência.
Compra subsidiada de cotas emitidas pela Sociedade:
- Colaborador subscreve cotas emitidas pela empresa por um valor reduzido;
- Empresa pode financiar a aquisição através de parcelamento;
- Deságio no valuation do valor das cotas para facilitar a aquisição;
- Menor risco tributário;
- Operação mercantil com menor risco trabalhista;
- Maior comprometimento do colaborador.
Compra de cotas através de cessão dos sócios:
- Colaborador paga aos sócios pela aquisição das cotas;
- Menor risco de questionamento fiscal;
- Possibilidade de parcelamento e venda por valor simbólico;
- O valor da compra é utilizado em benefício dos sócios e não em benefício da sociedade.
Estruturação do Programa
Definição do Modelo:
- Critérios de elegibilidade;
- Forma de pagamento;
- Cronograma de aquisição;
- Regras de saída.
Documentação Necessária:
- Contrato de compra e venda de cotas, contrato de subscrição de cotas ou Contrato de doação de cotas;
- Acordo de sócios;
- Política com as regras gerais do programa de Partnership;
- Termos de adesão ao programa.
Implementação:
- Adesão ao programa;
- Alteração do contrato social;
- Assinatura do acordo de sócios.
Cases de Sucesso no Brasil – XP Inc.
A XP Inc. implementou um dos modelos de Partnership mais inovadores e bem-sucedidos do Brasil, que posteriormente serviu de inspiração para diversas outras empresas do mercado financeiro e de tecnologia. O programa, iniciado em 2009, foi fundamental para o crescimento exponencial da empresa e sua posterior abertura de capital na NASDAQ em 2019.
Exemplo de como é o Programa:
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Níveis de Partnership
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Associate Partner: primeiro nível, com participação menor e foco em potenciais futuros líderes;
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Partner: nível intermediário, com participação significativa e responsabilidades estratégicas;
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Senior Partner: nível mais alto, com participação expressiva e papel decisivo na gestão.
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Critérios de Elegibilidade
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Tempo mínimo de casa: geralmente 3-5 anos;
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Performance consistentemente acima da média;
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Capacidade de liderança comprovada;
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Alinhamento com os valores da empresa.
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Mecanismo de Aquisição
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Compra subsidiada de ações;
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Financiamento pela própria XP;
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Lock-up period de 2-3 anos;
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Regras claras de saída e venda.
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Governança
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Comitê de Partners para decisões estratégicas;
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Reuniões trimestrais de acompanhamento;
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Avaliações anuais de performance;
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Processo estruturado de mentoria.
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Fatores críticos de sucesso
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Critérios claros e objetivos;
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Transparência no processo;
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Alinhamento com a cultura organizacional;
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Governança robusta.
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Principais Desafios
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Balanceamento entre meritocracia e senioridade;
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Gestão das expectativas dos participantes;
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Manutenção da motivação ao longo do tempo;
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Adaptação às mudanças de mercado.
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Melhores Práticas Identificadas
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Comunicação clara e constante;
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Documentação robusta dos processos;
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Avaliações regulares e feedback;
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Flexibilidade para ajustes no programa.
Recomendações para Implementação
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Começar com um grupo piloto;
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Estabelecer métricas claras de sucesso;
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Criar um comitê de governança dedicado;
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Revisar e ajustar o programa periodicamente.
Conclusão
A implementação de um programa de Partnership requer uma análise cuidadosa dos aspectos societários, tributários e trabalhistas, bem como uma estruturação adequada do modelo de aquisição das cotas. O sucesso do programa depende de um planejamento detalhado, documentação robusta e assessoria jurídica especializada.
A escolha pelo melhor formato de aquisição das cotas deve considerar não apenas os aspectos tributários, mas também o comprometimento desejado dos colaboradores e a cultura da empresa. Independentemente do modelo escolhido, é fundamental estabelecer uma estrutura que minimize riscos e maximize os benefícios para todos os envolvidos.
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*Alexandre Caputo, advogado, OAB/RS 93.651, sócio do escritório Caputo Duarte Advogados; MBA em Venture Capital, Private Equity e Investimentos em Startups pela FGV; Pós-graduado em Direito Societário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Contratos, Direito Imobiliário e Responsabilidade Civil pela PUCRS; Pós-graduado em Direito Público pelo IDC; Vice Presidente da Associação Gaúcha de Startups (AGS); Palestrante em direito, tecnologia e inovação; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores. Linkedin:
Referências
1Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único – Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
2https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/youtuber-julio-cocielo-e-criticado-por-comentario-sobre-mbappe-conseguiria-fazer-uns-arrastao-top-na-praia.ghtml. Acesso em 30/10/2024.
3Disponível em: <https://www.gov.br/anpd/pt-br/canais_atendimento/agente-de-tratamento/relatorio-de-impacto-a-protecao-de-dados-pessoais-ripd#p1> acesso em 21 de jul. 2024.
- PARTNERSHIP de sucesso: conheça o modelo de sociedade da XP. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=I9izlZmyhcc
- O que é Partnership? Entenda tudo sobre o modelo que promove colaboradores a sócios na empresa. Disponível em https://basement.io/blog/Partnership/
- Trabalhe na XP Inc. Disponível https://www.xpinc.com/carreiras/
- Como o modelo de Partnership se tornou o grande diferencial para o crescimento da XP. Disponível em https://investificar.com.br/como-o-modelo-de-Partnership-se-tornou-o-grande-diferencial-para-o-crescimento-da-xp/
- Partnership BTG. Disponível em https://ri.btgpactual.com/sobre-o-banco/Partnership/
- EVOLUÇÃO DOS PROGRAMAS DE REMUNERAÇÃO VARIÁVEL NO BRASIL. Disponível em https://fucape.br/wp-content/uploads/2022/11/725-EVOLUCAO-DOS-PROGRAMAS-DE-REMUNERACAO-VARIAVEL-NO.pdf