* Maria Thereza Henriques
Com o avanço tecnológico global, a produtividade e a competitividade no mercado aumentaram significativamente, o que transformou o cenário do empreendedorismo e estimulou o surgimento das startups. Esse modelo de negócio, caracterizado por sua inovação e grande capacidade de crescimento e escala, tornou-se uma opção cada vez mais popular e atrativa para empreendedores e investidores devido ao seu alto potencial produtivo.
Para proporcionar maior segurança jurídica a esses empreendimentos, a legislação, em consonância com o artigo 174 da Constituição Federal, buscou fortalecer o papel do Estado em incentivar a atividade econômica. Esse objetivo foi alcançado com a promulgação da Lei Complementar nº 182 de 2021, que institui o Marco Legal das Startups. Essa legislação foi desenvolvida em parceria entre a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, visando criar um ambiente mais favorável para o desenvolvimento e expansão das startups no Brasil, com incentivo à inovação, desburocratização e proteção para investidores e empreendedores.
O Marco Legal das Startups
Sancionada em junho de 2021, o Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182), estabelece regras e mudanças para empresas desse tipo. O objetivo é fomentar o empreendedorismo inovador no Brasil, modernizar o ambiente de negócios e criar vantagens para as startups.
É relevante perguntar: qual é a real necessidade de criar um Marco Legal especificamente direcionado às startups? À primeira vista, considerando a definição de startup, pode parecer contraditório criar uma legislação específica para regular essas empresas, visto que startups são marcadas justamente pela inovação, agilidade e disrupção — características que, em princípio, poderiam ser prejudicadas pela burocracia, lentidão e ineficiência associadas ao processo legislativo e à intervenção estatal.
No entanto, a criação de tal marco é voltada justamente a limitar a interferência estatal e fomentar um ambiente de mercado livre para essas empresas inovadoras. Além disso, é sabido que uma legislação específica e menos burocrática pode oferecer maior segurança jurídica a esses empreendimentos, algo de grande valor para empreendedores e investidores.
Dada a atualidade da legislação e seu potencial de impacto nas esferas econômica e jurídica brasileiras, torna-se essencial analisá-la detalhadamente para compreender e projetar seus efeitos sobre a atividade empreendedora nos níveis microeconômico, macroeconômico e judicial.
O Marco Legal das Startups (MLS) é uma legislação recente que busca adaptar parte do sistema jurídico brasileiro a um mercado mais moderno, tecnológico e competitivo. A legislação apresenta pontos positivos, mas também possui lacunas que, se preenchidas, poderiam potencializar os benefícios do processo legislativo até então implementado. Essas lacunas decorrem, em grande parte, da rápida evolução do setor de tecnologia e inovação, cujas necessidades e desafios mudam em ritmo acelerado, muitas vezes incompatível com o processo legislativo tradicional, mais lento e gradual.
No entanto, essa inovação também trouxe desafios, pois o contrato de participação ainda demanda regulamentações mais específicas para garantir segurança jurídica e clareza na relação entre investidores e empreendedores. Esse avanço representa um importante passo em direção ao desenvolvimento econômico, que merece ser reconhecido e continuamente aprimorado para manter o Brasil competitivo e atrativo a empreendedores e investidores.
A aplicação do Contrato de Participação
O contrato de participação — ou contrato de investimento anjo, como é comumente chamado no contexto do MLS — possui diferentes fundamentações legais. Entre elas, destacam-se três principais legislações. A primeira é a Lei Complementar nº 123/2006, conhecida como a Lei das Empresas de Pequeno Porte, que já previa o contrato de participação. A segunda é a Lei Complementar nº 155/2016, também chamada de “Lei do Investidor Anjo.” E, finalmente, a terceira é a própria Lei Complementar nº 182/2021.
A Lei Complementar nº 182/2021 reconhece a importância do investidor-anjo para o crescimento das startups e fornece uma definição desse perfil. Curiosamente, o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador (MLS) apresenta uma conceituação ainda mais ampla e genérica do que a dada pela própria Lei Complementar nº 155/2016, conhecida como Lei do Investidor-Anjo. Enquanto a LCP 155 (“Lei do Investidor Anjo”) estabelece um conjunto de regras voltadas exclusivamente ao investimento-anjo, aplicando esse termo a qualquer investidor que formalize um “contrato de participação,” o MLS adota uma definição mais alinhada com a visão de mercado, abrangendo investidores que realizam aportes financeiros, geralmente em valores menores.
Os valores menores típicos do investimento-anjo decorrem, em grande parte, do perfil desses investidores, que tendem a ser pessoas físicas ou pequenos grupos que alocam apenas uma fração do patrimônio pessoal em startups, buscando diversificação com um nível de risco controlado. Esse tipo de investimento é facilitado por contratos de participação ou acordos de investimento simples, que são mais acessíveis e menos burocráticos em comparação com instrumentos mais complexos.
Por outro lado, investidores que realizam aportes mais significativos frequentemente utilizam ferramentas contratuais mais sofisticadas, como contratos de mútuo conversível, acordos de sócios e cláusulas específicas para proteção de direitos e governança. Em muitos casos, esses aportes são realizados por fundos de investimento, como fundos de venture capital ou private equity, que reúnem recursos de diversos investidores para alocar em startups com maior potencial de retorno.
Esses fundos, ao contrário dos investidores-anjo individuais, não apenas oferecem valores mais elevados, mas também demandam maior profissionalismo e controle na gestão das startups, além de geralmente exigir participações mais estruturadas no capital social, assentos em conselhos administrativos e um papel ativo na estratégia da empresa investida. Essa diferenciação reflete tanto a complexidade dos aportes quanto o nível de maturidade esperado das startups que recebem tais investimentos.
Embora a Lei do Investidor-Anjo tenha sido a primeira iniciativa legislativa voltada para o ecossistema de startups no Brasil, suas intenções foram parcialmente frustradas. A LCP 155/2016, que introduziu o contrato de participação, falhou em regulamentar de forma eficaz o investimento-anjo, devido à falta de compreensão sobre a dinâmica do mercado de startups. A regulamentação impôs muitas restrições ao contrato de participação, permitindo um espaço de negociação limitado para os investidores.
Segundo o Marco Legal das Startups (MLS), o investidor-anjo é aquele que, sem adquirir status de sócio, não possui direitos de gerência ou voto na administração da empresa, além de não responder pelas obrigações da sociedade investida, sendo remunerado de acordo com os aportes realizados, conforme o artigo 2º da Lei Complementar. Essa definição, propositalmente ampla, visa simplificar a participação de investidores no ambiente das startups. A segurança jurídica é um fator crucial para esse mercado, especialmente diante do número crescente de empresas que se dedicam exclusivamente a apoiar startups, como incubadoras e aceleradoras. É importante diferenciar esses conceitos: enquanto as incubadoras geralmente oferecem suporte inicial a startups em estágios muito iniciais, com foco no desenvolvimento da ideia e na estruturação do negócio, as aceleradoras atuam em estágios mais avançados, oferecendo mentorias, rede de contatos e, frequentemente, aportes financeiros para acelerar o crescimento das empresas. Além disso, investimentos podem ser feitos tanto de forma individual quanto em grupo, como exemplificado por iniciativas como Poli Angels e Gávea Angels, que reúnem investidores para alocar recursos de forma conjunta em startups com alto potencial de retorno.
Considerando a tradição brasileira de regulamentar o setor empresarial com certa burocracia, seria esperado que a lei estabelecesse limitações para esses investidores. Entretanto, é surpreendente notar que a Lei Complementar não impõe restrições ao volume dos aportes realizados nem diferencia investidores pessoas físicas e jurídicas. Contudo, essa ausência de distinção e regulamentação tributária mais específica não é necessariamente positiva. Do ponto de vista fiscal, a lei não permite a compensação de prejuízos pelos investidores, uma demanda amplamente debatida durante a tramitação do projeto. Essa lacuna pode desestimular potenciais investidores, especialmente aqueles com maior experiência no mercado, que buscam mecanismos de mitigação de riscos financeiros.
De acordo com a empresa, o investimento-anjo apresenta as seguintes características: 1. É realizado, em regra, por profissionais experientes, como empresários, executivos e profissionais liberais, que, além dos recursos financeiros, contribuem com conhecimentos, experiência e rede de contatos — um aporte conhecido como smart money. No entanto, nem sempre os investidores-anjo possuem ampla experiência ou redes de contatos estabelecidas. É cada vez mais comum que pessoas sem histórico prévio de atuação no mercado optem por diversificar suas carteiras, investindo em startups por meio de fundos especializados ou participando de grupos de investidores-anjo, onde se beneficiam da orientação de membros mais experientes. 2. Em geral, corresponde a uma participação minoritária no negócio. O investidor-anjo costuma ser alguém que já teve uma carreira bem-sucedida, acumulando recursos para investir entre 5% e 10% do seu patrimônio em novos empreendimentos, e aplicando sua experiência para apoiar a empresa.
Em muitos casos, esses investidores se unem em grupos ou sindicatos de investimento, frequentemente capitaneados por um investidor-anjo mais experiente, que lidera as análises, negociações e estratégias de investimento. Nessas configurações, os aportes individuais podem ser menores, enquanto o total investido pelo grupo é significativo. Além disso, dependendo do perfil do investidor e do potencial de retorno do negócio, os aportes podem ultrapassar os 10% do patrimônio, especialmente em casos em que o investidor-anjo deseja ter uma participação maior ou desempenhar um papel estratégico na empresa investida.
Nota-se que o Marco Legal das Startups (MLS) adota uma definição ampla do investidor-anjo. Essa abordagem reflete a intenção do legislador em assegurar maior segurança jurídica a esses investidores, ao deixar claro que eles não são obrigados a responder pelas obrigações da empresa, mantendo o capital pessoal do investidor separado do patrimônio da empresa receptora do investimento.
Obstáculos
Após toda a análise sobre o investidor-anjo, é importante destacar que, embora a Lei Complementar nº 182 tenha introduzido o contrato de investimento-anjo, todas as modalidades de investimento discutidas até o momento têm o investidor-anjo como principal financiador. Assim, o que o MLS denomina contrato de investimento-anjo é, na prática, entendido pela legislação anterior como um contrato de participação. Em resumo, o investimento-anjo é um gênero que abrange as diversas formas de financiamento descritas nos incisos I a VII do art. 5º como espécies. Diante disso, torna-se necessário examinar o contrato de investimento-anjo de forma mais detalhada para compreender melhor os aspectos específicos dessa modalidade, amplamente utilizada por startups.
A lei de 2016 permitiu que tanto pessoas físicas quanto jurídicas, conhecidas como investidores-anjo, realizassem aportes de capital. No entanto, não mencionava regulamentações ou órgãos específicos para supervisionar esses investimentos. Com o MLS, o legislador buscou não apenas abranger o mercado de investimentos voltados para inovação, mas também corrigir lacunas da legislação anterior nesse âmbito. Assim, a nova redação fez referência ao regulamento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), proporcionando maior segurança jurídica e enquadrando esses investimentos sob o mesmo regime regulatório de outros já consolidados no Brasil.
O mais usual no mercado, todavia, atualmente, ainda é o mútuo conversível. Conforme mostrado, o contrato de participação tem que respeitar a previsão legal, o que o torna menos atrativo ao investidor se comparado ao mútuo conversível, uma vez que não é possível pactuar livremente determinados assuntos, como o prazo de pagamento e vigência do contrato, além do aspecto tributário.
A diferença é que o contrato de participação possui os requisitos previstos na lei, que identificou quem vai ser o investidor anjo, trazendo também algumas limitações para a operação desse tipo de investidor. Como por exemplo, o investidor anjo será remunerado pelos seus aportes em um limite de tempo de sete anos e somente poderá resgatar depois de decorrido no mínimo dois anos do aporte inicial. O principal benefício desse contrato é que os valores aportados não serão considerados receitas ou aportes de capital na sociedade, com a possibilidade de a startup seguir sendo optante do Simples Nacional (contato que ausentes outros fatores impeditivos de referida opção).
Conclusão
Apesar dos avanços do Marco Legal das Startups, o contrato de participação ainda enfrenta desafios significativos para se tornar uma opção atraente no mercado. A proposta inicial de incentivar o investimento anjo e aumentar a segurança jurídica nas relações entre investidores e startups é louvável, mas a regulamentação excessiva e as limitações impostas afastam investidores em potencial, especialmente quando comparados aos contratos de mútuo conversível, que oferecem maior flexibilidade e adaptação às necessidades práticas do mercado de startups, dada a sua atipicidade.
O contrato de participação, embora tenha vantagens específicas, como a possibilidade de aportar o investimento sem adquirir status de sócio, se vê restringido por prazos e obrigações que não refletem plenamente a dinâmica ágil e inovadora deste mercado. Consequentemente, muitos investidores ainda preferem o contrato de mútuo conversível, que, por sua natureza menos engessada, se alinha melhor com a expectativa de retorno e flexibilidade dos investidores.
Dessa forma, a legislação brasileira, embora modernizada, ainda possui pontos de aprimoramento para que as startups possam usufruir dos benefícios de uma regulamentação que realmente favoreça a captação de recursos.
Para investidores e empreendedores que buscam apoio em estratégias jurídicas seguras e soluções inovadoras, o escritório Caputo Duarte Advogados é uma escolha confiável. Com especialização em contratos de investimento e ampla experiência no setor de tecnologia e startups, oferecemos um suporte jurídico robusto e atualizado para contribuir com o crescimento e a competitividade de nossos clientes.
*Maria Thereza Henriques, estagiária no Caputo Advogados Associados, assessoria empresarial com ênfase em Startups e Estúdios de Games. Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Referências
ANJOS DO BRASIL. O que é um Investidor Anjo? Disponível em: https://www.anjosdobrasil.net/o-que-eacute-um-investidor-anjo.html. Acesso em: 31 out. 2024.
Associação Brasileira de Startups. Mútuo conversível ou contrato de participação: qual o melhor para a sua startup? Disponível em: https://abstartups.com.br/mutuo-conversivel-ou-contrato-de-participacao-qual-o-melhor-para-a-sua-startup/. Acesso em: 31 out. 2024.
BATISTA, Henrique Rossi Silva; RODRIGUES, Maria Rafaela Junqueira Bruno. Marco legal das startups: uma análise da Lei Complementar n. 182/2021. Revista de Iniciação Científica e Extensão da Faculdade de Direito de Franca, Franca, n. 619, p. 1-30, 2021.
DIVANI, Alfredo. Será que nova lei para startups vai “pegar”? Capital Aberto, 2017. Disponível em: https://capitalaberto.com.br/artigos/sera-que-nova-lei-para-startups-vai-pegar/. Acesso em: 31 out. 2024.