Startups e a estrutura jurídica nas primeiras fases de desenvolvimento

Sumário

*Por Alexandre Caputo

O Brasil entrou na rota da inovação e consolida-se cada vez mais como um país com grande potencial de desenvolvimento de empresas inovadoras. A cada dia surgem mais empresas voltadas para a área de inovação e tecnologia. Em quatro anos, de 2015 até 2019, o número de Startups cresceu quatro vezes1

O que diferencia uma Startup de uma Empresa Tradicional é o seu potencial de grande crescimento através da capacidade de escalar o seu negócio.  Enquanto em uma empresa tradicional, há um crescimento linear e projetável, mantendo certa relação entre o crescimento das receitas e das despesas, em uma Startup, o crescimento da receita pode aumentar em ritmo exponencial em poucos anos, sem que as despesas cresçam no mesmo ritmo. 

Apesar de as Startups atuarem em um ambiente de grandes incertezas, a sua capacidade de desenvolver um negócio escalável atrai investidores, pois apresenta a possibilidade de grandes lucros no futuro através do incremento de usuários e/ou faturamento de forma progressiva, sem que os custos e despesas cresçam em igual proporção.

Desde o início é fundamental que a Startup desenvolva uma estrutura jurídica mínima para superar as primeiras fases e, com isso, tornar-se atrativa para receber investimentos. 

Quais são os principais cuidados que os fundadores de uma Startup devem ter no início do negócio?

De forma didática, os estágios de crescimento de uma Startup são separados em 4 (quatro) fases:

Se considera Startup as duas primeiras fases e quando a Startup entra na fase de Negócios/Tração ela é chamada de Scale Up (é quando a Startup consegue manter crescimento rápido e exponencial)

  1. FASE de IDEAÇÃO: Na primeira fase, quando os fundadores ainda estão analisando hipóteses, buscando soluções e dando os primeiros passos para desenvolver o modelo de negócios da futura empresa, os cuidados jurídicos são mais simples, mas igualmente importantes. Nessa fase, a principal preocupação é com os fundadores/futuros sócios.

No início é comum que algum dos fundadores saia do projeto. Isso pode ocorrer por vários motivos, desde a ausência de recursos financeiros, divergências sobre os caminhos a serem seguidos, falta de tempo para dar andamento no projeto, entre outros motivos. 

Nessa fase, a saída de um fundador, mesmo que o projeto ainda seja uma ideia, pode gerar um conflito irremediável e acabar com qualquer possibilidade do negócio se tornar realidade. 

Como reduzir os conflitos entre os fundadores nessa fase? O principal cuidado nessa fase é com os próprios fundadores. Uma forma de amenizar os conflitos é através da assinatura de um Termo de intenções entre os fundadores antes mesmo de constituírem a empresa. Esse documento chama-se Memorando de Entendimentos ou Termo entre os Fundadores. 

O que é isso? É um contrato assinado entre os empreendedores com as características do futuro negócio, direitos e obrigações e um esboço dos objetivos da empresa. Ou seja, o Memorando de Entendimentos é um documento vinculante e pode ser utilizado na pré-constituição da Startup, na qual as partes decidem como serão tomadas as decisões até a formalização do negócio. Nesse documento também é importante estabelecer os percentuais que cada fundador terá quando a Startup for formalizada e será utilizado como base para no futuro ser assinado o Acordo de Cotistas.

O que pode constar no Memorando de Entendimentos?

  • Definição do percentual de cada fundador no futuro;
  • Papel de cada fundador/tarefas;
  • Remuneração;
  • Propriedade Intelectual;
  • Confidencialidade;
  • Como se dará saída de um fundador;
  • Resolução de conflitos.

 

Assim, é fundamental estabelecer regras claras desde o início para evitar conflitos e dúvidas no futuro.

É importante lembrar que, enquanto a Startup não for formalizada através da abertura de uma empresa, os fundadores respondem solidária e ilimitadamente por quaisquer dívidas oriundas das atividades da Startup. Isso ocorre porque a mesma não estando formalizada pode ser considerada uma Sociedade de Fato, conhecida como Sociedade em Comum.

  1. FASE de VALIDAÇÃO

Na segunda fase de desenvolvimento da Startup surgem novos desafios, tais como tirar o negócio do papel e ir efetivamente para o mercado.

Essa fase é uma das mais importantes, pois a validação significa desenvolver um Produto Mínimo Viável (MVP) e ir para o mercado obter respostas tais como: O meu produto faz sentido? O mercado quer o meu produto? Dessa forma, o desafio é testar o produto e conquistar os primeiros clientes.

Quais são os principais cuidados jurídicos nessa fase? Pode-se dividir em dois principais: Aspectos envolvendo a Sociedade (relação entre os fundadores e formalização da empresa) e a relação com terceiros (principalmente com a equipe e os clientes).

  • SOCIEDADE

É comum a Startup não ter recursos suficientes para ser formalizada desde o início e iniciar suas atividades no CPF de um dos fundadores até que surjam as primeiras demandas. 

Por isso, nas fases iniciais, muitas Startups iniciam suas atividades na informalidade até efetivamente serem constituídas de maneira formal como empresas. Com isso, à medida que ocorre a validação do negócio e surgem os primeiros clientes, chegará o momento de emitir as notas fiscais e, consequentemente, a necessidade de se estruturar a Startup através da constituição de uma empresa.

Aí surge a dúvida: Qual é o tipo societário mais adequado para formalizar a Startup? Em geral, a Sociedade Limitada é o tipo empresarial mais indicado. A lei da liberdade econômica (Lei  13.874, de 20 de setembro de 2019) trouxe a possibilidade da criação da Sociedade Limitada Unipessoal. Assim, mesmo que a Startup seja constituída por apenas um fundador, também poderá ser limitada. Ainda que existam exceções envolvendo alguns tipos de dívidas, a vantagem é justamente a separação patrimonial da sociedade da dos sócios. Após a Startup receber investimentos e os investidores ingressarem no quadro social, ela será transformada em uma Sociedade Anônima.

Nesse momento também surgem os primeiros cuidados com a propriedade intelectual, através do registro da marca no INPI. Além disso, é importante que os arranjos contratuais prevejam a cessão dos direitos autorais para a empresa, seja dos sócios ou da equipe.

  • Acordo de cotistas

Por fim, se os fundadores firmaram um documento anterior à constituição da empresa (memorando de entendimentos), esse documento será utilizado como base para a assinatura do Acordo de Cotistas, documento essencial para estabelecer a relação entre os sócios com a inclusão de outros elementos, tais como quóruns de deliberação.

  • EQUIPE
  • Formação da Equipe: 

Com relação à equipe surgem diversos cuidados que devem ser analisados. Principalmente no que se refere à formação da equipe.

É comum que no início a Startup não tenha recursos para a contratação de funcionários, como por exemplo, um desenvolvedor. Surge aí a utilização do Stock Options, relação também conhecida como Contrato de Vesting que a grosso modo é oferecer um percentual da empresa para atrair um talento que seja fundamental para o desenvolvimento do negócio. O Vesting está sendo amplamente utilizado no ecossistema, mas inspira muitos cuidados, principalmente nas esferas trabalhista e tributária.

  • Cuidados trabalhistas:

Caso a Startup opte por contratar um prestador de serviços PJ é fundamental cuidar para não haver uma relação de emprego velada. Ou seja, o prestador de serviços não pode ser tratado como um verdadeiro funcionário nos termos do artigo 3º, da CLT, tendo Subordinação, Pessoalidade e Habitualidade. Dessa forma, se o prestador é um MEI (microempreendedor individual) ou outra PJ, ele deverá ter liberdade para exercer suas atividades, sem controle de horário.

CONCLUSÃO

Por fim, é importante salientar que ao longo de sua trajetória, a Startup irá enfrentar diversos desafios e os arranjos contratuais terão ainda mais importância. No momento que a Startup vai para o mercado será necessário aumentar o nível de estruturação jurídica, seja através da criação de contratos para atender os clientes, seja com a delimitação de termos de uso e políticas de privacidade, além de ser fundamental a realização do depósito da marca junto ao INPI (Registro da Marca). Ainda, à medida que surgirem as primeiras negociações com investidores, haverá cada vez maior necessidade de atenção às questões jurídicas pelos sócios.

 


1 https://economia.uol.com.br/empreendedorismo/noticias/redacao/2019/10/08/crescimento-numero-startups-pais-unicornios.htm 


*Alexandre Caputo é Advogado, sócio do escritório Caputo Advogados; Pós-graduando em Direito Societário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Contratos, Direito Imobiliário e Responsabilidade Civil pela PUCRS; Pós-graduado em Direito Público pelo IDC; Head na Associação Gaúcha de Startups (AGS); Membro da Comissão de Direito da Tecnologia e Inovação da OABRS; Palestrante em direito, tecnologia e inovação; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores. Atua na área empresarial com ênfase em Startups e empresas de base tecnológica.

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