Ao elaborar o contrato de compra e venda das unidades autônomas o incorporador deve se atentar à legislação ao determinar quais taxas envolvidas na incorporação imobiliária serão transferidas para o adquirente do imóvel, evitando potenciais processos judiciais por incorrer em práticas consideradas abusivas.
Há inúmeras taxas que acometem a incorporação imobiliária e que comumente são repassadas para os compradores dos imóveis, mas essa prática deve ser realizada com cautela, uma vez que a mensagem que o Poder Judiciário transmite é que o importante em qualquer acordo contratual é a transparência e a razoabilidade das obrigações assumidas.
As principais taxas objeto de questionamento entre as partes durante as negociações e no judiciário são: a taxa SATI, a comissão de corretagem, a taxa de decoração e a taxa de ligação definitiva.
A cobrança relativa ao serviço de assistência técnico-imobiliária (SATI) refere-se ao serviço de assessoria imobiliária e jurídica prestado pela incorporadora ao comprador. Essa assessoria prestada ao comprador por técnicos vinculados à incorporadora está relacionada com a elaboração e revisão do contrato de compra e venda, serviço inerente à celebração do próprio contrato.
Transferir estes custos para o comprador, portanto, significa onera-lo por um serviço que é intrínseco à atividade de incorporação imobiliária: “considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”1.
A despeito de o Superior Tribunal de Justiça2 já ter firmado tese de que é abusiva a taxa SATI3, ainda é muito comum a manutenção da cobrança pelos incorporadores. A prática, no entanto, deve ser evitada nos negócios, pois invariavelmente resultará no dever de devolução dos valores.
O mesmo, entretanto, não ocorre com os valores desembolsados a título de comissão de corretagem4, que não precisam enxugar o VGV do incorporador, podendo ser transferidos para o comprador do imóvel.
É uma prática muito usual do mercado brasileiro a utilização do serviço prestado por corretores para a escolha do imóvel a ser comprado, e as incorporadoras terceirizam o trabalho do corretor, transmitindo esse custo para os consumidores, o que é considerado válido.
Há nesse caso a necessidade de clareza e transparência na previsão contratual ao transferir o dever do pagamento para o comprador das unidades autônomas: no contrato de compra e venda deve ser especificado o valor referente ao imóvel e o valor da comissão de corretagem, ainda que sejam pagos destacadamente.
É também bastante comum a inclusão pelas incorporadoras nos contratos de compra e venda das taxas de decoração, cobradas dos compradores das unidades para equipar as áreas de uso comum, e de ligação definitiva, que consiste no repasse para o comprador dos custos pela instalação de serviços essenciais como água, luz e gás.
Nenhuma das taxas possui previsão expressa em lei, no entanto, é válida a sua inclusão nos contratos desde que obedecidos os parâmetros de previsão clara no instrumento contratual com definição dos serviços públicos abrangidos a serem pagos pelo consumidor, e que o valor total cobrado não corresponda a um percentual desarrazoado ou aleatório em relação ao preço do imóvel.
A depender da estratégia do incorporador, não transferir estas cobranças para o comprador pode ser um ponto bastante positivo na negociação do imóvel. Mas vale ressaltar que transferir este ônus para o consumidor é legítimo, e não se pode considerar qualquer tipo de taxa abusiva per se.
Os tribunais superiores entendem a matéria desta forma, e tendem a manter aquilo que foi acertado entre as partes, assegurando que devem sempre ser observadas as peculiaridades de cada contrato, e havendo transparência na informação sobre a obrigação de pagamento – sendo ela prévia e inequívoca – não haverá abusividade.
A incorporação imobiliária é um negócio complexo, e que envolve uma série de atores: proprietário do terreno, incorporador, corretor, construtor, financiador e comprador. Ainda que sobre essa relação possa incidir o Código de Defesa do Consumidor, ela é regida pela Lei nº 4.591/94, que permite que as taxas acima referidas, bem como outras que se entenderem necessárias, sejam transferidas para o comprador:
“Art. 51. Nos contratos de construção, seja qual fôr seu regime deverá constar expressamente a quem caberão as despesas com ligações de serviços públicos, devidas ao Poder Público, bem como as despesas indispensáveis à instalação, funcionamento e regulamentação do condomínio”.
Uma vez que o mobiliário e os equipamentos destinados às áreas de uso comum, assim como a instalação de serviços essenciais, são despesas indispensáveis à instalação e funcionamento do condomínio5, poderão ser transferidas ao comprador por contrato, cabendo ao incorporador atuar com transparência e lealdade no negócio.
*Danielle Cazmierczak, estudante de Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS, pesquisadora da área do Direito Imobiliário, atuante na esfera extrajudicial.
1Art. 28, parágrafo único da Lei nº 4.591/1964.
2REsp 1551956/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2016, DJe 06/09/2016
3Tema Repetitivo 938
4CHALHUB, Melhim. A comissão de corretagem na atividade da incorporação imobiliária. Publicada em 27/01/2020. Disponível aqui.
5ALVIM, Teresa Arruda, CORTI, Rafaella Carvalho. Incorporação Imobiliária, sistema de precedentes e segurança jurídica – Julgamento do IUJ n.º 0028314-18.2018.8.19.0002. Disponível aqui.