Marco Legal dos Games – Segunda Parte: Enquadramento e Requisitos para que as Empresas Desenvolvedoras de Jogos Usufruam da Lei

Sumário

 

*Otávio Ronchi

 

Do enquadramento dos profissionais

 

A Lei dos Jogos Eletrônicos estabelece diretrizes importantes para a indústria de jogos, visando proteger os direitos das crianças e adolescentes, bem como promover a transparência e a segurança nas interações online. Além disso, a lei reconhece os profissionais envolvidos no desenvolvimento de jogos e oferece incentivos para sua atuação.

De acordo com o Artigo 7º da Lei, as empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos são consideradas organizações empresariais e societárias cujo objetivo é criar jogos eletrônicos. Essa definição abrange uma ampla gama de empresas que atuam na concepção, produção e distribuição de jogos.

Para garantir a qualidade e a diversidade dos jogos, a lei reconhece os profissionais da área de jogos eletrônicos.. Esses profissionais são essenciais para o desenvolvimento de jogos de alta qualidade, e incluem o artista visual para jogos, o artista de áudio para jogos, o designer de narrativa de jogos, o designer de jogos, o programador de jogos, o testador de jogos e o produtor de jogos.

          1. O artista visual para jogos é responsável por criar elementos visuais, estáticos ou dinâmicos, que compõem a experiência visual dos jogos eletrônicos. Eles desenvolvem personagens, cenários, objetos e interfaces gráficas, contribuindo para a imersão e a estética do jogo.
          2. O artista de áudio para jogos desempenha um papel crucial na concepção e implementação dos elementos sonoros nos jogos eletrônicos. Eles criam trilhas sonoras, efeitos sonoros e diálogos que enriquecem a experiência auditiva dos jogadores, criando atmosferas imersivas e vívidas. 
          3. O designer de narrativa de jogos é responsável por conceber, projetar e desenvolver a narrativa, a história e a estrutura narrativa dos jogos eletrônicos. Eles trabalham na criação de enredos cativantes, personagens envolventes e arcos narrativos que impulsionam a progressão do jogo. 
          4. Os designers de jogos são especializados em conceber, projetar, corrigir, balancear, aprimorar e expandir a experiência interativa dos jogos eletrônicos. Eles são responsáveis por definir as mecânicas de jogo, os desafios, as recompensas e as interações que os jogadores encontrarão ao longo do jogo. 
          5. Os programadores de jogos desempenham um papel fundamental no desenvolvimento dos jogos eletrônicos. Eles são responsáveis por escrever o código que permite o funcionamento dos jogos, implementando as mecânicas de jogo, a inteligência artificial, a física e outros aspectos técnicos. 
          6. Os testadores de jogos desempenham um papel crítico na garantia da qualidade dos jogos eletrônicos. Eles testam os jogos em desenvolvimento, identificando falhas, bugs e gargalos que possam comprometer a experiência do jogador. Seu trabalho contribui para aprimorar a jogabilidade, a estabilidade e a usabilidade dos jogos. 
          7. Por fim, os produtores de jogos têm a responsabilidade de liderar e supervisionar o desenvolvimento de jogos eletrônicos, desde a concepção até o lançamento. Eles coordenam equipes, gerenciam prazos e recursos, e garantem que o jogo seja concluído com sucesso, atendendo às expectativas dos jogadores e das empresas.

 

A Lei também estabelece que os profissionais da área de jogos eletrônicos podem se beneficiar das Leis Complementares que regem a constituição de microempresas, empresas de pequeno porte e microempreendedores individuais (MEI). Essas leis oferecem incentivos e simplificações no registro e na atuação desses profissionais, estimulando o crescimento e o desenvolvimento do setor.

Para facilitar a identificação e classificação das empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos,  a legislação determina que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) disponibilizará um código específico na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) para essas empresas. Isso permitirá uma melhor análise e compreensão da contribuição econômica e do impacto do setor de jogos eletrônicos na economia do país.

 

Do enquadramento para tratamento tributário diferenciado

 

A Lei dos Jogos Eletrônicos estabelece critérios para o enquadramento na modalidade de tratamento especial ao fomento de jogos eletrônicos. Com o objetivo de impulsionar a indústria e incentivar a inovação, a lei oferece benefícios e apoio para empresas e empreendedores que se enquadrem nos critérios estabelecidos.

De acordo com a Lei dos Jogos Eletrônicos, são elegíveis para o enquadramento na modalidade de tratamento especial ao fomento de jogos eletrônicos diversas formas societárias, incluindo: o empresário individual, as sociedades empresárias, as sociedades cooperativas, as sociedades simples e os microempreendedores individuais (MEIs). Para se enquadrarem, essas empresas e empreendedores devem ter tido uma receita bruta de até R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) no ano-calendário anterior ou de R$ 1.333.334,00 (um milhão, trezentos e trinta e três mil, trezentos e trinta e quatro reais) multiplicado pelo número de meses de atividade do ano-calendário anterior, quando inferior a 12 (doze) meses.

A Lei visa promover a inovação na indústria de jogos eletrônicos, e para isso, estabelece critérios específicos de enquadramento, também são apresentados dois critérios que podem ser utilizados para o enquadramento na modalidade de tratamento especial.

O primeiro critério é a utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços, conforme estabelecido no inciso IV do caput do art. 2º da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004.1 Isso significa que as empresas e empreendedores que adotam abordagens inovadoras na forma como desenvolvem e oferecem seus jogos eletrônicos podem se beneficiar do tratamento especial previsto na lei.

O segundo critério é o enquadramento no regime especial Inova Simples, conforme previsto no art. 65-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. O Inova Simples é um regime simplificado e favorecido para empresas que desenvolvem atividades de inovação, fornecendo benefícios e facilitando o processo de abertura e funcionamento dessas empresas.

Além disso, a lei estabelece que o desenvolvimento de jogos eletrônicos é elegível para fomento em três áreas específicas: inovação, desenvolvimento de recursos humanos e cultura. Isso significa que as empresas e empreendedores que se enquadram na modalidade de tratamento especial ao fomento de jogos eletrônicos podem receber apoio e incentivos nessas áreas, visando impulsionar ainda mais o setor de jogos eletrônicos.

          1. O fomento em inovação busca incentivar a pesquisa, o desenvolvimento e a implementação de tecnologias e práticas inovadoras na indústria de jogos eletrônicos. Isso pode incluir o apoio financeiro para projetos de pesquisa e desenvolvimento, a disponibilização de recursos técnicos e a promoção de parcerias entre empresas e instituições de pesquisa.
          2. O fomento em desenvolvimento de recursos humanos visa fortalecer a capacitação e formação de profissionais qualificados para a indústria de jogos eletrônicos. Isso pode envolver a criação de programas de treinamento, bolsas de estudo e estágios, além do estímulo à educação e formação acadêmica nas áreas relacionadas aos jogos eletrônicos.
          3. O fomento à cultura busca valorizar e promover a diversidade cultural presente nos jogos eletrônicos. Isso pode incluir o apoio a projetos que abordem temáticas culturais, históricas e artísticas, bem como a promoção de eventos e atividades que estimulem a participação da comunidade e a valorização da cultura local.

 

Essas medidas contribuem para o fortalecimento e crescimento da indústria de jogos eletrônicos, estimulando a criatividade, a capacitação profissional e a valorização da diversidade cultural presente nos jogos.

 

Dos requisitos para enquadramento como ferramentas essenciais ao desenvolvimento de jogos eletrônicos

 

O Marco legal dos Jogos Eletrônicos reconhece as ferramentas essenciais ao desenvolvimento de jogos eletrônicos. Essas ferramentas incluem computadores, equipamentos especializados, programas de criação de jogos, programas e licenças para equipes multidisciplinares e SDKs. A lei também prevê a regulamentação do desembaraço aduaneiro e das taxas de importação para impulsionar a inovação no setor.

De acordo com o a Lei, são consideradas ferramentas essenciais ao desenvolvimento de jogos eletrônicos os seguintes itens:

          1. Computadores: dispositivos eletrônicos utilizados para executar programas de computador dedicados à criação de jogos. Os computadores desempenham um papel fundamental no desenvolvimento dos jogos, permitindo que os desenvolvedores escrevam, testem e otimizem o código do jogo, além de criarem os gráficos e o áudio.
          2. Equipamentos especializados: são dispositivos essenciais para a fabricação de jogos destinados a uma plataforma específica. Esses equipamentos podem ser comerciais ou não, e são necessários para a produção de jogos otimizados para uma determinada plataforma, como consoles de videogame, dispositivos de realidade virtual ou realidade aumentada, entre outros.
          3. Programas de computador dedicados à criação de jogos: são softwares desenvolvidos especificamente para auxiliar os criadores de jogos. Esses programas possuem recursos e ferramentas que permitem a criação de gráficos, animações, física do jogo, lógica de programação, entre outros aspectos fundamentais para o desenvolvimento de jogos eletrônicos. Eles são capazes de gerar a versão executável do jogo para uma ou mais plataformas.
          4. Programas de computador e licenças para equipes multidisciplinares: equipes de desenvolvimento de jogos geralmente são compostas por profissionais de diferentes áreas, como programadores, designers, artistas, compositores musicais, entre outros. Portanto, são necessários programas de computador e licenças que permitam a colaboração e a integração eficiente entre essas especialidades multidisciplinares durante a construção do jogo.
          5. SDK (Software Development Kit): também conhecidos como DevKits, são conjuntos de ferramentas de desenvolvimento de software fornecidos pelas empresas que produzem consoles de videogame comerciais. Os SDKs são disponibilizados para desenvolvedores cadastrados e com contratos de responsabilidade assinados. Eles incluem documentação, bibliotecas, APIs e outras ferramentas que auxiliam os desenvolvedores na criação de jogos para uma determinada plataforma.

 

A Lei reconhece a importância dessas ferramentas e seu papel fundamental no desenvolvimento da indústria de jogos eletrônicos. Além disso, esclarece que os SDKs são consoles de videogames e/ou protótipos de equipamentos criados pelas empresas produtoras de consoles comerciais. Esses SDKs são disponibilizados pelas empresas aos desenvolvedores cadastrados por meio de contratos de responsabilidade assinados. Essa disposição visa facilitar o acesso dos desenvolvedores as ferramentas adequadas para criar jogos de qualidade para plataformas específicas.

Além de reconhecer as ferramentas essenciais ao desenvolvimento de jogos eletrônicos, a Lei dos Jogos Eletrônicos também estabelece que o poder público deverá regulamentar o desembaraço aduaneiro e as taxas de importação incidentes sobre essas ferramentas, o que pode “baratear” o custo para a implementação de algumas tecnologias. O objetivo dessa regulamentação é fomentar a inovação no setor de empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos. Além disso, a regulamentação do desembaraço aduaneiro e das taxas de importação busca impulsionar a inovação e o crescimento do setor de empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos, incentivando a adoção de tecnologias avançadas e facilitando o acesso a recursos essenciais para os desenvolvedores.

 

Conclusão geral

 

O marco legal dos games representa um avanço significativo para a indústria de jogos eletrônicos, reconhecendo a importância do setor e estabelecendo diretrizes claras para seu desenvolvimento. Trazendo consigo uma série de benefícios e vantagens, incluindo vantagens tributárias, fomentos por meio de editais e a necessidade de adequação e profissionalização dos estúdios

Antes de sua implementação, a indústria de jogos eletrônicos muitas vezes operava em uma zona cinzenta, com poucas regulamentações específicas para o setor. Com o marco legal, os desenvolvedores e estúdios de jogos têm diretrizes claras a seguir, o que proporciona maior segurança jurídica e facilita o crescimento do setor. Além disso, o marco legal reconhece a relevância econômica e cultural dos jogos eletrônicos, colocando-os em pé de igualdade com outras formas de expressão artística.

As vantagens tributárias oferecidas pelo marco legal dos games são outro aspecto crucial para o crescimento da indústria. A redução de impostos e a criação de incentivos fiscais específicos para a produção de jogos eletrônicos tornam o ambiente mais favorável para os desenvolvedores e estúdios. Essas vantagens tributárias permitem a alocação de recursos financeiros de forma mais eficiente, incentivando o investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Dessa forma, os estúdios podem criar jogos de maior qualidade, com recursos mais avançados e experiências mais imersivas.

Além das vantagens tributárias, o fomento por meio de editais é uma estratégia importante para impulsionar a indústria de jogos eletrônicos. Os editais, promovidos por entidades governamentais ou organizações do setor, oferecem recursos financeiros, capacitação e suporte para os desenvolvedores. Esses editais estimulam a criação de novos projetos, incentivam a diversidade e a inclusão na produção de jogos e impulsionam a inovação. Ao fornecer financiamento e suporte técnico, os editais contribuem para o desenvolvimento de jogos de alta qualidade e para a expansão do mercado, fortalecendo a indústria como um todo.

No entanto, é importante ressaltar que, para aproveitar plenamente as oportunidades oferecidas pelo marco legal dos games, os estúdios precisam se adequar e profissionalizar suas práticas. A indústria de jogos eletrônicos é altamente competitiva e exigente, e a qualidade e a inovação são fundamentais para o sucesso. Isso requer a adoção de boas práticas de gestão, a formação de equipes multidisciplinares qualificadas, o investimento em capacitação e a busca constante por aprimoramento. A profissionalização dos estúdios é essencial para garantir a sustentabilidade do negócio, conquistar parcerias estratégicas e alcançar reconhecimento nacional e internacional.

Em suma, o marco legal dos games representa um marco importante para a indústria de jogos eletrônicos, trazendo consigo uma série de benefícios e oportunidades. Com um ambiente regulatório claro e favorável, os desenvolvedores e estúdios de jogos têm melhores condições para criar, inovar e prosperar. É fundamental que todos os envolvidos no setor aproveitem essas oportunidades, trabalhem em colaboração e busquem constantemente elevar o patamar da indústria de jogos eletrônicos, consolidando seu papel como uma forma de expressão cultural, econômica e tecnológica de grande importância.

Para tanto, fiquem atentos nos próximos dois artigos sobre o tema no nosso blog. Para maiores informações e publicações relacionadas com direito societário, tributário, startups, empresas de base tecnológica e estudios de games, fique conectado no site e nas redes sociais da Caputo Duarte Advogados.

 

 


*Otávio Ronchi – Advogado da Caputo Duarte Advogados, Mentor em programas de empreendedorismo como Tecnopuc e PreCapLab – Dimas Ventures, possui  LLM em Direito e Processo Tributário (FMP). Pós Graduado em Direito Digital e Proteção de Dados (EBRADI). MBA, em andamento, em Planejamento Tributário e Gestão de Operações Societárias (FBT).  Coordenador do Grupo de Estudos: “Direito das Startups e Inovação” da Escola Superior da Advocacia (ESA/RS).

 


 

Referências

1Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

(…)

IV – inovação: introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social que resulte em novos produtos, serviços ou processos ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho; (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)

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